Desenhos bélicos da filha de Olena aceleram fuga de Odessa para o Porto
Olena tinha decidido ficar em Odessa. Quando a guerra começou, esta mulher de 30 anos, acabara de abrir uma pequena pastelaria. As poupanças e os sonhos de uma vida fizeram-na ficar. Mas quando a filha de 3 anos começou a desenhar tanques e soldados com metralhadoras, Olena entendeu que era chegada a hora de partir. A decisão foi tomada na quinta-feira e no dia seguinte, mãe e filha começaram uma viagem, que espera, as levará até ao Porto.
Entre a decisão e o início da viagem passaram cerca de 24 horas, Olena decidiu-se pela segurança da filha, pensando no seu futuro e na tentativa de evitar que esta entre nas estatísticas negras da guerra. Segundo o governo ucraniano pelo menos 148 crianças já morreram na invasão da Ucrânia. Um dado que o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos não confirma, frisando só ter conhecimento de 112. No entanto, são as próprias Nações Unidas que avisam que estes números podem pecar por escassos.
Ainda assim, há quem não pense em retirar os filhos do país. Todos os dias, ao acordar, a pequena Evelina, de 4 anos, pergunta à mãe se a guerra já acabou. Por enquanto ainda não tem uma resposta positiva para dar. Mas mãe e filha discutem a atualidade.
Há um mês que Katerina tenta emprestar alguma normalidade ao dia-a-dia. "Continuamos a vir todos os dias [ao parque] durante a guerra. Às vezes estávamos sozinhas. Por vezes ficava pouco tempo, tocavam as sirenes, estava frio", conta.
A artista plástica decidiu ficar no país com os dois filhos mais novos como ato de resistência. Por enquanto, não tem planos para partir. "Se eles atacarem a cidade, se a situação se tornar insustentável como fizeram, por exemplo, em Kherson, então teremos de fugir. Mas não vamos simplesmente entregar-lhes Odessa".
Katerina garante que não tem medo. É o destino do filho mais velho que lhe aperta o coração. "Está no primeiro ano de filosofia, na universidade de São Petersburgo. É muito perigoso ser-se ucraniano, na Rússia. Estávamos muito felizes por ter entrado numa das melhores faculdades do mundo. Agora é um pesadelo", lamenta.
Com a ajuda de alguns colegas e professores o filho de Katerina conseguiu fugir de Moscovo. "Costuma encontrar-se com outras pessoas num café arménio. Discutem a guerra, a atualidade. Mas tem de esconder quem é. Não há liberdade de expressão, a qualquer momento podem pedir-lhe o telemóvel. É mais perigoso estar em Moscovo do que em Odessa", diz a mãe. Katerina sonha agora com a ida do filho mais velho para a Europa "Talvez consiga entrar em Berlim. Mas primeiro temos de o conseguir tirar de lá".
Quando chegámos ao bairro de pescadores de Mikolaev, Oleg não estava lá para nos contar a sua história. A casa e o carro foram destruídos por um míssil na noite de 14 de março, no ataque russo à cidade. Foi o único morador do bairro piscatório que não respondeu à chamada. Na manhã seguinte os vizinhos removeram os escombros da casa, sem encontrar sinal do pescador. Era já quase hora de almoço quando Oleg apareceu, qual assombração, de boa saúde e sem perceber a inquietação dos amigos. É o vizinho Volodymyr que nos conta a história: "Ele tinha ido pescar de noite , mas ele bebeu bastante vodka." No caminho de regresso a casa o pescador tropeçou e adormeceu no caminho. O míssil russo deixou na margem do rio uma cratera com mais de cinco metros de profundidade em que caiu o velho Lada de Oleg. Sem casa e sem carro, o pescador foi morar para casa da filha, perto da cidade de Kherson. "A vodka salvou a vida dele," conclui o vizinho Volodymyr.
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