O francês Emmanuel Macron conversa com o neerlandês Mark Rutte, favorito como futuro secretário-geral da NATO, enquanto a alemã Ursula von der Leyen fala ao telefone. 
O francês Emmanuel Macron conversa com o neerlandês Mark Rutte, favorito como futuro secretário-geral da NATO, enquanto a alemã Ursula von der Leyen fala ao telefone. LUDOVIC MARIN / AFP

Conflitos relegam temas europeus para segundo plano no Conselho

A competitividade e a reforma do mercado único são os temas centrais da reunião extraordinária do Conselho Europeu, mas o primeiro dia da cimeira dos 27, onde se estreou Luís Montenegro, ficou marcado pelas discussões sobre o Médio Oriente e a Ucrânia.
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Charles Michel, o presidente do Conselho Europeu que planeou demitir-se do cargo para concorrer como eurodeputado - tendo acabado por desistir perante a chuva de críticas -, convocou uma reunião extraordinária para discutir a economia e a competitividade na União. Os temas de política externa, com o Médio Oriente e a Ucrânia à cabeça, acabam por ofuscar, todavia, o que deveria ser o ponto principal do encontro em Bruxelas, que se iniciou ao fim da tarde de quarta-feira e que se prolonga até um “almoço de trabalho” na quinta-feira.

“A nossa próxima reunião centrar-se-á no reforço da competitividade. Há muito que se justifica um novo pacto para a competitividade, assim como uma perspetiva renovada”, disse Michel na carta-convite aos chefes de Estado e de governo dos 27. “Esta resposta firme e urgente - prosseguiu - é absolutamente fundamental para garantir a nossa prosperidade e a nossa liderança a nível mundial. No essencial, temos de colmatar coletivamente as disparidades em matéria de crescimento e inovação em relação aos nossos pares a nível mundial e salvaguardar a nossa base económica, industrial e tecnológica.” Trocando por miúdos, as instituições europeias querem dar um novo fôlego ao mercado único (que cumpriu 30 anos em janeiro) e para tal os líderes vão discutir temas como a união dos mercados de capitais, o reforço da base industrial e produtiva, o desenvolvimento de uma economia de impacto neutro a nível climático e uma agricultura sustentável, tudo isto reforçando a competitividade. 

A discussão vai fazer-se à luz da apresentação do relatório “Muito mais do que um mercado”, por parte de Enrico Letta. O ex-primeiro-ministro italiano preside agora ao Instituto Jacques Delors, e foi nessa qualidade que no acompanhamento da elaboração do relatório que aponta novos caminhos para o mercado único, visitou 65 cidades e participou em 400 reuniões. Letta destaca o facto de o Produto Interno Bruto da UE ter crescido menos de 30% entre 1993 e 2022, enquanto nos Estados Unidos o crescimento no mesmo período foi quase de 60%.

O antigo líder do Partido Democrático advoga que o campo do mercado único se abra aos setores da energia, comunicações eletrónicas e finanças. “Na altura, a exclusão foi motivada pela convicção de que dar prioridade ao controlo interno destas áreas serviria melhor os interesses estratégicos. No entanto, os mercados nacionais, inicialmente concebidos para proteger as indústrias nacionais, representam atualmente um importante travão ao crescimento e à inovação em setores em que a concorrência global e as considerações estratégicas exigem uma rápida passagem para uma escala europeia”, afirma no relatório. 

Letta aconselha ampliar as liberdades existentes no mercado único (livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais) com uma quinta, relacionada com a liberdade de “investigar, explorar e criar em benefício da humanidade, sem fronteiras e limitações disciplinares ou artificiais” em domínios como a inteligência artificial, a computação quântica ou a biotecnologia. Destaque ainda, no relatório de 148 páginas, para a ideia de um mecanismo de solidariedade para os países já membros da UE fazerem face aos futuros alargamentos. “Uma política de coesão eficaz - aplicada de forma equilibrada em toda a UE - sempre foi, e continuará a ser, uma condição essencial para o êxito do mercado único. A este respeito, a criação de um mecanismo de solidariedade para o alargamento, dotado dos recursos financeiros necessários para gerir as externalidades e facilitar o processo de alargamento, poderia ser um instrumento vital para apoiar o processo”, lê-se no relatório.

Entre belgas: Luís Montenegro cumprimenta o presidente do Conselho Charles Michel, ladeado pelo rei Philippe e pelo primeiro-ministro Alexander De Croo. EPA/OLIVIER HOSLET / POOL

A reunião em Bruxelas começou com os temas mais prementes: o debate sobre os conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente. “É importante que a UE tente desempenhar um papel mais substancial para promover a estabilidade [no Médio Oriente] e apoiar o direito internacional”, disse o presidente do Conselho Europeu à chegada à cimeira. Nem todos concordam com essa abordagem. O Politico mantinha em destaque no site uma análise com o título “A UE toca lira no Médio Oriente enquanto a Ucrânia arde”, comparando a inação dos 27 no apoio a Kiev e a sua tentativa de influenciar os acontecimentos em Telavive e Teerão como uma irresponsabilidade de proporções lendárias como a de Nero e a sua Roma em chamas.

Se o francês Emmanuel Macron e o belga Alexander De Croo aproveitaram as declarações à chegada para fazer coro com quem pede o alargamento das sanções económicas ao Irão, outros como o lituano Gitanas Nauseda, a estónia Kaja Kallas ou o alemão Olaf Scholz chamaram a atenção para a situação na Ucrânia e pediram mais defesas aéreas, a exemplo do sistema Patriot que Berlim anunciou enviar. Na mesma tecla bateu o convidado em videoconferência, o ucraniano Volodymyr Zelensky, que defendeu que os céus ucranianos e os dos seus vizinhos “merecem a mesma segurança” do que os de Israel. Para o esboço das conclusões da cimeira, os 27 adotaram a formulação de que a UE deve “fornecer urgentemente defesa aérea à Ucrânia e acelerar e intensificar a entrega de toda a assistência militar necessária, incluindo artilharia e mísseis”. 

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