Na quarta-feira, dia 28, Flávio Dino, ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública de Lula da Silva, sentou-se, pela primeira vez, no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Agora, a corte conta com quatro indicados por Lula e três por Dilma Rousseff, ou seja, sete nomeados por presidentes do Partido dos Trabalhadores (PT), de centro-esquerda, em 11. É legítimo concluir que a principal corte do Brasil será mais progressista do que nunca? Por causa das especificidades de cada um dos integrantes, os especialistas não têm a certeza. .Marcelo Crespo, professor e coordenador do curso de direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing, pega no exemplo de Dino, que além da carreira na magistratura, foi governador do Maranhão pelo Partido Comunista do Brasil e um dos ministros de Lula mais detestados pela direita bolsonarista, para explicar por que nem tudo no STF é preto ou branco. “Pelo comportamento dele enquanto governador do Maranhão e enquanto ministro de Lula, logicamente podemos esperar posições mais progressistas mas não há garantia que, em alguns pontos, não possa enveredar por um caminho mais conservador”, disse Crespo, ao DN..“Flávio Dino, mesmo não sendo um católico conservador, não deixa de ser um católico fervoroso, portanto, não se espere abertura dele em relação, por exemplo, ao aborto ou a questões relacionadas com drogas”, completa Vinícius Vieira, politólogo da Fundação Armando Álvares Penteado. No Brasil, o aborto, salvo casos muito específicos, é, assim como o consumo de drogas leves, crime. .O anterior escolhido de Lula foi o seu advogado pessoal - e amigo - Cristiano Zanin, uma decisão criticada pela direita, pela imprensa e pela maioria dos observadores mas apoiada, logicamente, pelo PT e pelos esquerdistas brasileiros mais empedernidos. Porém, apenas no início. .“Afinal, Zanin mostrou nalgumas decisões ser mais conservador do que a esquerda esperava”, lembra Marcelo Crespo. E Vinicius Vieira acrescenta o exemplo de Dias Toffoli, que antes de chegar ao STF era advogado do próprio PT: “Toffoli foi advogado do PT e Zanin advogado d Lula, ambos serão mais estatistas do que liberais no campo económico mas o segundo, para deceção das esquerdas, até parece bastante conservador nos costumes e o primeiro age de acordo com o vento, tendo sido particularmente duro com Lula na Operação Lava Jato e no período em que o hoje presidente esteve preso”. “Toffoli votou num sentido condenatório no caso do Mensalão, onde estavam a ser julgados altos dirigentes do partido, ou seja, em resumo, tudo depende dos contextos”, reforça Crespo..Em suma, diz Vieira, “não é que o Brasil não esteja tão polarizado quanto os EUA mas lá, ao contrário daqui, a divisão entre juízes mais progressistas ou mais conservadores, é muito mais clara, mais ideológica, porque aqui a prioridade na escolha dos presidentes é a relação política e de proximidade do governante com o juiz”..Os casos estão à vista: Gilmar Mendes, o decano do STF, foi Advogado-Geral da União, cargo com estatuto de ministro de Estado, no governo de Fernando Henrique Cardoso, que o nomearia, logo a seguir para a corte. Toffoli, que nunca prestou concurso para juiz, era um jovem advogado de 41 anos do PT quando Lula, surpreendentemente, o nomeou, em 2009. O mesmo Lula indicou, já em 2023, o advogado pessoal. E, em 2024, um ministro e amigo. Acresce que o principal critério para as duas escolhas de Jair Bolsonaro foi, segundo o próprio, “alguém com quem eu possa tomar uma cerveja”..A dificuldade em catalogar os juízes do STF começa logo em Alexandre de Moraes, hoje o principal alvo da ira da extrema-direita, por ter a seu cargo os principais processos contra Bolsonaro e os bolsonaristas presos nos ataques à Praça dos Três Poderes, a 8 de janeiro de 2023. “O bolsonarismo chama-o de lulista”, sublinha o professor de Direito, “mas dificilmente Moraes, nomeado para o STF pelo presidente Michel Temer de quem chegou a ser ministro da Justiça, pode ser visto como um progressista nos costumes, ele foi até fotografado há uns anos com um facão a cortar um pé de maconha para se mostrar intransigente com a legalização das drogas leves...”.“No STF há duas dimensões, a económica, em que o juiz pode ser mais estatista ou mais pro-mercado, e a dos costumes, em que o juiz pode ser favorável a uma maior intervenção do Estado no apoio ao cristianismo, associado aos evangélicos neopentecostais e aos católicos mais profundos, ou a uma abertura a direitos individuais, como se espera de um estado secular”, regista Vieira..“E não há estudos que mapeiem exatamente como a maioria dos juízes do STF se situa nesses pontos mas dois deles, André Mendonça e Kassio Nunes Marques, são claramente conservadores e autoritários no plano comportamental, eles compõem, digamos, a bancada bolsonarista, até por terem sido ambos nomeados pelo ex-presidente, no caso de Mendonça tendo mesmo em conta o facto de ser evangélico”..“Na economia, entretanto, eles são mais liberais, assim como Luiz Fux, Luiz Roberto Barroso, Alexandre de Moraes ou Gilmar Mendes mas alguns, uns mais do que outros, com posições ambivalentes, ao sabor das tendências políticas”, afirma ainda. “Carmen Lúcia, até por ser a única mulher hoje, é mais liberal em questões de direitos reprodutivos, já Barroso é o mais liberal de todos nos costumes”, completa o politólogo..Na verdade, é um filme ainda no início mas cujos próximos desenvolvimentos podem ser reveladores, como diz Crespo. “Talvez quando os atos do 8 de janeiro e o planeamento do golpe forem julgados poderemos ver se eclodem conflitos e se as águas se dividem melhor”. .dnot@dn.pt.Os 11 juízes do STF.GILMAR MENDES No STF desde 2002 Nomeado por Fernando Henrique Cardoso.CARMEN LÚCIA No STF desde 2006 Nomeado por Lula da Silva.DIAS TOFFOLI No STF desde 2009 Nomeado por Lula da Silva.LUÍS FUX No STF desde 2011 Nomeado por Dilma Rousseff.LUÍS ROBERTO BARROSO No STF desde 2013 Nomeado por Dilma Rousseff.EDSON FACHIN No STF desde 2015 Nomeado por Dilma Rousseff.ALEXANDRE DE MORAES No STF desde 2017 Nomeado por Michel Temer.NUNES MARQUES No STF desde 2020 Nomeado por Jair Bolsonaro.ANDRÉ MENDONÇA No STF desde 2021 Nomeado por Jair Bolsonaro.CRISTIANO ZANIN No STF desde 2023 Nomeado por Lula da Silva.FLÁVIO DINO No STF desde 2024 Nomeado por Lula da Silva