Jerusalém depois do ataque do Irão.
Jerusalém depois do ataque do Irão.RONALDO SCHEMIDT / AFP

Escalada de violência no Médio Oriente está nas mãos de Israel

Irão lançou o o seu primeiro ataque direto contra o solo israelita, mas 99% dos drones e mísseis foram neutralizados. Telavive ainda não decidiu a sua resposta, mas já teve a garantia de que os Estados Unidos ficarão de fora. Comunidade internacional pede contenção.
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É quase certo que Israel retaliará em algum momento contra o ataque sem precedentes de drones e mísseis do Irão, mas a questão é como e quando. Vários ministros israelitas apelaram este domingo a uma resposta firme ao ataque iraniano de sábado à noite, que membros da coligação governamental, radicais e ultranacionalistas, consideram ser uma oportunidade para “moldar o Médio Oriente”. “Perante a ameaça do Irão, construiremos uma coligação regional e garantiremos que o Irão pague o preço da forma certa e no momento certo para nós”, afirmou Benny Gantz, membro do Gabinete de Guerra israelita, líder do partido da oposição Unidade Nacional e principal adversário político do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. 

O Gabinete de Guerra israelita - composto pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, o ministro da defesa do país, Yoav Gallant, e Gantz - iniciou uma reunião às 13.30 (hora de Lisboa) para discutir uma resposta ao ataque. 

Uma certeza Netanyahu, Gallant e Gantz tinham durante esta reunião: os Estados Unidos, o maior aliado de Israel, já tinham deixado claro que não participarão em qualquer ação de retaliação israelita contra o Irão. “Não faremos parte de qualquer resposta que pretendam dar”, disse um alto responsável norte-americano sob condição de anonimato. E reforçou: “Não nos vemos a participar num tal ato.” 

Apesar de Joe Biden ter manifestado publicamente o seu “apoio férreo” a Israel contra o Irão após o ataque de Teerão, o presidente dos Estados Unidos disse, numa conversa telefónica com Benjamin Netanyahu, que se oporia a um contra-ataque israelita que o primeiro-ministro deveria “aproveitar a vitória”, segundo noticiou o Axios.

O Irão lançou seu primeiro ataque direto ao território israelita na noite de sábado, em retaliação ao ataque ao consulado de Teerão em Damasco, a capital da Síria, no passado dia 1, e no qual morreram sete elementos da Guarda Revolucionária, incluindo dois generais.

Israel anunciou que 99% dos mísseis e drones lançados por Teerão foram neutralizados, mas a verdade é que os analistas apontam que o Irão procurou deliberadamente manter a intensidade do ataque abaixo de um limiar presumido para a inevitável retaliação israelita. 

“Acho que os iranianos levaram em consideração o facto de que Israel tem um sistema antimíssil multicamadas muito, muito forte e provavelmente levaram em consideração que não haverá muitas baixas”, adiantou Sima Shine, antiga diretora da Divisão de Investigação e Avaliação da Mossad e atual líder do Programa do Irão no think tank israelita Instituto de Estudos de Segurança Nacional (INSS). Julien Barnes-Dacey, diretor do programa para o Médio Oriente no Conselho Europeu de Relações Externas, escreveu no X que a exibição “fraca” dos drones do Irão pretendia sinalizar que Teerão queria “evitar uma guerra mais ampla”.

O próprio Irão, através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, disse ter anunciado antecipadamente, incluindo aos Estados Unidos, a realização do ataque, que classificou como “limitado e mínimo” e que visava “punir o regime israelita”. 

Com este esperado ataque do Irão, Israel conseguiu recuperar o apoio internacional que vinha a perder com a sua ofensiva em Gaza e a situação dramática em termos humanitários em que se encontram os palestinianos. Telavive obteve o apoio total do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que anunciou que as forças norte-americanas contribuíram para a frustração quase completa do ataque iraniano de mísseis e drones. E vários países intercetaram projéteis que sobrevoavam as suas bases ou territórios no Médio Oriente durante o ataque - o Reino Unido, que tem uma importante base militar em Chipre, a Jordânia, onde objetos voadores penetraram no seu espaço aéreo, e a França, que mobilizou defesas aéreas em torno das suas bases militares regionais. Já os aliados regionais do Irão - o Hezbollah no Líbano e os rebeldes Houthi no Iémen - dispararam bombas e enviaram drones na direção de Israel durante o ataque iraniano.

Mas este apoio a Israel pode estar condicionado pela resposta que o Governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, nomeadamente por parte dos Estados Unidos. Mas não só: este domingo, numa conversa telefónica com Joe Biden, o rei Abdullah da Jordânia - um dos países que fica entre Israel e o Irão - garantiu que “não será uma arena para uma guerra regional” e que qualquer “escalada por parte de Israel apenas alargaria o círculo de conflito”.

