EUA avisam que Moscovo não quer ficar-se pelo leste da Ucrânia
Não se vislumbra uma solução diplomática em breve e Putin está a preparar-se para um conflito prolongado, adverte a diretora dos serviços de informações dos EUA. Moscovo reclama avanços a leste e ataca a sudoeste.
A Rússia está a preparar-se para um conflito prolongado e não quer ficar-se pelo Donbass, tendo como objetivo ligar a Crimeia à Transnístria, disse a diretora dos serviços de informações dos EUA. Enquanto o exército russo diz registar avanços a leste - e causou a morte a 44 pessoas só em Izium, na região de Kharkiv -, um novo ataque à cidade portuária de Odessa causou um morto e cinco feridos, horas depois da visita do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.
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As informações dos Estados Unidos sobre os planos russos chegaram a irritar o presidente ucraniano. Semanas antes da invasão de 24 de fevereiro, Volodymyr Zelensky criticava a "histeria" dos avisos, os quais podiam criar "pânico" e paralisar a economia. Mas revelaram-se certeiros, apesar da tentativa do Kremlin em ridicularizar os relatos. Agora a diretora dos serviços de informações dos EUA, Avril Haines, afirma que, apesar da tentativa falhada de tomar Kiev numa primeira fase, Vladimir Putin não quer limitar a conquista territorial ao Donbass, no leste da Ucrânia.
À Comissão dos Assuntos Militares do Senado, Haines disse que o próximo mês ou dois de combates serão importantes tendo em conta que o líder russo pretende dar um novo fôlego à campanha militar. Ainda que a Rússia fosse bem-sucedida na conquista da região de Donetsk e Lugansk, advertiu, Moscovo não poria fim à guerra. "Avaliamos que o presidente Putin está a preparar-se para um conflito prolongado na Ucrânia, durante o qual ainda pretende atingir objetivos para além do Donbass." Haines disse que os serviços secretos norte-americanos não acreditavam que Moscovo pudesse exercer controlo nas próximas semanas sobre o Donbass nem estabelecer uma ponte terrestre através da costa do Mar Negro da Ucrânia até à região da Transnístria, na Moldávia.
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Este objetivo foi admitido há três semanas pelo subcomandante das forças do distrito militar do centro da Rússia, Rustam Minnekayev, que se queixou de "casos de opressão da população de língua russa" e nos dias seguintes registaram-se ataques a instalações militares e de segurança dos separatistas pró-russos, o que foi classificado pelo governo moldavo de "provocações" e pelos serviços secretos ucranianos de ações que fazem parte do guião do Kremlin usado no Donbass.
A diretora dos serviços de informações dos EUA disse que o líder russo estava a visar um objetivo a longo prazo. "Putin muito provavelmente também julga que a Rússia tem uma maior capacidade e vontade de enfrentar desafios do que os seus adversários. E ele está provavelmente a contar com os EUA e a UE enfraquecerem a determinação à medida que a escassez de alimentos, a inflação e os preços da energia se agravam", disse Haines.
Por outro lado, do ponto vista diplomático, não é de esperar progressos tão cedo, porque ambas as partes acreditam que podem fazer progressos militares. "A realidade de que Putin enfrenta um desencontro entre as suas ambições e as atuais capacidades militares convencionais da Rússia significa provavelmente que os próximos meses poderemos ver avançar uma trajetória mais imprevisível e potencialmente agravada", disse Haines.
Uma visão diferente foi expressa pelo primeiro-ministro italiano. Em visita à Casa Branca, Mario Draghi disse a Joe Biden que era tempo de "pensar profundamente" sobre a forma de alcançar uma trégua. "As pessoas querem pensar sobre a possibilidade de instaurar uma trégua e começar a entabular negociações credíveis", afirmou Draghi, que elogiou a unidade do Ocidente perante a invasão russa.
Um certo impasse
Já quanto ao que se passa no terreno, o diretor da Agência de Informações da Defesa falou em impasse. "Os russos não estão a ganhar e os ucranianos não estão a ganhar, e nós estamos num certo impasse", resumiu o tenente-general Scott Berrier aos senadores norte-americanos.
O Congresso norte-americano deverá aprovar um pacote de ajuda militar, económica e humanitária à Ucrânia de 37,7 mil milhões de euros. São 6,4 mil milhões adicionais ao que a Casa Branca solicitara em assistência militar e humanitária.
Horas depois de o Pentágono ter dito que as sanções estavam já a sentir-se na capacidade militar russa, com a indústria a encontrar dificuldades em substituir os mísseis teleguiados - razão pela qual estarão a bombardear cidades como Kharkiv ou Mariupol com bombas convencionais -, o Departamento da Defesa anunciou que o primeiro helicóptero foi entregue à Ucrânia. Os Estados Unidos vão entregar 11 aeronaves de transporte Mi-17, que podem ser armadas com canhões e rockets. Enquanto isso, a Câmara dos Representantes aprovou o pacote de quase 40 mil milhões de dólares (37,7 mil milhões de euros) de ajuda a Kiev.
O Estado-Maior ucraniano informou que os ataques continuam no leste do país, incluindo na siderurgia Azovstal, onde mais de mil militares - e cem civis, segundo o governador da região - continuam entrincheirados. Ao discursar perante o parlamento de Malta, Zelensky disse que Moscovo tem rejeitado as propostas para retirar os soldados ucranianos. Na bacia do Donbass, as tropas russas "continuam a preparar operações ofensivas nas regiões de Liman e Severodonetsk. Já o Ministério da Defesa russo anunciou a tomada de Popasna, entre Kramatorsk e Lugansk, ao norte do Donbass, o que significa que as tropas russas conseguiram chegar à "fronteira administrativa da república popular de Lugansk", onde esta faz limite com outra região separatista e também república autoproclamada, Donetsk. A norte, na região de Kharkiv, os ucranianos expulsaram as forças russas em quatro localidades.
Refira-se ainda que a Bielorrússia anunciou que vai destacar "tropas de operações especiais" para três áreas próximas da fronteira com a Ucrânia, em resposta a uma "ameaça crescente dos Estados Unidos e dos seus aliados".
Rússia dá gás às relações com Argélia
O ministro dos Negócios Estrangeiros russo deslocou-se à Argélia, país aliado, num momento em que Moscovo perde mercados da energia à luz da invasão da Ucrânia e Argel ameaça cortar o fornecimento de gás natural a Espanha devido à questão do Saara Ocidental.

Sergei Lavrov foi recebido pelo homólogo argelino Ramtane Lamamra.
© MNE da Rússia/AFP
Questionado sobre as entregas de gás, Lavrov disse que a Rússia, Argélia e outros exportadores de gás "acreditam que devem respeitar os acordos alcançados". Moscovo cortou o gás à Polónia e à Bulgária depois de estes países terem recusado fazer o pagamento em rublos, uma exigência do regime de Putin.
A Argélia é um importante fornecedor de gás à Europa, totalizando 11% das suas importações, em comparação com 47% da Rússia. O gás natural que chega a casa dos portugueses é originário sobretudo da Argélia.
A visita, na qual se discutiu "o reforço da cooperação técnica e militar", coincide com os 60 anos das relações diplomáticas bilaterais. "Apreciamos muito a posição ponderada, objetiva e equilibrada da Argélia sobre a questão ucraniana", disse Lavrov aos jornalistas depois de se encontrar com o seu homólogo Ramtane Lamamra e o presidente Abdelmadjid Tebboune. Argel absteve-se quando a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou em março uma resolução exigindo a retirada imediata da Rússia da Ucrânia.
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