Donald Trump conseguiu unir Governo Lula e bolsonaristas
Donald Trump conseguiu o que parecia impossível: unir o governo de centro-esquerda e a oposição de extrema-direita do Brasil. Parlamentares do PT, de Lula da Silva, e ex-membros do governo de Jair Bolsonaro aprovaram numa comissão do Senado, por unanimidade, um projeto de lei que determina critérios para a reciprocidade em caso de barreiras comerciais a produtos brasileiros como resposta ao aumento tarifário anunciado pelos presidente norte-americano. A Câmara dos Deputados corroborou a decisão dos senadores, só falta a sanção, protocolar, de Lula.
A Casa Branca, que já definira tarifa de 25% sobre as importações de aço e alumínio brasileiros, decidiu aplicar uma tarifa de 10% sobre outros produtos, o patamar que Trump alega que o Brasil cobra de bens norte-americanos. A taxa será a mesma para todos os países da América Latina, exceto Venezuela e Nicarágua. Para países que cobram mais de 20% dos produtos dos EUA, Washington anunciou que aplicará uma taxa recíproca equivalente à metade: a China, por exemplo, será taxada em 34% e a União Europeia, em 20%.
Em comunicado conjunto, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e o Ministério das Relações Exteriores afirmaram que a atitude de Trump “viola os compromissos dos EUA perante a Organização Mundial do Comércio e impactará todas as exportações brasileiras de bens para os EUA”. Declararam ainda que defendem os “interesses dos produtores nacionais junto ao governo dos Estados Unidos”.
Com o projeto de lei, o Brasil pretende contornar as sobretaxas sobretudo de produtos do setor do agronegócio, uma área normalmente muito próxima de Bolsonaro, tanto que a relatora do texto foi Tereza Cristina, ministra da Agricultura do governo, de extrema-direita, anterior.
O projeto, aprovado pelos 19 senadores da Comissão de Assuntos Económicos do Senado, permite que o Conselho Estratégico da Câmara de Comércio Exterior autorize a adoção de contramedidas em caso de ações de países ou blocos económicos que interfiram nas escolhas soberanas do Brasil; violem ou sejam inconsistentes com acordos comerciais de que o Brasil seja parte; e configurem medidas unilaterais com base em requisitos ambientais mais onerosos do que os padrões de proteção brasileiros.
Pela proposta, a Câmara de Comércio Exterior poderá adotar como forma de resposta a suspensão de concessões comerciais, de investimentos e de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual. Segundo o relatório, as contramedidas devem ser proporcionais ao impacto económico causado pelas práticas protecionistas que outros países adotarem mas com consultas diplomáticas, coordenadas pelo Ministério das Relações Exteriores, “com vista a mitigar ou anular os efeitos das medidas e contramedidas”.
“Esta é uma lei que não é só para os EUA, ela contempla todos os mercados que fazem comércio exterior com o Brasil. Não é uma retaliação, é uma proteção quando os produtos brasileiros forem retaliados", afirmou Tereza Cristina.
"É uma afirmação soberana do Brasil diante do mundo. O Brasil, como disse o presidente Lula, não quer ser maior do que ninguém, mas também não aceita ser diminuído por ninguém. Respeito é bom, e a gente aprende em casa”, acrescentou, por sua vez, Randolfe Rodrigues, deputado do PT.
Além de Tereza Cristina e Randolfe Rodrigues, entre os senadores que votaram estão mais três deputados do PT, Rogério Carvalho, Teresa Leitão e Paulo Paim, e Hamilton Mourão, que foi por quatro anos o vice de Bolsonaro, ou Jaime Bagatolli, do PL, o partido do ex-presidente.
“Este episódio entre Estados Unidos e Brasil deve nos ensinar definitivamente que, nas horas mais importantes, não existe um Brasil de esquerda ou de direita, existe apenas o povo brasileiro e nós representantes do povo temos de ter a capacidade de defender o povo acima das nossas diferenças”, disse Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados, que transita entre governo e oposição.
Mas disputa continua
Em paralelo, o governo decidiu adotar o slogan “O Brasil é dos brasileiros” em peças publicitárias para veiculação em meios de comunicação e redes sociais, logo após o anúncio do que a imprensa brasileira chama de “tarifaço de Trump”.
A frase é usada em bonés azuis por parlamentares que apoiam o governo em contraponto ao boné encarnado com a célebre inscrição trumpista “Make America Great Again" [faça da América Grande de Novo], usado por Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo e dado como substituto do inelegível Bolsonaro nas presidenciais de 2026, para celebrar a posse de Trump.
O governo tenta ganhar dividendos políticos do apoio entusiasmado da extrema-direita do Brasil ao presidente dos EUA – parlamentares brasileiros, como Eduardo Bolsonaro e outros, estiveram no país norte-americano a festejar a vitória do republicano – até porque, sondagem da AtlasIntel com 4659 inquiridos realizada no final de março, revelou que 49,5% dos brasileiros está a favor da retaliação comercial.