Dois ex-chefes de governo favoritos nas eleições de Cabo Verde

Há sete candidatos, mas tanto Carlos Veiga como José Maria Neves estão confiantes numa vitória já na primeira volta. Votação decorre nas ilhas, mas também na diáspora - em Portugal há 64 mesas de voto.

Apesar de haver um recorde de sete candidatos às eleições presidenciais de Cabo Verde, os dois favoritos - os ex-primeiros-ministros Carlos Veiga e José Maria Neves - mostraram-se na campanha convictos de que vão conseguir vencer já este domingo. Os cerca de 400 mil eleitores, nas ilhas e na diáspora, vão decidir se será contudo preciso ir a uma segunda volta a 31 de outubro para escolher o sucessor do presidente Jorge Carlos Fonseca, há dez anos no poder.

"Esta eleição, somos nós que vamos ganhar. Espero que no domingo o povo cabo-verdiano me proclame presidente com toda a honra e todo o orgulho", disse Carlos Veiga no dia de fecho da campanha, perante os apoiantes em Assomada. O jurista de 71 anos, primeiro-ministro de 1991 a 2000, tem o apoio do Movimento para a Democracia (MpD) de Jorge Carlos Fonseca - que já cumpriu dois mandatos e estava impedido por lei de se candidatar. O MpD está também à frente do governo desde 2016, tendo Ulisses Correia e Silva sido reeleito em abril. Veiga diz por isso que é o único candidato capaz de dar "estabilidade política" ao país, pois os outros querem ser "oposição".

O principal adversário é outro antigo primeiro-ministro (2001 a 2016), José Maria Neves, do Partido Africano para a Independência de Cabo Verde (PAICV). "A campanha, em alguns lugares, está a ultrapassar a minha expectativa. Acho que há uma grande mobilização nacional, um grande djunta mom [dar as mãos, lema da sua campanha] de todo o Cabo Verde para elegermos um presidente para estes novos tempos", disse o candidato de 61 anos à Lusa, após fazer uma ação no mercado de peixe na Praia, no início da última semana de campanha. "Claramente uma grande dinâmica de vitória e estamos a trabalhar para ganhar à primeira volta", acrescentou.

Tanto o PAICV como o MpD têm dominado a política de Cabo Verde desde a independência, em 1975, sendo Cabo Verde muito elogiado a nível internacional como um exemplo de democracia em África, especialmente depois da abertura ao multipartidarismo, em 1991. "Se Cabo Verde tem dado certo é porque tem instituições democráticas sólidas e inclusivas e que contribuem para que o nosso país tenha uma cultura democrática muito forte e uma cultura, sobretudo, voltada para o desenvolvimento e para a dignidade da pessoa humana", disse José Maria Neves numa entrevista ao DN, em junho. "Sou uma pessoa que apostou e quis sempre que Cabo Verde fosse uma democracia e tenho fé na consolidação dessa democracia", afirmou por seu lado Carlos Veiga, que desempenhou um papel importante nessa abertura ao multipartidarismo, também ao DN, em maio.

Quanto ao futuro, Veiga deixou a sua mensagem: "Acredito que é preciso que os cabo-verdianos trabalhem muito em conjunto para que o país avance; acredito no setor privado e que a economia só se desenvolverá mesmo quando for puxada pelo setor privado. Portanto, acredito que isso acontece quando há uma abertura do Estado para ser mais parceiro do que interveniente direto."

Já José Maria Neves lembrou que o próximo presidente "terá como principal prioridade a reconstrução do país no pós-pandemia". Cabo Verde já ultrapassou os 38 mil casos e registou 347 mortes. "Do ponto de vista económico, temos uma grande devastação. A economia regrediu perto de 15%. O défice e a dívida estão a aumentar exponencialmente e o desemprego aumentou, o turismo está praticamente paralisado e há reflexos também na educação, com o ensino à distância, a exclusão das famílias mais carenciadas", afirmou, defendendo que é preciso diversificar rapidamente a economia cabo-verdiana, "de modo que não se estribe na monocultura do turismo".

Outros em jogo

Apesar do favoritismo dos dois ex-primeiros-ministros, isso não implica que os outros cinco candidatos, independentes, não se mostrem também confiantes numa vitória. "Nós não temos a máquina partidária, mas eu tenho a sensação de que o que nos espera é uma grande surpresa que ainda ninguém viu e que só será vista nas urnas. Isto enche-me de esperança", disse o candidato Gilson Alves, citado pela Deutsche Welle.

"Estou satisfeito e já sinto a responsabilidade como o próximo presidente. Estou preparado com energia e capacidade para ser o novo chefe de Estado e para ajudar o meu país, que precisa de mim agora mais do que nunca. Cabo Verde precisa de um novo líder com uma nova visão para o futuro", referiu o jurista Hélio Sanches à mesma fonte. Outro jurista e candidato, Casimiro de Pina, também está confiante: "Estou convicto e sempre fui convicto nos valores que defendi, nos valores supremos da República com base na minha luta pela afirmação dos direitos fundamentais e da Constituição. E é por isto que estou confiante que os cabo-verdianos vão dar-me uma grande vitória".

