A líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, reapareceu esta quinta-feira em público, após 133 dias na clandestinidade, juntando-se à multidão de apoiantes que tinha convocado a sair à rua - em Caracas, na Venezuela e um pouco por todo o mundo. Mas no final desta demonstração de força, na véspera da tomada de posse de Nicolás Maduro, foi “violentamente intercetada” pelas forças do regime. Não era ainda claro se isso iria mudar os planos de Edmundo González, que após meses exilado em Espanha prometeu voltar esta sexta-feira para assumir a presidência. “Nunca na minha vida me tinha sentido tão orgulhosa”, disse Corina Machado, após subir a um camião no meio da multidão. “Não temos medo”, afirmou, palavras que os apoiantes repetiram, gritando ainda “liberdade”. A última vez que tinha sido vista em público foi a 28 de agosto, sendo procurada desde então pelas autoridades. “Façam o que fizerem amanhã [esta sexta-feira], acabam de se enterrar. Se concretizam o crime à Constituição, estarão a sentenciar o seu destino”, acrescentou, referindo-se ao regime.Minutos depois “efetivos do regime dispararam contra as motos que a transportavam” e levaram-na, anunciou a equipa. González, no X, exigiu a sua “libertação imediata” e enviou uma mensagem às forças de segurança: “Não brinquem com o fogo.” A libertação de Corina Machado acabou por se consumar poucas horas depois, mas ainda assim o ministro do Interior venezuelano garantiu a detenção foi "uma invenção, uma mentira"..As manifestações da oposição, que tinham como ponto de encontro Chacao, chocaram com o reforço das forças de segurança com 1200 militares. Tudo está a postos para a tomada de posse de Maduro, na Assembleia Nacional, a partir das 12.00 (16.00 em Lisboa). Em relação a González, não são conhecidos os planos que tem para voltar à Venezuela. “Vemo-nos muito em breve”, escreveu nas redes sociais. A única coisa que se sabe é que o antigo diplomata, que assumiu a candidatura da oposição após Corina Machado ter sido proibida de o fazer, viajará junto com nove ex-presidentes latino-americanos que se ofereceram para o acompanhar. Entre eles o colombiano Andrés Pastrana ou os mexicanos Vicente Fox e Felipe Calderón, que Maduro promete prender se puserem um pé na Venezuela. Foram declaradas persona non grata e emitidos cartazes de “procurado”. “O governo está inseguro”.“O poder de convocatória de María Corina Machado continua grande. Mas há uma diferença relativamente às manifestações depois das eleições. O governo mobilizou todo o aparelho militar nos últimos dias. Isso mostra o seu grau de insegurança, de dúvida”, disse ao DN a professora de Relações Internacionais da Universidade Autónoma, Nancy Elena Ferreira Gomes, antes do início das marchas. “O governo está inseguro, sente-se ameaçado. E está a evidenciar que está mais fraco dentro do país. Porque desde fora já conseguíamos ver este enfraquecimento, este debilitar, com a perda de aliados”, referiu. Para a professora, Maduro está “claramente isolado” e “perdeu apoios”, tendo-se tornado “num incómodo”. O problema da Venezuela é “difícil de gerir desde países que enfrentam outros desafios, como a Rússia ou Cuba, que está ela própria a viver uma situação de crise económica”, referiu. E que isso se vê nos que estarão presentes na sua cerimónia de tomada de posse. “As ausências serão o destaque, mostrando precisamente o maior isolamento depois das últimas eleições.”Os casos do Brasil e da Colômbia, que junto com o México ainda tentaram mediar entre Maduro e a oposição, são contudo reveladores. Não reconheceram a vitória do presidente, mas também não apoiaram González. Contudo, ao contrário dos países da União Europeia que também têm essa posição, vão enviar representantes à tomada de posse de Maduro - o presidente colombiano, Gustavo Petro, só na quarta-feira confirmou que não ia. “As eleições passadas na Venezuela não foram livres. Não há eleições livres debaixo de bloqueios”, escreveu no X, mas explicando também que os dois países estão ligados por “sangue, cultura e história” e que “a Colômbia não vai romper relações diplomáticas com a Venezuela, nem vai intervir nos assuntos internos deste país sem convite”. Pediu ainda que sejam libertadas todas as pessoas detidas por questões políticas, defendendo o “diálogo interno” para resolver a situação. “A prioridade para o Brasil e a Colômbia não é a democracia mas a estabilidade na Venezuela”, resume ao DN o investigador principal no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Andrés Malamud. “Isso porque o objetivo do Brasil é evitar quer a turbulência doméstica, que alimente o fluxo de refugiados, quer a decisão de Maduro de invadir a Guiana para galvanizar a sua frente interna. Já o objetivo da Colômbia é completar o processo de ‘paz total’, que requer negociar com os grupos guerrilheiros que estão em ambos os lados da fronteira”, acrescentou.Para Malamud, tanto o presidente brasileiro, Lula da Silva, como o colombiano, Gustavo Petro, estão “céticos” da capacidade de os “democratas venezuelanos” manterem a “mínima estabilidade caso cheguem ao poder” e, por isso, “optam pela segunda melhor opção” que é deixar as coisas como estão. Mas o investigador lembra que Lula confiou na promessa de Maduro de que iria mostrar as atas eleitorais e ficou “dececionado e humilhado” quando ele não o fez, daí o Brasil ter vetado a entrada da Venezuela no grupo dos BRICS.Para os EUA, num momento de mudança do presidente Joe Biden para Donald Trump, Malamud lembra que “o custo da intervenção é alto e o benefício da estabilidade baixo”. Para Washington, desde que esteja garantido o acesso das empresas norte-americanas ao petróleo venezuelano, os EUA vão “condenar Maduro sem o remover”. Porque “qualquer mudança geraria instabilidade e fomentaria mais emigração”. Sobre o regresso do milionário norte-americano à Casa Branca, lembra que Trump quer o Canadá, o Panamá (por causa do canal, não do regime) e a Gronelândia. E que, desta forma, os latino-americanos dão-se conta da sua “irrelevância”. Nancy Elena Ferreira Gomes, de origem venezuelana, parece mais confiante numa mudança. “Parece-me evidente que as circunstâncias do ponto de vista da política internacional são mais favoráveis a uma mudança na Venezuela. Acho um momento facilitador. Mas não sabemos qual é a margem de manobra da parte de Maduro e daqueles que o mantêm no poder”, referiu, falando do “entusiasmo” que rodeou a viagem de González por vários países da América Latina.O périplo passou pela Argentina, Uruguai, EUA, Panamá e República Dominicana, antes de, eventualmente, González cumprir esta sexta-feira a promessa de regressar à Venezuela para a sua própria tomada de posse - alternativa a Maduro. “Existe um mandado de captura sobre ele [emitido em setembro, pela publicação das atas eleitorais na Internet]. Ele vai expor-se, mas só se houver uma máquina de força que o acompanhe e, desde dentro, algumas forças garantam a sua chegada”, disse a professora da Autónoma, lembrando contudo que “não sabemos” com que apoios contará na Venezuela. Sobre o futuro, Nancy Elena Ferreira Gomes defendeu: “O governo de Nicolás Maduro pode assumir o poder, pode tomar posse, mas do ponto de vista económico e dos apoios que recebia desde fora e que o mantinham no poder, não me parece que a situação seja sustentável por muito mais tempo.”