Os novos explosivos criados numa fábrica militar caseira
Lviv, Ucrânia.
"Tens medo?"
"Não", respondi eu.
"Então anda, vamos
experimentar!"
Por um momento pensei que Sasha, dono de um restaurante em Lviv, me ia passar para as mãos o que ele chama de "novo cocktail molotov". Mas não. Estava apenas a convidar-me para assistir ao primeiro arremesso de uma nova bomba artesanal que ele e o amigo Olexandr tinham acabado de construir.
O conceito é o mesmo do "clássico" cocktail molotov, mas sem aquele pedaço de tecido, que serve de rastilho, a espreitar do gargalo. Em vez disso, colada à base da garrafa, há uma mecha feita com uma mistura de esferovite - é fácil de encontrar em qualquer lugar - e óleo de fritar. Uma misturadora, das que se usam nas obras, transforma a esferovite em pó e o pó com óleo numa pasta viscosa e inflamável.
Sasha parece um miúdo com um brinquedo novo. Leva a sua invenção para fora do pátio da carpintaria transformada numa fábrica de guerra. Ou melhor, de resistência. Ao lado, outro voluntário tem um extintor preparado, caso alguma coisa corra mal. Ele agarra na garrafa, cinzenta, que em tempos esteve cheia com gin que servia no restaurante, e atira-a com toda a força contra uns blocos de betão. A bomba explode de imediato e provoca uma chama que se vai alastrando à volta. Ele fica feliz. Afinal, a invenção funciona. Diz que é um objeto mais "leve" e, portanto, pode ser atirado de mais longe. Ou para mais longe, consoante a situação.
Agora que a ideia passou a projeto, o projeto a protótipo e que a experiência está feita, a linha de montagem no pátio da carpintaria vai dividir-se em duas. Uma trata dos cocktails molotov "tradicionais", a outra vai produzir em massa a invenção de Sasha.
Duzentos homens e mulheres, nem sempre todos ao mesmo tempo. Mas, quando podem, trabalham numa verdadeira linha de montagem de fabrico de bombas artesanais, os conhecidos cocktails molotov. Há uma mesa com pessoas que colocam a gasolina dentro das garrafas, outra onde se embebem as tiras de pano que vão servir de rastilho, outra ainda onde as garrafas são bem fechadas. Por entre os vários postos de trabalho da "fábrica", circulam carrinhos que transportam com todo o cuidado as garrafas de um lado para o outro. Quando está pronto, o cocktail é envolto em plástico, colocado em grades e armazenado. Mal seja possível, as 3200 bombas artesanais que já estão prontas vão seguir para Kiev. É na capital que toda a ajuda faz falta, para evitar a captura da cidade pelo exército russo.
Mila Yaroshevich trabalha na Rádio Galícia - não, não tem nada que ver com a Galiza, em Espanha, é o nome de uma antiga região autónoma, que começava em Cracóvia, na Polónia, e que se estendia até à parte ocidental da agora Ucrânia - e escreve livros para crianças. Educar e cuidar dos três filhos dá-lhe material suficiente para as suas histórias. "O meu irmão pediu-me ajuda e, como sou boa irmã, aqui estou", explica, a rir-se. Ela coordena uma grande parte do trabalho desta linha de montagem, para que nada falhe. "É o que posso fazer, ajudar." As bombas artesanais, como farão para as colocar em Kiev, a quase 500 quilómetros de distância? "Vão nas malas de carros particulares, para não levantar suspeitas". Hão de lá chegar.
A carpintaria continua a funcionar, mas agora apenas produz, em massa, camas rudimentares para utilizar nos abrigos e nos centros de deslocados. Uma tábua em contraplacado, quatro pernas, está pronta. Noutra zona, um homem, sem parar, transforma tiras de metal numa espécie de ganchos gigantes, pontiagudos. Servirão para colocar na estrada e impedir os camiões do exército russo de avançar. Tudo feito a um ritmo alucinante, sem um queixume, uma lamúria, um reparo.
"Isto é a resistência, nós vamos vencer." Mila, tal como os outros todos, acredita que este esforço de guerra vai valer a pena, na luta por uma Ucrânia livre, independente e democrática.
Olexandr levanta a mão direita, punho cerrado, "Glória à Ucrânia!"
Despede-se, volta ao trabalho, ele e Sasha terão agora de ensinar como se fazem os novos cocktails, quem sabe se virão a chamar-se Sasha.