"Direita uniu-se em Badajoz, mas acho difícil esta solução para o Governo de Espanha"

Foi jogador de râguebi, até em clubes portugueses. Em junho, este advogado de 39 anos tornou-se no primeiro alcaide de Badajoz pelo Ciudadanos, no âmbito de um acordo de partilha do mandato com o PP. Casado com uma portuguesa e desde criança visitante das praias do Alentejo, Ignacio Gragera sentiu muito o encerramento da fronteira por causa da covid.
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Numa época recente, em que ainda não era alcaide mas já estava na vereação, como é que foi para si como habitante de Badajoz enfrentar no dia a dia, mais do que a covid, o fecho da fronteira por duas vezes?
Eu tive a sorte de viver numa época, desde sempre, em que a fronteira já tinha praticamente desaparecido. É certo que fisicamente foi em 1986, mas lembro-me, em pequeno, de ir ao posto fronteiriço para mostrar o BI, mas isso nunca foi impedimento para ir a Portugal e conhecer Portugal. Essa fronteira sempre foi mais imaginária do que real e sempre houve uma relação muito próxima sobretudo entre Elvas e Badajoz, mas também com Campo Maior. Há também a relação que temos tido com o litoral da Comporta e a costa de Sines, pois são muitos os espanhóis que passam aí as suas férias de verão ou os fins de semana...

São as praias dos Estremenhos...
É isso. Assim, essa fronteira para nós, para as gentes de Badajoz, não era um bloqueio. No último ano, porém, por dois períodos não se conseguiu não só desfrutar de Portugal, como também manter as relações pessoais e familiares que muitos aqui têm com Portugal e ainda algo que para mim é muito importante, e que é um sentimento de pertença comum a um ambiente geográfico que tanto é de Espanha como de Portugal na raia.

Essa liberdade de circulação, de repente e durante alguns meses, deixou de existir. Isso afetou então muito mesmo a vida das pessoas?
Sim. Afetou muito a minha vida e a de todos porque nos cortou uma parte importante, porque em Portugal temos relações familiares, relações comerciais, relações de ócio e, de repente, não podíamos atravessar a fronteira e tivemos que procurar outras alternativas em Espanha, mas não era a vida que nós tínhamos habitualmente. Ao não podermos ultrapassar essa fronteira sentimo-nos, digamos, um pouco incompletos. A relação de Badajoz com Portugal é muito importante e ao não podermos lá ir sentimo-nos incompletos e afetou-nos muito, pois a cidade também vive bastante da visita dos portugueses e é uma relação que já existe há muito tempo.

Nasceu em Badajoz e, portanto, tem essa experiência da fronteira desde sempre. A sua mulher é portuguesa, como é que a conheceu?
Aqui em Badajoz, pois é descendente de casamentos mistos. A família do meu sogro é portuguesa de Lisboa enquanto a família materna da minha mulher é de Badajoz.

Sei que jogou râguebi e, nomeadamente, que jogou algum tempo no Benfica mas sobretudo no clube de Montemor-o-Novo. Até nesse caso não houve fronteira para si?
É uma questão que para nós é muito simples: a deslocação desde Badajoz para jogar râguebi em Portugal é muito mais curta do que em Espanha. É um país que se considera estrangeiro, mas 90% das minhas deslocações eram para jogar em Lisboa e de Badajoz a Lisboa são duas horas. Aqui em Espanha, quando jogava na liga espanhola tinha de me deslocar a Granada, a Valência, e eram deslocações enormes. Aí, como tinha um amigo em Elvas que jogava em Montemor e que me ofereceu a oportunidade de jogar lá, fui.

Nos dois anos que esteve como vereador , como número dois do alcaide do PP Francisco Fragoso, tinha a pasta das relações com Portugal. O que significa ? A promoção do turismo, a busca de investimentos?
Para nós o trabalho que era muito importante, também por causa da pandemia, consistia basicamente em criar laços sociais, educativos, culturais e comerciais entre Elvas e Campo Maior e Badajoz. Tentar que aquilo que nós fazemos de maneira natural, de maneira individual ou familiar, se fizesse também através da concertação com centros educativos, escolas, associações culturais e também através de associações de defesa do património e turismo. Tanto Campo Maior como Elvas e Badajoz têm um passado comum e uma tradição muito importante na defesa do património, e queremos criar uma identidade turística única para atrair as pessoas às nossas fortalezas. Quanto às relações comerciais e de investimento, que se centram muito no projeto da plataforma logística, esperamos que num futuro muito próximo com o envolvimento da Câmara Municipal de Elvas e da de Campo Maior se realize a nossa tentativa comum de pôr de pé uma estrutura que poderá liderar e chegar a concentrar todo o esforço que se faz a nível individual e associativo.

