Deputados do Brasil acumulam cartões amarelos e encarnados
A Câmara dos Deputados do Brasil não é só a casa da política - é também um caso de polícia. Nos últimos tempos, parlamentares vêm sendo expulsos, suspensos ou advertidos pelos pares ou por decisões do poder judicial. Da autoria material de um homicídio à ofensa gratuita a uma ministra, os episódios sucedem-se.
Primeiro, o crime mais grave. Chiquinho Brazão, sem partido desde a expulsão no ano passado do União Brasil, de direita, está preso em regime de prisão domiciliar com tornozeleira eletrónica. O deputado aguarda julgamento por ser um dos supostos mandantes do assassinato de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro do PSOL, de extrema-esquerda, em março de 2018, e do motorista Anderson Gomes.
Em agosto de 2024, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados aprovou a perda do mandato do parlamentar mas o plenário do órgão só no mês passado a ratificou.
Também a correr risco de prisão, a deputada Carla Zambelli, do PL, o partido de Jair Bolsonaro, foi condenada por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 10 anos de prisão por invasão dos sistemas do Conselho Nacional de Justiça e inserção de documentos falsos, ao lado de um hacker, Walter Delgatti. Além disso, os magistrados estabeleceram a perda de mandato da deputada.
Como a decisão prevê ainda o pagamento de uma multa de dois milhões de reais, cerca de 300 mil euros, Zambelli pediu, via redes sociais na segunda-feira, 19, doações para arcar com as despesas desse e de outros processos, como aquele em que é acusada de porte ilegal e constrangimento ilegal com emprego de arma de fogo.
Às vésperas das eleições de 2022, a deputada perseguiu um homem que supostamente a havia ofendido por uma rua do centro de São Paulo empunhando uma pistola. O relator do processo, juiz Gilmar Mendes, determinou cinco anos e três meses de prisão, a maioria do STF acolheu, mas Nunes Marques, magistrado nomeado por Bolsonaro, adiou a conclusão do caso ao pedir mais tempo para análise.
A deputada queixa-se de “perseguição política”.
Glauber Braga, do PSOL, foi suspenso pelos pares por, a 16 de abril de 2024, ter expulsado da Câmara aos empurrões e pontapés um influencer do Movimento Brasil Livre (MBL), grupo constituído por jovens liberais na economia. O partido Novo, com ideologia semelhante ao MBL, pediu a expulsão de Braga por conta de condutas que “violam as normas de decoro”.
Braga, que alega ter sido provocado antes de agredir o influencer, fez greve de fome na sequência e agora participa em caravana pelo Brasil sob o lema “Glauber fica” enquanto aguarda decisão, em julho, do plenário da Câmara.
Gilvan da Federal, deputado do PL, foi suspenso no passado dia 6 pelo presidente da Câmara, o deputado Hugo Motta, do Republicanos, de direita, por três meses, após determinação do Conselho de Ética nesse sentido, por 15 votos a quatro.
Ele é acusado de quebrar o decoro ao proferir ofensas contra Gleisi Hoffmann, ministra das Relações Institucionais. “Prostituta do caramba”, disse Gilvan, que é ex-polícia federal.
Gilvan já havia chamado uma deputada do PSOL de “satanista” e “assassina de bebés” e desejado que “Lula morra”, a propósito de Lula da Silva, presidente da República. Noutra ocasião, discutiu com o senador Hamilton Mourão (Republicanos), vice-presidente de Bolsonaro, e desafiou outro senador, Marcos do Val, do Podemos, de direita, para uma luta num ringue.
À margem da política, foi processado por Chico Buarque e Caetano Veloso por ter afirmado que os músicos utilizavam dinheiro público “para fumar maconha”
Noutros casos, o deputado Delegado da Cunha, do PP, de direita, mereceu só uma “censura verbal” do Conselho de Ética da Câmara depois de pedir desculpas à família por agredir a cônjuge.
Fernanda Melchionna, do PSOL, que chamou os Bolsonaro de “familícia”, um trocadilho entre família e milícia, e os filhos do ex-presidente de “bandidos”, não sofreu punição.
O caso Ramagem
Alexandre Ramagem, deputado do PL e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência, foi considerado pelo STF como elemento nuclear da tentativa de golpe de Estado tentada por Bolsonaro e aliados e é acusado de cinco crimes que, somados, podem traduzir-se em 34 anos de prisão.
Porém, a Câmara dos Deputados, após pedido do PL, aprovou, por 315 votos a 143, a suspensão da ação penal no STF que inclui todos os réus, inclusive Bolsonaro, baseando-se num artigo da Constituição que prevê que uma vez recebida denúncia contra um parlamentar, o poder legislativo poderá interromper o andamento da ação.
O STF, entretanto, já informou que essa suspensão só é válida para os crimes cometidos após a posse de Ramagem, ocorrida em dezembro de 2022, ou seja, os atentados do 8 de janeiro de 2023. Os processos pelos crimes anteriores de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa prosseguem.