“A bola está agora no campo de Israel e a resposta aos acontecimentos da noite passada determinará se estamos a caminhar para uma escalada grave ou se estamos a pôr fim ao ciclo atual. Israel pode contentar-se com a taxa de interceção sem precedentes, com a cooperação extraordinária com os Estados Unidos e o Reino Unido num quadro de coligação e, acima de tudo, com o facto de os danos causados ​​pelo ataque iraniano terem sido mínimos”, defendia ontem Danny Citrinowicz, investigador do Programa do Irão do INSS. “ Israel pode responder de forma limitada, especialmente quando parece que os americanos não apoiam um contra-ataque israelita. Ao mesmo tempo, este é um acontecimento sem precedentes que pode justificar uma resposta severa, a fim de evitar tais acontecimentos no futuro e traçar um limite para o Irão, para que este não volte a repetir uma resposta semelhante. No entanto, qualquer ataque ao Irão aumenta significativamente a probabilidade de um conflito regional, estendendo-se para além de um simples cenário de Israel versus Irão. Por conseguinte, seria aconselhável coordenar qualquer resposta com a administração dos EUA”, prosseguiu o investigador.

G7 não esquecem Gaza

O domingo foi marcado por uma onda de condenação quase geral (exceção feita aos aliados de Teerão) ao ataque do Irão, mas também por pedidos de contenção para evitar uma potencial escalada de violência no Médio Oriente. A União Europeia afirmou que uma nova escalada de tensão no Médio Oriente “é do interesse de ninguém” e instou as partes envolvidas no conflito, Israel e Irão, a “agirem com a máxima contenção” depois de ataque iraniano. 

Numa declaração escrita em nome da União Europeia, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, reiterou “o seu compromisso para com a segurança de Israel” e garantiu que Bruxelas “continua comprometida em contribuir para a segurança da região e está em contacto próximo com todos os lados”. Borrell convocou para amanhã uma reunião de emergência dos ministros dos Negócios Estrangeiros para UE para discutir este tema, encontro que será realizado através de videoconferência.

Já a presidente da Comissão Europeia disse que a União Europeia vai discutir novas sanções contra o Irão para conter os programas de drones e mísseis deste país. “Em estreita cooperação com os nossos parceiros, iremos refletir sobre sanções adicionais contra o Irão, visando em particular os seus programas de drones e mísseis”, afirmou Ursula Von der Leyen, depois de ter participado na reunião por videoconferência com os líderes do G7.

Os países do G7 “condenaram veementemente” o ataque iraniano a Israel e advertiram o Irão de que “tomarão novas medidas” se este continuar com “iniciativas desestabilizadoras” no Médio Oriente, após uma reunião por videoconferência.

Numa declaração conjunta, os dirigentes da Itália, Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos, Japão, Alemanha e Canadá, para além dos da União Europeia, afirmaram que, “com as suas ações, o Irão deu mais um passo no sentido da desestabilização da região e arrisca-se a provocar uma escalada regional incontrolável”. “Esta situação deve ser evitada”, defenderam na reunião presidida pela primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni.

A situação em Gaza não foi esquecida pelo grupo dos sete países, que se comprometeu a reforçar a sua cooperação “para pôr termo à crise em Gaza, nomeadamente continuando a trabalhar para um cessar-fogo imediato e sustentável e para a libertação dos reféns do Hamas, e prestando uma maior assistência humanitária aos palestinianos necessitados”. 

O secretário-geral da ONU condenou igualmente “a grave escalada” representada pelo ataque do Irão a Israel e apelou a “uma cessação imediata destas hostilidades”, sublinhando estar “profundamente alarmado com o perigo muito real de uma escalada devastadora em toda a região”. António Guterres exortou ainda “todas as partes a exercerem a máxima contenção, a fim de evitar qualquer ação que possa levar a grandes confrontos militares em várias frentes no Médio Oriente”. 

O Governo do Qatar, um dos países que tem mediado as negociações entre Telavive e o Hamas, manifestou “profunda preocupação” com a situação no Médio Oriente na sequência dos ataques do Irão contra Israel e apelou a todas as partes para que “promovam a calma”, “exerçam a máxima contenção” e “ponham termo” à escalada. Outro dos mediadores, o Egito, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, apelou à “máxima contenção” e alertou para o “risco de expansão regional do conflito”. 

Na mesma linha, o presidente iraquiano apelou a uma “redução das tensões” no Médio Oriente, ao mesmo tempo que pediu que o conflito não se “alastre”. Abdel Latif Rachid sublinhou também “a necessidade de pôr termo à agressão contra a Faixa de Gaza e de encontrar uma solução para a questão palestiniana, uma vez que se trata de um elemento fundamental para a estabilidade da região”.

De Moscovo veio também um apelo a “todas as partes envolvidas” para a “contenção”, de forma a “evitar uma escalada perigosa”. “Contamos com os Estados da região para encontrar uma solução para os problemas existentes, através de meios políticos e diplomáticos”, acrescentou a diplomacia russa. “Calma e contenção” foi o que pediu também a China, mostrando uma “profunda preocupação” com a atual escalada da situação” na região. 

ana.meireles@dn.pt

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