Em relação à questão do turismo, para muitos portugueses Badajoz é mítica porque era onde iam comprar caramelos, mas a partir de certa altura é quase só um ponto de passagem para quem vai para Madrid. É possível convencer os portugueses que fazem a viagem para Madrid de que vale a pena parar em Badajoz e ver os museus, visitar a Alcazaba?
Sim. Aliás, Badajoz está a viver um boom turístico porque as pessoas, perante a impossibilidade de irem para fora, aumentaram muito o turismo interno. Creio que este boom em Badajoz foi acompanhado pelo boom de Elvas e Campo Maior.

Esse boom em Badajoz foi tanto de espanhóis como de portugueses?
Tanto de espanhóis como de portugueses. Nós temos tido a sorte de contar com visitantes que vão a Portugal, a Lisboa, e que querem conhecer a fronteira, que querem conhecer Elvas que é património mundial e que têm a atração de atravessar para o outro lado e Badajoz beneficia disso. O nosso património é imenso - temos a Alcazaba maior da Europa, temos o sistema de muralhas maior de Espanha, com quase sete quilómetros, temos um património religioso com conventos e igrejas que é muito importante. Temos a história partilhada, a história comum, a conservação de Elvas leva à conservação de Badajoz, pois são duas cidades irmãs quanto à sua condição de praças fortes de defesa que cresceram quase uma contra a outra, e agora, o que estamos a tentar fazer é diluir essa fronteira. O principal, para mim, não é pensar em termos nacionais - Espanha e Portugal -, mas sim em termos ibéricos, com o centro da Península, o centro do corredor Lisboa-Madrid.

Em relação à aprendizagem do português, na Estremadura há bastantes milhares de adultos que o estudam. E em Badajoz,especificamente, há gente a aprender português?
Muita. Há a possibilidade de estudar na escola pública onde o português é oferecido como terceiro idioma; obviamente, no âmbito comercial e no turístico também tem uma força importante porque há gente a aprender português, até para o poder usar em Portugal; também temos a sorte de haver um esforço importante da comunidade portuguesa, não só da que vive em Badajoz, mas também em Elvas e Campo Maior para a divulgação da língua portuguesa. A comunidade que vive na fronteira tem um nível de espanhol muito bom e isso faz com que nós os acompanhemos. Sabemos que quando falamos espanhol não há problema, mas estamos a tentar mudar a mentalidade porque sabemos que também é uma forma de mostrar apreço e carinho.

Falando agora da sua situação de alcaide, esta solução de partilha do mandato a meio entre o PP e o Ciudadanos é única em Espanha?
Há precedentes. Atualmente, em várias autarquias já se deu esse passo.

Essa solução de mandato de alcaide partilhado a dois partiu de uma aliança do Ciudadanos com o Partido Popular após as eleições de 2019 e com a viabilização também de um elemento do Vox na vereação. Tendo em conta que o seu partido teve 15% dos votos - e até foi um grande crescimento em relação às eleições anteriores -, sente que a solução é completamente legítima ou há alguma contestação?
Eu considero que no sistema de governo espanhol, que é um sistema de maioria parlamentar ou maioria na assembleia municipal, esta solução para o governo de Badajoz reúne 60% dos votos dos eleitores. Assim, considero-a completamente legítima, é uma soma das vontades de áreas políticas e, por isso, absolutamente legítima. O presidente do Governo de Espanha alcançou o poder através de uma moção de censura que uniu a vontade de diferentes grupos políticos e, para mim, era tão legítimo como eu sou agora.

Nesta solução de governo em Badajoz estão de certa forma as três forças que representam, neste momento, a direita espanhola - se bem que durante muito tempo em Portugal achámos que o Ciudadanos era mais centrista -, ou seja, as diferenças entre o Ciudadanos, o PP e sobretudo o Vox não são suficientes para impedir este tipo de alianças?
Nós temos um acordo programático sobre cada medida concreta que queremos para a nossa cidade. Em política municipal os problemas reais dos cidadãos são problemas que não afetam a ideologia quase nunca: o que é que queremos para a nossa cidade? Equipamentos, limpeza, etc., que são assuntos que não afetam a ideologia. Em política municipal as questões que afetam a vida diária não são de esquerda, não são de centro, não são de direita, são problemas da cidade. Queremos ruas melhores, jardins melhores, queremos equipamentos comerciais, queremos crescer, queremos dar um impulso ao perímetro urbano da cidade. São questões de gestão, de vida diária, aí a ideologia não entra nunca, por isso tudo funciona na mais completa normalidade.

