Cúpula Dourada de Trump. É possível construir um escudo no espaço para defender os EUA?
O presidente norte-americano, Donald Trump, quer proteger os EUA com uma Cúpula Dourada (Golden Dome, no original), um escudo de defesa espacial que os especialistas temem possa levar a uma corrida às armas no espaço.
A ideia é o projeto estar concluído até ao final do seu mandato, em 2029, tendo já destinado um financiamento inicial de 25 mil milhões de dólares (22 mil milhões de euros). No total, o presidente diz que esta iniciativa vai custar 175 mil milhões de dólares (quase 155 mil milhões de euros).
"Isto é muito importante para o sucesso e até a sobrevivência do nosso país", disse Trump na apresentação do projeto, na quarta-feira.
O que é a Cúpula Dourada?
A ideia é que seja criada uma rede de centenas de satélites em redor do planeta, com sensores capazes de detetar o lançamento de um míssil – e Trump está a pensar em ameaças vindas da China, Irão, Coreia do Norte ou Rússia.
Essa rede incluirá também intercetores (isto é, outros mísseis ou até lasers) com capacidade de os destruir – incluindo os que transportem armas nucleares.
Os sistemas de defesa existentes visam os mísseis inimigos quando estes estão no espaço. A Cúpula Dourada quer atingi-los quando ainda estão na fase de lançamento, altura em que a sua rota é mais previsível, podendo eventualmente também usar intercetores que estão posicionados em terra na Califórnia e no Alasca.
O general Michael Guetlei, da Força Espacial dos EUA (lançada por Trump no final do primeiro mandato), vai gerir o projeto.
O que inspirou a ideia de Trump?
A inspiração para a Cúpula Dourada é a Cúpula de Ferro israelita, que foi desenvolvida com o apoio dos norte-americanos e está em funcionamento desde 2011. Mas a área de Israel é ligeiramente inferior à do estado de Nova Jérsia, um dos mais pequenos entre os 50 que formam os Estados Unidos da América. O desafio é por isso muito maior.
Há ainda outra diferença. A Cúpula de Ferro foi pensada para defender Israel de ameaças a baixa altitude, nomeadamente os rockets lançados pelo Hamas desde a Faixa de Gaza. Se o sistema detetar que estes visam uma área habitada, ativa os intercetores que estão colocados em camiões para os derrubar. A ameaça para os EUA não serão rockets, mas mísseis intercontinentais.
Já existe tecnologia para construir a Cúpula Dourada?
Desde a década de 1960 que as grandes potências espaciais – os EUA, a Rússia e a China - têm recursos militares e de recolha de informação em órbita. Mas foram lá colocados mais ou menos em segredo.
A ideia de ter um programa de defesa com mísseis colocados no espaço não é nova nos EUA. Em 1983, em plena Guerra Fria, o então presidente Ronald Reagan lançou a Iniciativa de Defesa Estratégica, mais conhecida como iniciativa Star Wars. Mas esta falhou porque era demasiado cara e demasiado ambiciosa da perspetiva tecnológica para a época. Além disso, violava um tratado que entretanto já foi abandonado.
A tecnologia evoluiu muito nos últimos 40 anos e há empresas que há anos se preparam para esta oportunidade - a Space X, de Elon Musk, está na linha da frente e há quem tema a influência que o milionário está a ter.
Mas ainda nada foi testado. Além disso, os peritos duvidam do calendário proposto por Trump, que quer o projeto finalizado até ao final do mandato. E também do valor necessário para que esteja seja implementado, considerando que 175 mil milhões de dólares é claramente insuficiente.
Segundo o Gabinete de Orçamento do Congresso (objetivo e não-partidário), o projeto pode custar até 542 mil milhões de dólares (478 mil milhões de euros) ao longo de duas décadas.
Como é que a China e a Rússia reagiram?
Um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China disse na quarta-feira que a China estava "seriamente preocupada" com a proposta e pediu a Washington que abandonasse a ideia de construir uma Cúpula Dourada, alegando que esta carrega "fortes implicações ofensivas" e aumenta os riscos da militarização do espaço exterior e de uma corrida ao armamento.
Já o Kremlin indcou que a Cúpula Dourada era uma "questão de soberania" dos EUA. O porta-voz Dmitry Peskov disse aos jornalistas que se os EUA acreditam que os mísseis representam uma ameaça, então "claro" que vão desenvolver um sistema para se defenderem. "É claro que, num futuro próximo, o curso dos acontecimentos exigirá o retomar dos contactos para restaurar a estabilidade estratégica”, acrescentou.
Existe mesmo a ameaça de uma corrida às armas espacial?
"Acho que é abrir a caixa de Pandora", disse à Reuters a diretora de segurança e estabilidade espacial do Secure World Foundation, Victoria Samson, sobre a colocação de mísseis no espaço. "Não pensamos realmente nas consequências a longo prazo disto", acrescentou a responsável deste think tank de Washington.
Os especialistas acreditam que a Cúpula Dourada pode levar outros países a colocar sistemas semelhantes no espaço ou a desenvolver armas mais sofisticadas para conseguir escapar a esse escudo, gerando uma corrida ás armas espacial.
Há alguém interessado em ajudar?
O primeiro-ministro canadiano, Mark Carney, disse que a eventual participação do Canadá já foi discutida com responsáveis norte-americanos, considerando que a ideia de que no futuro os mísseis possam ser lançados do espaço é uma ameaça que está a ser levada a sério. "Estamos conscientes de que temos capacidade, se assim o escolhermos, para concluir a Cúpula Dourada com investimentos e parcerias, e é algo que estamos a analisar", indicou.
E a Europa não está a planear nada do género?
Não há planos para colocar armas no espaço. Em 2022, foi contudo criada a Iniciativa Europeia Escudo do Céu (Sky Shield, em inglês). Um projeto europeu de defesa aérea e antimíssil que tem como objetivo adquirir sistemas de defesa de curto, médio e longo alcance, num processo coordenado para afastar ameaças aéreas. Portugal está entre os 24 países que aderiram à iniciativa liderada pela Alemanha.