“Fazer a distinção entre política nacional e políticas europeias tornou-se artificial”
Alain ROLLAND / Parlamento Europeu

“Fazer a distinção entre política nacional e políticas europeias tornou-se artificial”

À margem de um seminário sobre eleições europeias, em Bruxelas, o diretor geral de Comunicação e porta-voz do Parlamento Europeu, Jaume Duch Guillot, falou ao DN do desafio de mobilizar eleitores em 27 países, do perigo de a extrema-direita crescer no escrutínio de 6 a 9 de junho e dos desafios para os próximos 5 anos.
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O slogan do Parlamento Europeu para as próximas eleições é “Use Your Vote”. Apesar de todos sabermos que a União Europeia é onde se tomam muitas das decisões que importam nas nossas vidas, ainda é um desafio mobilizar os eleitores em 27 Estados-membros diferentes?
É sempre um desafio. Mas a última experiência foi positiva, porque em 2019, 51% da população que tinha direito de voto foi votar, o que significa que houve um aumento de nove pontos percentuais em relação a 2014. Agora, cinco anos depois, vemos que tanto a visibilidade como a credibilidade da União Europeia são maiores do que eram em 2019 - por causa do Brexit, por causa do que fizemos na luta contra a pandemia, por causa do que temos feito para ajudar e apoiar a Ucrânia. Mas mesmo assim, se é verdade que 71% ou 72% dos cidadãos europeus nos dizem que sabem a importância do que acontece aqui e como isso tem um impacto nas suas vidas, é preciso estabelecer a ligação entre esta realidade e a importância do voto. Porque é preciso que as pessoas tomem parte nessas decisões de alguma forma. E, segundo, porque as eleições são sempre um bom momento para proteger a democracia. 

A experiência que temos, em Portugal, mas julgo que não será muito diferente na maioria dos outros países, é que nestas eleições se debate quase tudo menos as questões europeias, sendo muitas vezes um referendo ao partido no poder num Estado. Como é que vocês, responsáveis pela comunicação institucional do Parlamento Europeu, tentam trazer essas questões para a discussão em 27 países com prioridades e realidades diferentes?
É mais fácil agora do que já foi no passado. Porque chegámos a um ponto em que fazer a distinção entre política nacional e políticas europeias, entre os assuntos nacionais e os assuntos europeus, se tornou artificial. Todas as questões neste momento têm um lado europeu e um lado nacional. Quer estejamos a discutir o ambiente, a política industrial, a agricultura. Quer estejamos a discutir as migrações, o crescimento económico - é uma questão nacional ou uma questão europeia? São ambas as coisas. Por isso diria que mesmo no caso dos políticos que acham que estão apenas a discutir as questões nacionais, não, estão também a discutir questões europeias. 

Já falou de alguns dos temas que marcaram os últimos anos - Brexit, covid, guerra na Ucrânia. Foi um mandato difícil. Quais vão ser os grandes desafios para os próximos cinco anos?
Eu acredito que os desafios vão ser ainda maiores, porque estes estão  relacionados com a situação no mundo, com o facto de neste momento a paisagem internacional ser mais complicada do que era há cinco anos. Temos uma guerra nas fronteiras da União Europeia, uma guerra de agressão. Temos também um conflito, muito sério, em Israel e Gaza e, num nível diferente, não sabemos quais vão ser as consequências do resultado das eleições americanas. Por isso há muitas coisas que, de uma forma ou de outra, nos mostram que temos de assumir as nossas próprias responsabilidades enquanto europeus, enquanto União Europeia. E isso significa sermos capazes de criar o nosso próprio guarda-chuva de defesa e segurança com a NATO. Significa também sermos mais autónomos em termos de acesso à energia, a muitos tipos diferentes de produtos, que até agora eram importados de países terceiros. Há muitas coisas a fazer desse ponto de vista. É o que agora chamam “autonomia estratégica”, que é uma designação estranha, mas que significa que temos de ser os verdadeiros adultos neste mundo. Depois, tem ainda a ver com o alargamento. Sabemos que por razões geopolíticas, este alargamento torna-se cada vez mais importante, mas também vai ser mais difícil, portanto tem de ser bem preparado e isso vai ser um desafio. E, por causa do alargamento, é preciso termos uma discussão sobre como reformar a maneira como a União Europeia toma decisões. Essa questão também vai estar na agenda.

Com 27 já vimos como é por vezes difícil tomar decisões, podemos imaginar como vai ser com 30 ou mais países…
É essa a questão. Ou seja, com 27 já vimos que por vezes há bloqueios e que o Conselho precisa de muito mais tempo do que seria necessário para tomar decisões. Portanto temos de acelerar as coisas. E isso significa que o número de casos em que as decisões são tomadas por unanimidade tem de ser bastante reduzido.

