Dia do Mediterrâneo para que o mar una cada vez mais do que divide
Basta pensar que o Mediterrâneo banha três continentes, condição só partilhada com os três grandes oceanos, para se perceber o quanto especial é este mar de dois milhões de km2 entre a Europa, a África e a Ásia. O seu nome vem do latim mediterraneus, que significa "entre terras", se bem que os romanos lhe chamassem Mare Nostrum, afinal foram os únicos na história que dominaram na totalidade o seu litoral. A partir de hoje, 28 de novembro passa a ser o Dia do Mediterrâneo, iniciativa para celebrar um mar que mesmo depois do fim do Império Romano nunca deixou de unir, apesar da tentação de se ver na diversidade que marca as suas margens um fator de divisão.
Assinalado na véspera da realização em Barcelona do VI Fórum Regional da União para o Mediterrâneo (UpM) e também de uma reunião entre a União Europeia e os parceiros do Sul, este Dia é, portanto, uma celebração da diversidade mas também um desafio à cooperação. " O Mediterrâneo é uma circunstância geográfica de diálogo e de união - e não de separação - entre os países ribeirinhos das duas margens, pela história e afinidades culturais partilhadas, mas também pelos desafios comuns à região", afirma o ministro português dos Negócios Estrangeiros. E, acrescenta Augusto Santos Silva, "este VI Fórum Regional da União para o Mediterrâneo e da III Reunião Ministerial UE-Vizinhança Sul é uma oportunidade de reforço do diálogo político euro-mediterrâneo em questões de interesse mútuo, como a promoção da paz, estabilidade e desenvolvimento, bem como na promoção da prosperidade regional através do combate às alterações climáticas, desenvolvimento humano e económico inclusivo e sustentável e transformação digital".
País mediterrânico pela cultura, Portugal não o é no sentido estritamente geográfico, mas o mesmo acontece com vários outros dos 42 membros da UpM, cuja população total é de 820 milhões, quase o dobro dos 480 milhões que são ribeirinhos. Mas, sublinha o ministro, desde o lançamento do Processo de Barcelona em 1995, o qual levou à criação da UpM em 2008, "Portugal é um parceiro empenhado na consolidação do diálogo político euro-mediterrâneo, que conduza a uma cooperação reforçada com vista a enfrentar desafios comuns e a tirar partido das oportunidades partilhadas."
Marta Betanzos, embaixadora de Espanha em Portugal, realça, por seu lado, a oportunidade que se apresenta de os países ibéricos cooperarem neste espaço geopolítico: "O Mediterrâneo é sem dúvida uma região onde os esforços políticos e diplomáticos de Espanha e de Portugal caminham de mão dada, com uma afinidade e complementaridade de pontos de vista muito proveitosa para avançar no empenho de trazer paz, estabilidade, progresso económico e inclusão social à região".
Acrescenta a diplomata do país que aloja a sede da UpM que "tudo isso pode ser visto na nossa coordenação bilateral muito eficaz, mas também na multilateral. As reuniões ao mais alto nível da UpM e da UE com os nove parceiros da Vizinhança Sul, a realizar em Barcelona, demonstram este ambicioso espaço de acordo. O momento é especialmente propício para isso. Sem a nossa colaboração e compromisso, será mais complexo para os nossos parceiros do Norte de África superar os desafios da modernização, desenvolvimento económico e criação sustentada de empregos".
Sobre o simbolismo da nova data, o embaixador de Marrocos em Portugal, Othmane Bahnini, afirma que "a celebração do primeiro Dia do Mediterrâneo deve incitar os povos mediterrânicos, tanto a Norte como a Sul, a fomentar a emergência de uma identidade comum, ao serviço da estabilidade e da prosperidade partilhada no Mediterrâneo. Este objetivo requer um diálogo contínuo, sereno e descomplexado entre os países das duas margens do Mediterrâneo, a fim de enfrentarem juntos os desafios comuns e se projetarem no futuro". O representante do nosso vizinho do Sul cita o monarca marroquino para reforçar a sua visão: "em suma, como Sua Majestade o Rei Mohammed VI recordou em julho de 2016, já durante a 2.ª Conferência das Partes do Mediterrâneo: "Há apenas um destino para a nossa região, aquele que trabalharmos para lhe dar"".
Marrocos, pela sua estreita parceria com a União Europeia, é um dos países da chamada Vizinhança Sul com interesse mais evidente nesta parceria mediterrânica, basta pensar como de Tânger se avista a Andaluzia, de tal forma é mínimo esse Estreito de Gibraltar onde começa a Ocidente o tal mar "entre terras". Mas também a longínqua Jordânia, tecnicamente não mediterrânica, vê vantagem na UpM, a ponto de o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Ayman Safadi, a copresidir com o espanhol Josep Borrell, Alto representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança.
Em entrevista recente ao DN, o egípcio Nasser Kamel, secretário-geral da UpM, alertava que a organização se centrava naquilo que eram prioridades para todos. E dentre essas, o combate às alterações climáticas assumia uma dimensão especial, pois "o Mediterrâneo aquece 20% mais depressa do que o resto do mundo; numa região muito pobre em água, os recursos hídricos vão diminuir em 25%; a subida do nível do mar - estou a falar do Mediterrâneo, não do Atlântico - está previsto atingir um metro no ano 2100, o que o torna um dos 20 sítios mais atingidos por este fenómeno".
Numa perspetiva ambiciosa de cooperação, a embaixadora Marta Betanzos considera que "todos os elementos da atual agenda internacional requerem uma abordagem especial quando se considera a região do Mediterrâneo. Trate-se da energia e sua complexa geopolítica (basta pensar em gás e renováveis), de novas cadeias de valor e especialização produtiva versus a necessária autonomia estratégica, de democracia e construção institucional, de inclusão e desafio da migração, de clima e salto digital, de novas alianças internacionais... Espanha e Portugal assumem a responsabilidade de trabalhar em conjunto para que o Mediterrâneo se consolide como espaço geográfico, económico e cultural de progresso e estabilidade neste cenário incerto da nova globalização".
Um relatório sobre o nível da integração regional vai ser apresentado em Barcelona. Há exatamente um ano, um tweet de Josep Borrell relembrava que o rendimento médio nos países do Sul do Mediterrâneo é 13 vezes inferior ao da Europa. Com o covid-19, o fosso pode até ter aumentado, pelo que há muito a fazer em redor deste mar que é "nosso".