"As rolhas de champanhe deveriam estar a rebentar em Bruxelas, uma vez que Merz empenhar-se-á em fortalecer a União Europeia”, declarou Jacob Heilbrunn, do think tank Atlantic Council, no rescaldo da vitória dos conservadores da CDU nas eleições federais antecipadas na Alemanha. Ainda existem algumas incertezas sobre o cenário pós-eleitoral, como a CDU e o SPD se irão entender para formar uma coligação e quando é que haverá governo, mas uma coisa parece certa: Friedrich Merz quer conduzir o país numa direção diferente da levada até agora pelo chanceler Olaf Scholz. E Friedrich Merz deixou isso bem claro assim que foram conhecidos os primeiros resultados nas eleições, a 23 de fevereiro. “A minha prioridade absoluta será fortalecer a Europa o mais rapidamente possível para que, passo a passo, possamos realmente alcançar a independência dos Estados Unidos”, declarou o presumível próximo chanceler alemão.“O desafio histórico para Friedrich Merz é ajudar a construir uma Europa que possa ser auto-suficiente. A Alemanha só foi capaz de se rearmar e reivindicar a independência da Rússia quando as alas pacifistas e favoráveis ao envolvimento do SPD avançaram no sentido de aumentar os gastos com a defesa e cortar os laços com Moscovo. E é o passado ultra-atlantista e fiscalmente conservador da CDU de Merz que dá força aos seus apelos à independência dos EUA, e lhe dará a credibilidade para enterrar o travão à dívida”, refere Mark Leonard, diretor do think tank Conselho Europeu para as Relações Internacionais (ECFR)..Merz tem 1,98 m, recorde para chanceler, mas há um líder europeu ainda mais alto.Friedrich Merz. O milionário piloto que quer assumir os comandos da Alemanha. Na opinião de Jörn Fleck, diretor sénior do Centro Europeu do Atlantic Council, tudo depende se a CDU chegar a um entendimento, e com rapidez, com os sociais-democratas do SPD para formar governo. Se tal acontecer, “esta será uma importante injeção de estabilidade para a UE por parte do seu maior Estado-membro. A Alemanha tem estado ausente como líder político e económico da UE, como parte do motor franco-alemão e como ator de segurança”. “Num momento de tremenda instabilidade, de desgaste das ligações transatlânticas e de desafios fundamentais para a segurança e a economia da Europa, a Europa não pode continuar a permitir-se que a Alemanha fique ausente em ação - tanto como peso pesado político como motor económico. Merz, como europeu empenhado, pode oferecer um novo começo se jogar bem as suas cartas. A aproximação a Paris e sinais precoces e convincentes dirigidos a Varsóvia e aos parceiros Nórdico-Bálticos, muitos dos quais partilham com ele laços familiares partidários, poderão dar um novo tom a iniciativas-chave”, refere o mesmo analista.Um sinal dessa aproximação, nomeadamente à França, a outra grande potência do bloco, foi a visita de Friedrich Merz na passada quarta-feira a Paris, para jantar com Emmanuel Macron. Esta visita, feita apenas três dias após a sua vitória eleitoral, vai contra a prática habitual na Alemanha - onde o chanceler espera até ser empossado para fazer visitas diplomáticas - mas mostra o desejo do líder da CDU em reabilitar a relação com o presidente francês, que nem sempre foi pacífica com o ainda chanceler Olaf Scholz. “Juntos, os nossos países podem alcançar grandes feitos para a Europa”, escreveu o conservador alemão no X após o encontro.A Polónia é outro parceiro a ter em conta, não só porque até final de junho ocupa da presidência rotativa do Conselho da União Europeia, e cujo principal foco é a segurança, mas também porque é liderada por Donald Tusk, um político experiente e que pertence à mesma família política europeia de Merz. Aliás, o alemão esteve em Varsóvia em dezembro para discutir uma cooperação entre os dois países, nomeadamente em termos de defesa e apoio à Ucrânia, e a Polónia é referida por cinco vezes no manifesto eleitoral da CDU.“Quando a campanha presidencial polaca terminar, em junho, e o novo governo alemão for formado, a Polónia e a Alemanha enfrentarão uma oportunidade única para construir uma liderança forte para a UE”, nota Piotr Buras, diretor do ECFR em Varsóvia. “A segurança e a migração serão os dois desafios mais importantes para a futura cooperação polaco-alemã. Varsóvia espera que o compromisso de Berlim com a defesa europeia vá muito além do que a Alemanha fez até agora: mais despesas com a defesa (incluindo fundos a nível da UE), mais apoio à Ucrânia, projectos bilaterais. Esta será a medida do sucesso ou insucesso de uma renovada parceria polaco-alemã”, prossegue Buras.Mas nem tudo será um mar de rosas entre Berlim e Varsóvia, nota o mesmo especialista. “Embora Tusk e Merz partilhem uma abordagem dura à migração irregular, os planos do futuro chanceler alemão de enviar de volta todos os migrantes das fronteiras alemãs teriam destruído Schengen e teriam consequências catastróficas para os vizinhos, incluindo a Polónia. A sua implementação seria uma receita para o conflito e não para a parceria. Em vez disso, a Polónia e a Alemanha deveriam trabalhar de mãos dadas no estabelecimento de cooperação com os países de origem e os países terceiros para acelerar as readmissões e tornar possíveis os procedimentos de asilo em países terceiros”.As primeiras declarações de Merz parecem indicar a sua intenção de trabalhar em estreita parceria com França e Polónia, o chamado triângulo de Weimar, para dar um novo impulso à Europa, o que pode frustrar as ambições de Itália, que tradicionalmente se vê como uma espécie de apoio franco-alemão. “Embora Merz tenha sido inequívoco nas suas declarações no que diz respeito à escolha entre a Europa e os EUA, subjacente à necessidade de autonomia europeia, Meloni continua a encontrar um equilíbrio difícil entre o vínculo transatlântico e a unidade europeia”, nota Nicoletta Pirozzi, diretora do programa da União Europeia do think tank Istituto Affari Internazionali.Desafio para von der LeyenSe à primeira vista a subida de Friedrich Merz ao poder poderia ser do agrado de Ursula von der Leyen, já que ambos são alemães e da CDU, o presumível futuro chanceler da Alemanha e a presidente da Comissão Europeia têm vários pontos de fricção. Um deles, e talvez o mais antigo, tem a ver com política interna - von der Leyen era uma aliada próxima de Angela Merkel, foi sua ministra em várias pastas entre 2005 e 2019, ano em que foi catapultada pela então chanceler para a liderança do executivo europeu, e Merz foi seu adversário durante anos. Depois, o líder da CDU já deixou claro que pretende ter um papel muito mais interventivo do que o atual chanceler nas questões da União Europeia, o que vai contra o desejo de domínio que Ursula von der Leyen tem mostrado ter de uma forma crescente nos últimos seis anos, aproveitando-se em grande parte da fragilidade mostrada até agora pelo eixo franco-alemão encabeçado por Macron e Scholz, chamando a si a resposta do bloco em crises como a covid-19 e a Ucrânia. “A característica definidora desta relação é que será potencialmente uma competição pela liderança na Europa”, disse ao Politico Jan Techau, diretor para a Europa do think tank Grupo Eurásia. “Ela está claramente interessada em dominar a cena de Bruxelas, enquanto Merz, claro, quer restabelecer a liderança da Alemanha na Europa”.