Um dos grandes receios nestas eleições é que, tendo em conta o panorama em vários países europeus, a extrema-direita tenha grandes ganhos e como é que isso vai afetar a forma como o Parlamento Europeu vai trabalhar nos próximos cinco anos…
Bem, esta é a terceira vez que toda a gente está à espera de uma grande subida da extrema-direita. Foi anunciado em 2014 mas não aconteceu. E voltou a ser anunciado em 2019 e voltou a não acontecer. Claro que não estou a dizer que não pode acontecer agora, sobretudo quando vemos as sondagens, as projeções e a situação que se vive em vários países. Podemos imaginar o que isso vai significar se projetarmos esses resultados para as eleições europeias - vai haver um aumento da presença desses partidos. Mas ao mesmo tempo, todas as sondagens nos dizem que depois das eleições o Parlamento Europeu vai manter a sua maioria pró-europeia. No fim de contas o que importa não são as sondagens, é quem vai votar e quem vai ficar em casa. Por isso é tão importante aumentar o nível de conhecimento e o nível de interesse dos cidadãos por estas eleições

Já falou há pouco das eleições americanas. Se Donald Trump ganhar, vai ser ainda mais importante ter uma União Europeia, um Parlamento Europeu, fortes e unidos, por exemplo, no apoio à Ucrânia?
Eu acredito que a primeira presidência de Donald Trump foi um despertar para a União Europeia, de várias formas. Não sei quem vai ganhar as eleições americanas a 5 de novembro, mas a simples possibilidade de haver uma mudança nas prioridades da Casa Branca está de novo a provocar um despertar. E esse é um lado positivo, que nós europeus percebamos que não podemos simplesmente esperar para ver. Não podemos pensar que a Administração americana vai estar sempre lá para nós. Há já alguns anos, e não só com Trump, que as prioridades das administrações americanas, do governo americano, estão cada vez mais viradas para o Pacífico e menos para a Europa. Temos de ter isso em conta.

No ano passado vimos o Parlamento Europeu envolvido no escândalo do Qatargate. Casos como esse podem minar a credibilidade das instituições europeias junto dos eleitores?
As sondagens não mostram isso, de todo. E eu penso que isso é o resultado de todas as medidas que foram tomadas no último ano e meio. No dia a seguir a ter surgido o Qatargate, a presidente do Parlamento Europeu anunciou a intenção de fazer uma reforma interna da instituição, para reforçar as medidas ligadas à responsabilização, à transparência. E isso foi feito ao longo dos últimos 18 meses. Foram adotadas 14 medidas importantes pelos órgãos desta câmara. E, ao mesmo tempo, não aconteceu mais nada. Hoje sabemos exatamente o que foi o Qatargate. E não foi uma falha sistémica do Parlamento Europeu. Teve a ver com o comportamento de um pequeno número de pessoas. E isso explica, do meu ponto de vista, que a opinião pública não tenha sido nem vá ser influenciada pelo Qatargate.

Quando olhamos para os dados do Eurobarómetro, vemos que os portugueses são esmagadoramente pró-europeus…
São inteligentes!

Mas, por exemplo, os polacos também estão entre os que são mais a favor da União Europeia, isso surpreende-o, tendo em conta que até às recentes eleições o anterior governo polaco esteve algumas vezes em conflito com Bruxelas?
Não, não me surpreende. Não são só os polacos, são também os suecos, os finlandeses, os países Bálticos. E isso está relacionado com o que está a acontecer na Europa e com a guerra na Ucrânia. Muitos cidadãos europeus descobriram agora que pertencer à União Europeia significa ter proteção extra, que traz um valor acrescentado. Durante muitos anos, era mais fácil os países do Sul compreenderem isso, porque eram os grandes beneficiários dos fundos estruturais, da solidariedade financeira, etc. Mas essa importância da União Europeia era menos evidente nos países onde esses fundos eram menos importantes. Mas hoje, independentemente da geografia, do sítio onde vive, muita gente descobriu que pertencer à União Europeia é uma vantagem. 

Mas ainda temos uma Hungria, por exemplo, que parece mais difícil de convencer. Pode ser um problema no futuro?
Eu penso que na Hungria a sociedade é bastante pró-europeia. E, por exemplo, quase ninguém na Hungria está a propor deixar a União Europeia. Na verdade é algo que está a acontecer em quase todos os países. Essas forças que há uns anos propunham o Brexit, o Frexit, o Grexit, etc, abandonaram essas ideias.

Provavelmente porque viram como correu o Brexit…
Em primeiro lugar devido ao resultado do Brexit. E em segundo lugar devido às duas grandes crises do últimos anos: a pandemia e a Ucrânia. Os cidadãos europeus viram o que aconteceu à sua volta. E há hoje uma enorme maioria que percebe que deixar a União Europeia seria um erro.

O DN viajou a convite do Parlamento Europeu

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