Comissão Eleitoral aponta para vitória do MPLA mas UNITA contesta resultado

Com 97% dos votos contados, partido de João Lourenço elege 124 deputados na Assembleia Nacional, com a maior força política da oposição a ficar-se pelos 90. UNITA apresentava números diferentes e mostrava-se confiante na vitória, que conseguiu na província de Luanda.

O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) disse esta quinta-feira que "tem maioria suficiente para governar tranquilamente", com os dados oficiais da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) a apontar para uma vitória com 51,07% no escrutínio de quarta-feira. Quando estavam contabilizados 97,03% dos votos, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) tinha apenas 44,05%, mas contestava estes números. "Não deixe que nos roubem a esperança", escreveu no Facebook durante a tarde o líder do maior partido da oposição, Adalberto Costa Júnior.

De acordo com os dados oficiais, o MPLA, no poder desde a independência em 1975, conseguia uma maioria absoluta de 124 deputados dos 220 na Assembleia Nacional, com a UNITA a ficar-se pelos 90. Outros três partidos elegeram cada um dois deputados (em termos percentuais, tiveram individualmente pouco mais de 1% dos votos). Segundo a lei, o líder do partido mais votado é automaticamente presidente, pelo que João Lourenço consegue um segundo mandato - apesar de ter perdido 10 pontos percentuais e a maioria qualificada, em relação a 2017, e de ter sido derrotado em duas regiões, incluindo a capital. Em Luanda, a UNITA conquistou 62,59% dos votos e o MPLA 33,81%.

"Perdemos Luanda, mas a vida é assim, continua. Gostaríamos de ganhar com 98%, mas quem manda é o povo, ponto final. Estamos a respeitá-los, ainda não viu nenhum gesto nosso que indiciasse o contrário", afirmou o porta-voz do MPLA, Rui Falcão. O partido atribuiu a derrota na capital à "abstenção da sua base militante" - a nível nacional, a participação foi de 45,65%. Ainda quando só eram conhecidos os dados de 86% da contagem, já dizia que o partido tinha ganho "uma maioria absoluta suficiente para governar tranquilamente os próximos cinco anos".

Contestação da UNITA

Os dados provisórios do maior partido da oposição, que dizia só estar a revelar os dados constantes nas atas síntese, apontavam noutro sentido. Com 39,8% das atas contadas a nível nacional, a UNITA dizia ter 46,89% dos votos, contra 47,99% do MPLA. Uma diferença mínima que a formação previa superar à medida que os dados da província de Luanda, a maior do país, fossem inseridos no seu sistema. E reclamava a vitória em pelo menos três províncias - Luanda, Zaire e Cabinda. Os dados oficiais do CNE confirmavam este cenário.

Em conferência de imprensa, o dirigente da UNITA, Ruben Sicato, apelou à calma, depois de já ter havido alguma tensão na capital. "Temos de tomar a atitude que deve ser de um partido responsável, temos que ter as atas" das votações e "não há espaço para nós criarmos um ambiente de convulsões, um ambiente de certa agitação que foi o que o nosso adversário procurou fazer o tempo todo".

Sicato insistiu que o seu partido só quer "transparência". A deputada da UNITA Mihaela Web disse que o partido tinha apresentado uma nova reclamação junto das autoridades judiciais porque "o anúncio dos resultados provisórios pela CNE não está conforme à lei". Mas admitia que esta não seria atendida, porque, em Angola, "as instituições judiciárias ainda recebem ordens do poder executivo".

Mais cedo, quando ainda só estavam contabilizados 33% dos votos, o número dois da lista da UNITA e candidato a vice-presidente, Abel Chivukuvuku, tinha reclamado vitória. "Os nossos centros de escrutínio [dão] claros indicadores provisórios de tendência de vitória da UNITA em todas as províncias do nosso país", tinha dito em conferência de imprensa.

Diante da contestação, o MPLA mostrava-se calmo. "Devemos todos esperar os resultados definitivos da CNE e a litigância ou o litígio faz-se nos tribunais", tinha dito à Lusa o vice-presidente da bancada parlamentar do MPLA, João Pinto. "Vamos aguardar serenamente os resultados, como já tem sido tradição em Angola", acrescentou.

Violência em Luanda?

Em Luanda, a polícia teve que intervir para travar desacatos. Nas redes sociais, foram partilhados vídeos dos protestos, alegando-se que tinham a ver com a divulgação dos resultados provisórios - incluindo por parte de Isabel dos Santos, filha do falecido ex-presidente José Eduardo dos Santos.