Imagina que também pudesse existir uma solução destas a nível do Governo central - os três partidos da direita estarem juntos -, numas futuras eleições gerais em Espanha?
Não, eu vejo isso difícil. Acho que as particularidades do governo municipal fazem com que seja difícil transpor o mesmo tipo de soluções para o governo central. Há municípios em Espanha em que o governo é do PP com o PSOE e a nível nacional é absolutamente inconcebível. Há circunstâncias e particularidades que se vivem a nível local que não são transponíveis para o nível nacional, portanto acho muito difícil que isso possa acontecer.

Nesta mudança enorme que houve no sistema partidário espanhol nos últimos anos, o Ciudadanos é um partido que foi crescendo, depois cresceu muito, de seguida baixou novamente. Do ponto de vista ideológico, como é que pode caracterizar este partido?
Nós somos um partido de centro liberal. Sofremos com a polarização - em Espanha, como acontece com quase toda a Europa, há uma polarização crescente - à esquerda e à direita, com o surgimento de partidos populistas que fazem com que tudo tenha de ser branco ou preto, A ou B, e que não aceitam matizes, cinzentos, e todos os partidos liberais sofrem. O que fazemos é trabalhar a nível nacional, autonómico e municipal para que as pessoas vejam que há outra maneira de fazer política sem o recurso ao confronto, ao identitário, ao nacionalismo. Nós combatemos isso, somos um partido dedicado à ação, a melhorar a vida das pessoas e queremos que os eleitores o compreendam. É um momento muito difícil, mas crescemos pouco a pouco e confiamos que a situação vai melhorar, vamos subir e pôr em prática o nosso projeto liberal.

Como é que aqui na Estremadura, como é que neste extremo de Espanha, se vive a questão do separatismo catalão? Os estremenhos conseguem perceber o que é que motiva essa parte dos catalães que insistem em se separar de Espanha?
Não, não, porque a Estremadura é uma terra que tem sido sempre muito generosa, generosa a construir e a ajudar a melhorar a construção da sociedade. É uma terra que por decisão política e histórica viu atrasado o seu desenvolvimento industrial, o que levou as gentes daqui a partir...

Inclusive para a Catalunha?
Claro. Grande parte dos trabalhadores que levantaram a Catalunha e o País Basco são de origem estremenha, galega e andaluza, para uma industrialização que foi propiciada pelo próprio governo de Espanha. Portanto, compreendemos mal, porque temos uma relação sentimental com esse território pela quantidade de estremenhos que foram para lá. O que se percebe ali é um conjunto de interesses que estão a usar a identidade, a língua própria, etc. com o objetivo único de conseguirem melhorias económicas, de serem mais ricos, e que nós não usufruamos disso.

Durante esta pandemia, Portugal e Espanha tiveram momentos complicados mas agora são dos países que estão no topo do mundo na vacinação. Isso significa que os dois países ibéricos têm possibilidades de recuperação económica maiores que os outros e que podem aproveitar isso?
Sim tivemos momentos muito maus e que graças a Deus já passaram. A vacinação foi muito importante e agora estamos a ver que funciona. Agora temos de ter esperança e tentar que essa recuperação económica aconteça também por decisões que sejam tomadas pelos governos - o PS em Portugal e o PSOE em Espanha. O Partido Socialista em Portugal entendeu a importância de atrair capital e investimento estrangeiro e tomou uma série de medidas económicas que favorecem a entrada desse capital estrangeiro e desse investimento e o Governo espanhol fez absolutamente ao contrário. Aumentou a contribuição social, aumentou os entraves ao investimento através da eliminação de determinados incentivos fiscais, criou uma contribuição mínima para as sociedades que fazem com que as pessoas não tenham vontade nem foco para investir. É claro que no ambiente de concorrência europeia, a boa situação em relação à covid ajuda, mas é um período que é conjuntural e não estrutural, é preciso que haja um ambiente amável para o investimento estrangeiro que atualmente não existe. Não tenho dúvida de que Portugal terá melhores oportunidades para a recuperação se o nosso governo central não mudar a sua política.

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