Sâmia Bomfim, deputada favorável à legalização do aborto, é do PSOL, o partido mais à esquerda do Congresso Nacional do Brasil. Nikolas Ferreira, parlamentar que votou contra uma proposta para batizar um centro de saúde com o nome de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro do mesmo partido de Sâmia assassinada em 2018, por ela ser, segundo o próprio, “uma abortista”, é do PL, o partido mais à direita. Os dois nunca concordaram em nada, como é fácil imaginar. Até esta semana.Uma e outro são autores de dois dos mais de 60 projetos de lei que deram entrada na Câmara dos Deputados como reação a um vídeo no Youtube que já ultrapassou as 38 milhões de visualizações de Felca, influenciador até então desconhecido da maioria do público. A publicação de Felipe Bressanim Pereira, 27 anos, tem como título “adultização”, uma palavra que conseguiu a proeza de superar “tarifaço”, o aumento substancial de taxas exigido pelo governo norte-americano de Donald Trump às exportações brasileiras, como a mais procurada do país na internet.."Adultização”, segundo Luciana Temer, presidente do Instituto Liberta, que trabalha com a prevenção da violência sexual contra crianças e adolescentes, “é o desrespeito pelo desenvolvimento regular e saudável das crianças” e “a imposição de padrões que são de adultos”. “Mas a adultização acontece há muito tempo no país, quando falamos de trabalho infantil ou de gravidez na adolescência, falamos de adultização também”, disse ao canal Globonews.No vídeo de 50 minutos, Felca, até então popular sobretudo entre jovens por publicações satíricas, denuncia produtores de conteúdos que exploram crianças e adolescentes nas redes sociais. E aponta o dedo também às respectivas plataformas que monetizam esse tipo de peças. O youtuber, cuja imagem de marca são os longos cabelos lisos, começa por criar um perfil do zero e a curtir fotos de crianças em poses ou contextos sugestivos. Depois, mostra que o algoritmo do Instagram imediatamente se condiciona a entregar conteúdo sexualizado de crianças, replicando o comportamento de pedófilos. Em suma, as redes sociais, ao alcance de toda a gente, conectam-se com redes de pedofilia, criminosas e clandestinas. Felca, que tem cerca de 16 milhões de seguidores somados Youtube e Instagram, acusa explicitamente outro influenciador, o paraibano Hytalo Santos, 20 milhões de seguidores, cujo canal mostrava adolescentes a fazer danças sensuais. Alvo do Ministério Público já desde 2024, a conta de Hytalo no Instagram foi derrubada após o vídeo “adultização”. O acusado diz estar a colaborar com as investigações. Uma conta de Kamyla Santos, influenciadora que colabora com Hytalo, também está fora do ar desde então. Esta sexta-feira, Hytalo Santos e o marido foram presos pela Polícia Civil.Com o vídeo, que demorou um ano a ser feito, Felca não conquistou só admiradores. Em entrevista o podcast PodDelas contou que passou “a andar de carro blindado e com seguranças para se proteger”. “Além disso, existe uma ameaça de processos, a gente conta com isso, mas estamos do lado da verdade, se não falássemos, ninguém ia falar mesmo”, acrescentou. O reverso também aconteceu: o próprio Felca processou por difamação 200 pessoas que o acusaram de pedofilia durante a produção do vídeo. “Eu conheço pessoas vítimas de abuso sexual e tenho completo asco por esse crime”. "Quando eu tive a ideia de fazer o vídeo, mergulhei mesmo num lamaçal, é terrível ver aquelas cenas, dá vontade de chorar, de vomitar”, contou o influenciador nascido em Londrina, no estado do Paraná, mas a viver no estado vizinho, na cidade de São Paulo. “Existe também nesse público [que vê os vídeos] homens adultos e, vou te falar uma coisa, esses homens não assistem pelas dinâmicas divertidas”, disse, citado pelo jornal Folha de S. Paulo. "Lei Felca"Além dos vídeos de reacts, reações humorísticas a outros vídeos, a produtos ou serviços, Felca já havia denunciado também o mundo das bets, as apostas online. Mas nunca com a repercussão de “adultização”, que pautou a semana política no Brasil. Entre os mais de 60 projetos para a chamada "Lei Felca", assinados por parlamentares de um vasto grupo de partidos, incluindo o PT do presidente Lula da Silva e o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro, o do senador Alessandro Vieira (MDB) deve ser votado já na próxima semana. Mas não se pense que o ”tarifaço” deixou de ser notícia: Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados, já criou um grupo de trabalho para analisar se a versão final do projeto incomoda as big techs e, por consequência, Trump. Em 9 de julho, o presidente norte-americano publicou uma carta endereçada a Lula em que relacionava o aumento de 50% nas tarifas cobradas a produtos brasileiros aos “ataques contínuos do Brasil às atividades comerciais digitais de empresas norte-americanas”..Leis da Nacionalidade e Imigração. Brasil admite responder com reciprocidade.Fica em prisão preventiva a mulher suspeita de ter matado cinco filhos por envenenamento no Brasil