No seu testamento, Francisco manifestou o desejo que a sua “última viagem terrena termine precisamente neste antigo santuário mariano, onde parava sempre para rezar no início e no fim de cada Viagem Apostólica.” O templo é a basílica papal de Santa Maria Maior, em Roma, e é aí que vai ser sepultado amanhã - depois de um funeral que vai juntar no Vaticano líderes de todo o mundo, centenas de milhares de fiéis e um enorme aparato de segurança - num túmulo “no chão: simples, sem ornamentação particular, ostentando apenas a inscrição: Franciscus”. Depois de três dias em câmara ardente na basílica de São Pedro, o caixão do papa argentino, que morreu na segunda-feira aos 88 anos, vítima de um AVC, deverá ser fechado na sexta-feira ao final da tarde, sendo colocado no seu interior o rogito - a elegia em latim com um resumo da sua vida e do seu pontificado. De seguida, o mestre das celebrações litúrgicas, monsenhor Diego Ravelli estende um véu de seda branca sobre o rosto do papa, que é aspergido com água benta. É então colocada a tampa sobre o caixão de zinco, com a cruz, o brasão e a placa com o nome Franciscus, além das datas do seu nascimento e morte e do início e fim do seu pontificado. Soldado o caixão de zinco, é também fechado o de madeira que tem na tampa a cruz e o escudo de armas do papa. A simplificação dos ritos funerários que o próprio Francisco aprovou em novembro do ano passado permitiu que o papa seja sepultado fora do Vaticano, o que acontece pela primeira vez em mais de cem anos, e que o seu seja um simples caixão de madeira e zinco e não os três caixões que a tradição exigia. Às 8h45 de sábado, o corpo de Francisco é transportado do interior da basílica de São Pedro para adro, onde será rezado o terço. Segundo o esquema divulgado pelo Vaticano, a “missa exequial pelo Romano Pontífice Francisco” vai ser presidida pelo cardeal Giovanni Battista Re, na Praça de São Pedro. O decano do Colégio Cardinalício, de 91 anos, já celebrara o funeral de Bento XVI, que morreu em 2023, dez anos depois de ter abdicado, substituindo Francisco, já então afetado por graves problemas de saúde. Após a Comunhão, decorre o rito da Ultima Commendatio (última encomendação) e da Valedictio (adeus), seguindo-se as orações da Diocese de Roma e das Igrejas Orientais.Os patriarcas, arcebispos e metropolitas das Igrejas sui iuris (com direito próprio, mas ligadas a Roma) orientais católicas deslocam-se até ao caixão, voltados para o altar, numa oração em grego, simbolizando a universalidade da Igreja Católica. Depois do presidente da celebração incensar o féretro e voltar a aspergi-lo de água benta, o caixão voltar para o interior da basílica. .Presentes e ausentesOnde mais a não ser no funeral de um papa teríamos reunidos na mesma praça Donald Trump, Volodymyr Zelensky, Lula da Silva, Javier Milei ou António Guterres, mas também cabeças coroadas como os reis de Espanha ou da Bélgica. Os presidentes dos EUA, da Ucrânia, do Brasil, da Argentina e o secretário-geral das Nações Unidas são alguns dos líderes mundiais que estar no Vaticano para assistir ao funeral de Francisco. Um momento sempre delicado em termos de protocolo e que pode gerar momentos insólitos, como quando no funeral de João Paulo II, o então príncipe Carlos de Inglaterra se virou e teve de apertar a mão ao presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, ou quando os presidente israelita, Moshe Katzav, nascido no Irão, e iraniano, Mohammad Khatami, estiveram à conversa em farsi, língua materna de ambos. Carlos desta vez não estará presente, uma vez que o rei de Inglaterra não assiste a funerais, fazendo-se representar pelo atual príncipe de Gales, o filho mais velho, William. Portugal vai fazer-se representar por uma delegação que inclui o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, o primeiro-ministro Luís Montenegro, o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar Branco, e pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel. Mas haverá mais portugueses na praça de São Pedro, como Guterres ou o atual presidente do Conselho Europeu, António Costa.Mais do que as presenças, são significativas as ausências nas 170 delegações esperadas no funeral de Francisco. O presidente russo, Vladimir Putin, que expressou as suas “profundas condolências” após a morte de Francisco, lembrando que tivera oportunidade de “falar com este grande homem em mais do que