Contudo, segundo a rádio DW África, o vídeo mostrava um protesto de delegados da Aliança Patriótica Nacional (APN), que estariam a contestar o pagamento dos serviços prestados no dia das eleições. Segundo o porta-voz do posto de comando de segurança das eleições, Orlando Bernardo, a "movimentação de cidadãos" deveu-se precisamente a problemas com os partidos nos quais se inscreveram para serem delegados de lista e outras atividades eleitorais. Além da APN havia problemas com a Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA).

O responsável descartou que os distúrbios estivessem relacionados com o anúncio dos resultados provisórios, apelando às forças políticas que "têm esses pendentes" que resolvam os problemas. Se os "vândalos persistirem nessa atitude cair-vos-á a mão pesada da polícia nacional", acrescentou. Bernardo assegurou ainda que o país "está calmo, está tranquilo", pelo que não há preocupações de segurança pública, embora as forças mantenham o estado de prontidão.

Contudo, as autoridades foram chamadas ao maior mercado de Luanda para dispersar uma multidão, alegadamente instigada pelo maior partido da oposição. "Os da UNITA vieram cá armar confusão e tivemos de chamar a polícia", disse o administrador do mercado, António Domingos, à agência Lusa. "Isto é uma democracia, mas a UNITA tem de esperar por ter os seus políticos empossados", explicou, ladeado por elementos das forças policiais, indicando que havia registo de incidentes semelhantes noutros mercados da cidade.

Polícia ferido em Lisboa

Em Lisboa, confrontos entre manifestantes e polícia junto ao consulado de Angola, na noite de quarta para quinta-feira, causaram ferimentos num agente e danos em várias viaturas. Os problemas começaram após o encerramento das urnas, quando várias pessoas se mantiveram no exterior do edifício em Alcântara, onde decorria a contagem dos votos - estariam a aguardar a publicação das atas com os resultados naquele local. Ainda não há resultados oficiais da votação em Portugal.

Para evitar uma eventual escalada da tensão, "foi decidido que os delegados e funcionários sairiam por uma porta secundária e seriam acompanhados pela Polícia até ao autocarro que os transportaria" para uma unidade hoteleira, de acordo com um comunicado do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, que explicou que o dispositivo policial tinha sido reforçado ao fim do dia.

Contudo, alguns dos manifestantes deslocaram-se para junto do autocarro e "adotaram um comportamento hostil, com arremesso de pedras e diversos objetos", tendo a polícia usado a força para os dispersar. "Do arremesso dos objetos há a registar um polícia ferido na cabeça, o qual foi transportado ao hospital para tratamento, bem como danos em viaturas que ali se encontravam parqueadas", adianta ainda a nota da polícia.

Alex Vines: "A eleição ia ser sempre apertada e o resultado contestado"

Alex Vines é diretor do Programa África da Chatham House

Com 97% dos votos contados em Angola, o MPLA consegue 51% e a UNITA com 44%. O que podemos esperar do maior partido da oposição em Angola se este for o resultado final?
A eleição ia ser sempre apertada e o seu resultado contestado. A UNITA irá certamente contestar o voto durante algum tempo. Se o MPLA perdesse a sua maioria absoluta, isso seria um ganho significativo para a UNITA e um novo cenário político teria que emergir na Assembleia Nacional. É preciso lembrar que em 2017, João Lourenço sugeriu que poderia conseguir uma maioria mais forte do que os 61% nas próximas eleições - mas a recessão, o legado económico da era de José Eduardo dos Santos e a covid não foram culpa sua.

Se o MPLA perdesse a maioria na Assembleia o governo seria capaz de funcionar?
Perder a maioria significava uma mudança na política parlamentar. O compromisso seria necessário de tempos a tempos e, na teoria, o governo teria que prestar mais contas. Para já, mais deputados para a UNITA [tinha 51 e pode ter 90 segundo os dados provisórios] significa mais salários e mais subsídios e há a promessa de eleições locais durante o próximo mandato. É uma oportunidade excelente para a UNITA.

A UNITA terá ganho em Luanda. O que podemos esperar se João Lourenço ganhar com uma margem tão apertada a nível nacional e perder Luanda?
O MPLA tem noção da erosão do apoio entre os jovens. Isto reflete-se no voto em Luanda e tentar providenciar oportunidades para os desempregados e os jovens desempregados será uma prioridade no segundo mandato de João Lourenço.

Acha que pode haver violência?
Há muitas vezes protestos, mas a segurança estatal é efetiva e provavelmente capaz de conter alguns protestos mais graves.

Com Lusa

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