Manifestantes saíram às ruas em Banguecoque.
Manifestantes saíram às ruas em Banguecoque.EPA/RUNGROJ YONGRIT

Conversa com o “tio” cambojano ameaça derrubar líder tailandesa

Paetongtarn Shinawatra pediu desculpas depois de vir a público a sua conversa com Hun Sen, presidente do Senado do Camboja, que governou o país durante mais de três décadas.
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Como se não lhe bastasse uma economia vacilante, o consequente declínio da sua popularidade e uma disputa territorial com o Camboja que faz temer um conflito militar, a primeira-ministra tailandesa, Paetongtarn Shinawatra, vê agora o seu governo por um fio, ao fim de apenas dez meses, depois da saída do maior parceiro de coligação. Uma saída que surge na sequência de uma fuga de informação que revelou uma chamada telefónica entre a chefe do governo, que aos 38 anos é uma novata na política apesar de ser filha do antigo primeiro-ministro Thaksin Shinawatra, e Hun Sen, o poderoso presidente do Senado do Camboja, que liderou o país durante mais de três décadas, até 2023.

Foi o próprio Hun Sen que divulgou a gravação da chamada com Paetongtarn. São 17 minutos em que a primeira-ministra tailandesa lhe chama “tio”, enquanto discutem, com recurso a tradutores, se devem levantar as restrições fronteiriças impostas após os confrontos entre os dois países.

O Camboja e a Tailândia estão em conflito há muito tempo sobre o traçado da sua fronteira de mais de 800 quilómetros, definida em grande parte por acordos celebrados durante a ocupação francesa da então Indochina. Um soldado cambojano foi morto a 28 de maio durante um tiroteio num local conhecido como “Triângulo Esmeralda”, zona fronteiriça comum entre o Camboja, Tailândia e Laos.

Os Exércitos tailandês e cambojano concordaram em acalmar as tensões no dia seguinte, mas Phnom Penh decidiu manter as suas tropas na zona, apesar dos pedidos de retirada de Banguecoque. O Exército Real Tailandês assumiu o controlo da “abertura e encerramento” de todas as passagens fronteiriças com o Camboja, invocando uma “ameaça à soberania e segurança da Tailândia”.

Depois da divulgação da sua conversa com Hun Sen e confrontada com apelos da oposição à sua demissão, Paetongtarn veio pedir desculpas. A primeira-ministra - que sobretudo os nacionalistas de direita, velhos inimigos do seu pai, já vinham a criticar por ser branda com o Camboja - prometeu não voltar a ter conversas pessoais com Hun Sen, no qual disse não poder confiar. “Agora está claro que tudo o que lhe importa é a sua popularidade no país, sem considerar os impactos nas relações com outros países”, afirmou.

Primeira-ministra disse já não confiar em Hun Sen.
Primeira-ministra disse já não confiar em Hun Sen.EPA / RUNGROJ YONGRIT

Paetongtarn explicou que as duas famílias eram muito chegadas, descrevendo Thaksin e Hun Sen como “irmãos espirituais”. Em 2009, já após Thaksin ter sido deposto num golpe, Hun Sen nomeou-o conselheiro do Governo cambojano, cargo que abandonou pouco depois.

Hun Sen colocou a gravação da conversa com Paetongtarn na sua página no Facebook, depois de uma versão mais curta ter vindo a público. O homem que chefiou o governo do Camboja entre 1984 e 1993 e, de novo, entre 1998 e 2023, disse ter gravado a conversa “para evitar qualquer mal-entendido ou deturpação em assuntos oficiais”, acrescentando que partilhou a gravação com pelo menos 80 pessoas.

Na mesma gravação, pode ainda ouvir-se Paetongtarn a criticar o comandante do Exército tailandês responsável pela área de fronteira onde ocorreram os confrontos apelidando-o de “adversário”. Os críticos acusaram-na de estar a tentar agradar demasiado a Hun Sen e de fazer com que a Tailândia parecesse fraca. E o Bhumjaithai, o maior partido da sua coligação, deixou o governo alegando que as suas declarações tiveram “impacto na soberania, território, interesses e Exército da Tailândia”. Com a saída do Bhumjaithai, o governo fica com 255 dos 500 lugares no Parlamento, no limite da maioria.

Entretanto, milhares de manifestantes, na larga maioria nacionalistas, saíram às ruas em Banguecoque empunhando bandeiras da Tailândia para exigir a saída de Paetongtarn. Muitos receiam que as críticas da primeira-ministra ao comandante do Exército local possa ser o rastilho para um golpe militar. O seu pai, Thaksin, foi derrubado pelos militares em 2006, e a irmã dele, Yingluck Shinawatra, foi eleita para a chefia do governo em 2011, tendo sido alvo de um golpe militar três anos depois.

Para já, as Forças Armadas disseram esperar que o povo “mantivesse a confiança no compromisso inabalável do Exército Real Tailandês com a monarquia constitucional e na sua disponibilidade para cumprir o seu mandato constitucional de proteger a soberania nacional através de quadros jurídicos e mecanismos institucionais estabelecidos”.

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