uma ocasião”, não irá viajar até Roma. Apesar de o papa não poupar críticas à invasão russa da Ucrânia, sabe-se que os dois homens trocavam telefonemas ocasionais - com Putin a ligar a Francisco todos os meses de março para assinalar o aniversário do seu pontificado. Mas, alvo de um mandado de detenção do Tribunal Penal Internacional por suspeitas de crimes de guerra, o presidente russo não terá querido arriscar uma viagem até Itália. Outra ausência é a de Benjamin Netanyahu. Se em 2005 Israel se fez representar pelo presidente Katzav, desta vez irá apenas enviar o seu embaixador no Vaticano. Um sinal do mau momento em que atravessam as relações entre os dois Estados, sobretudo desde o ataque do Hamas a 7 de outubro de 2023 e a consequente guerra em Gaza, muito criticada por Francisco. Desta vez nem o presidente Isaac Herzog, nem Netanyahu que, além destas tensões, é também alvo de um mandado de captura do TPI por crimes de guerra. Sem relações com a China, cujo presidente, Xi Jinping, manteve o silêncio após a morte de Francisco, o Vaticano mantém os laços diplomáticos com Taiwan, considerada por Pequim como uma província rebelde. Mas desta vez, o presidente Lai Ching-te decidiu delegar no antigo vice-presidente Chen Chien-jen que irá funcionar como enviado especial. Mas a ausência de qualquer membro do governo na delegação taiwanesa não deixa de espantar se pensarmos que o Vaticano é um dos 12 países que reconhecem Taiwan. Com tanto líder mundial junto e mais de 200 mil pessoas esperadas no funeral de Francisco, as autoridades montaram uma enorme operação de segurança tanto na praça de São Pedro como nos seis quilómetros que os cortejo fúnebre irá percorrer até à basílica de Santa Maria Maior, envolvendo dois mil agentes da polícia, apoiados por outras forças. O percurso exato ainda não tinha ontem sido divulgado por questões de segurança. Na Praça de São Pedro, além de drones a vigiar o que se passa dos ares, as autoridades terão atiradores nos edifícios circundantes. O dispositivo na capital italiana incluirá esquadrões antibomba, esquadrões caninos, a polícia fluvial para patrulhar o Tibre e as docas, unidades de bombeiros especializadas no combate a ameaça nuclear, bacteriológica, química e radiológica. Bazucas antidrones também estão em campo: uma espécie de dissuasão que pode inibir as ondas de rádio no caso de avistamento de aeronaves não autorizadas.Chegado à basílica de Santa Maria Maior, o caixão é transportado para a sepultura, enquanto são entoados salmos, em latim. Terminada a oração, é selado o caixão e colocado no túmulo com a inscrição Franciscus. O local poderá ser visitado já a partir de domingo. E nos próximos dias terá lugar o conclave para eleger o seu sucessor. .O decano que preside às exéquias do papa e ao conclave.Decano do Colégio Cardinalício desde 2020, o cardeal Giovanni Battista Re vai presidir no sábado à “missa exequial pelo Romano Pontífice Francisco”, dirigindo as cerimónias fúnebres do papa. Aos 91 anos, o cardeal italiano, nascido em Borno, uma aldeia da Lombardia, filho de um carpinteiro, vai estar amanhã sob os olhares do mundo. Mas cabe-lhe nos próximos dias uma tarefa que se é feita na sombra não é menos importante - organizar o conclave que vai eleger o sucessor de Francisco. Tendo entrado para o seminário aos 11 anos, em 1945, no final da II Guerra Mundial, e ordenado sacerdote em 1957, Battista Re é doutorado em Direito Canónico pela Pontifícia Universidade Gregoriana e formado na Pontifícia Academia Eclesiástica, por onde passa todo o corpo diplomático do Vaticano. Nos anos 1960 e 1970 passa pelas nunciatúrias apostólicas no Panamá e no Irão. Feito cardeal em 2001 por João Paulo II, quatro anos depois o seu nome surgia entre os favoritos a suceder ao papa polaco, mas a escolha acabou por cair sobre Joseph Ratzinger, futuro papa Bento XVI. .Se participou como simples eleitor nesse conclave, no seguinte, em 2013 co-presidiu ao que escolheu o argentino Francisco como sucessor do papa alemão, na sua qualidade de mais antigo cardeal eleitor, ao lado do decano da altura, Angelo Sodano, e do vice-decano Roger Etchegaray. Estes dois, ambos com mais de 80 anos, já não podiam assistir aos trabalhos que decorrem à porta fechada. Conhecido pelo seu perfil discreto e pelo profundo conhecimento dos corredores do Vaticano, é ele a principal autoridades entre os cardeais agora reunidos no Vaticano.