O combatente da liberdade da pátria Joaquim Jaime Monteiro, de 81 anos, acredita que conseguirá ganhar na sua terceira candidatura: "Pelos indicadores que tenho e pela minha experiência só com a alta traficância instalada em Cabo Verde de compra de votos se dará vitória a um outro candidato." E o engenheiro naval Fernando Rocha Delgado acredita que já ganhou por a sua mensagem ter sido passada, nomeadamente entre os jovens. "Os que me criticam são os que estão atrelados aos partidos políticos. É uma experiência positiva e sem dúvida já ganhei", disse, citado pela Deutsche Welle.

Apelo ao voto

Num balanço dos dois mandatos, Jorge Carlos Fonseca disse à Lusa que as "pequenas decisões" foram as mais difíceis de tomar e que deixa um país "melhor" do que encontrou em 2011, desde logo pelo reforço da cultura da Constituição. E prometeu que quando deixar o cargo irá continuar "presente" e dar o seu contributo para o país. "Não vou ser presidente da República, mas vou exercer uma militância cívica, democrática e cultural por outras formas", afirmou. Em relação às eleições, disse acreditar que o povo será novamente "sábio" nas escolhas de domingo, tendo contudo feito em várias ocasiões um apelo ao voto. "Todos devem ir votar e não deixar que os outros escolham por ele. Quanto mais se vota mais se participa tanto melhor."

As presidenciais têm tido sempre altas taxas de abstenção - em 2016 foi de 64,3%. Cerca de 400 mil eleitores estão inscritos para votar, sendo 343 mil no país e 56 mil na diáspora - em Portugal há 64 mesas de voto, desde o continente aos Açores. Em Cabo Verde, a votação (entre as 07.00 e as 18.00 locais, mais duas horas do que em Lisboa) será acompanhada por 104 observadores internacionais, sendo 71 da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, 30 da União Africana (numa missão liderada pelo diplomata e ex-ministro angolano Ismael Gaspar Martins) e três dos EUA.

Quem quer suceder a Jorge Carlos Fonseca?

Mais de 400 mil cabo-verdianos estão recenseados para eleger o sucessor do presidente Jorge Carlos Fonseca, do Movimento para a Democracia, que após dois mandatos não podia voltar a concorrer. Havia oito candidaturas, mas o Tribunal Constitucional rejeitou uma, por irregularidades. Restam assim sete candidatos (o recorde anterior era de apenas quatro), havendo contudo dois favoritos: os ex-primeiros-ministros José Maria Neves e Carlos Veiga.

Carlos Veiga
Concorre pela terceira vez às presidenciais, depois de duas tentativas frustradas em 2001 e 2006, nas quais perdeu contra Pedro Pires. Nascido no Mindelo há 71 anos, Kalu, como é conhecido, estudou Direito na Universidade de Lisboa, tendo sido procurador-geral após a independência de Cabo Verde. Contestatário do sistema de partido único do PAICV, foi um dos fundadores do Movimento para a Democracia em 1990, tornando-se no seu primeiro líder. Em 1991 foi eleito primeiro-ministro, cargo que ocupou até 2000. Em 2016 foi nomeado embaixador de Cabo Verde nos EUA.

José Maria Neves
O candidato do Partido Africano para a Independência de Cabo Verde (PAICV) é o ex-primeiro-ministro, que liderou o governo durante três mandatos, de 2001 a 2016. Formado em Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas, no Brasil, José Maria das Neves, de 61 anos, tem uma larga experiência política, tendo sido também deputado e presidente da câmara de Assomada, na sua terra natal, Santa Catarina.

Fernando Rocha Delgado
O candidato independente é natural da Ribeira Grande, na ilha de Santo Antão, e tem 40 anos. É licenciado em Engenharia Naval e mestre em Direito Marítimo e Comércio Internacional, trabalhando atualmente como engenheiro de máquinas em navios cabo-verdianos e estrangeiros.

Gilson dos Santos Alves
Natural de Santo Antão, cresceu em São Vicente. Tem 40 anos e é médico-cirurgião, formado na Universidade do Porto, tendo trabalhado no Hospital de São João antes de optar por fazer investigação científica no Japão. Apresenta-se como empresário e investidor em produtos financeiros diversos.

Hélio Sanches
Natural de Assomada, no concelho de Santa Catarina, na ilha de Santiago, tem 56 anos e estudou Direito em Marrocos, Cabo Verde e também em Portugal, sendo mestre em Direito Internacional. Foi deputado nacional pelo MpD, membro da Comissão Nacional de Eleições, diretor-geral do Património do Estado, assessor jurídico do ministro da Coordenação Económica e secretário-geral do Governo de Cabo Verde.

Joaquim Jaime Monteiro
Com 81 anos, Jack Monteiro (como é conhecido) concorre às presidenciais pela terceira vez consecutiva. Professor e investigador, é natural de Santo Antão e um "combatente pela liberdade da pátria".

Casimiro de Pina
Nasceu há 47 anos no concelho dos Mosteiros, Fogo, tendo-se formado em Direito em Portugal. Comentador político e professor universitário, trabalhou como assessor jurídico na Secretaria de Estado da Descentralização e na Assembleia Nacional. É autor de sete livros.

susana.f.salvador@dn.pt

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