Clima de violência: 30 mil polícias para evitar “desordem” na 2.ª volta
O ministro do Interior francês, Gérald Darmanin, disse esta quinta-feira que 30 mil polícias estão destacados em todo o país (cinco mil só em Paris e arredores) para garantir que “nem a extrema-esquerda nem a extrema-direita” criam “desordem” na segunda volta das eleições legislativas, no domingo. O anúncio surgiu depois de vários episódios de agressões na campanha, incluindo à porta-voz do Governo. “Está a acontecer algo que roça a libertação da violência”, reagiu Darmanin, temendo que os resultados da noite eleitoral possam dar lugar a excessos.
A ministra Prisca Thevenot e a equipa foram agredidos por um grupo de jovens quando colavam cartazes em Meudon-la-Forêt, tendo duas pessoas ficado feridas. Quatro foram detidas, incluindo três menores. “A violência nunca é a resposta. Terminarei a minha campanha no terreno”, reagiu no X, agradecendo os apoios que recebeu. “A democracia não pode ser objeto de ataques e agressões”, disse o primeiro-ministro, Gabriel Attal, que acompanhou Thevenot na campanha e apelou ao “apaziguamento” e “união”.
Esta agressão não foi a única. O ex-ministro da Saúde Olivier Véran, candidato do campo do presidente Emmanuel Macron em Isère, denunciou nas redes sociais a agressão a um político local de 77 anos que colava cartazes seus. “Considerando o ambiente de violência, peço às minhas equipas que tenham a maior cautela nestes últimos dias de campanha”, disse. O autor da agressão será um alegado simpatizante da França Insubmissa (FI), a esquerda radical, cujo candidato e adversário de Véran, Hugo Prévost, condenou o ataque.
Uma candidata do Reunião Nacional (RN, extrema-direita), Marie Dauchy, foi obrigada a suspender a campanha após ter sido agredida na manhã de quarta-feira no mercado La Rochelle. O alegado autor das agressões entregou-se e ficou em prisão preventiva por “ameaças de morte reiteradas, injúrias e violência”. A adversária de Dauchy num dos círculos eleitorais de Savoie, Emilie Bonnivard, dos Republicanos, condenou a violência.
Maioria absoluta distante?
O RN de Marine Le Pen e de Jordan Bardella venceu a primeira volta das eleições no último domingo com um resultado que abre a porta a uma maioria absoluta parlamentar. Tanto o bloco da esquerda, que inclui a FI, como o bloco central do presidente Emmanuel Macron apelaram a uma “frente republicana” para travar esse cenário, levando à desistência de mais de 200 candidatos para evitar corridas a três que dividissem o voto e beneficiassem a extrema-direita.
Uma sondagem da Toluna Harris Interactive, divulgada na quarta-feira, diz que o RN só conseguirá eleger entre 190 e 220 deputados (em 577), ficando aquém da maioria de 289 que permitiria formar um governo - Le Pen e Bardella rejeitam a ideia de o fazer sem essa maioria absoluta. A aliança de esquerda, a Nova Frente Popular, poderá ganhar entre 159 e 183 lugares, enquanto o campo de Macron ficará com 110 a 135. Os Republicanos, que partiriam divididos para as eleições com uma fação a apoiar o RN, teriam entre 30 e 50 deputados - fechando a porta à ideia de uma possível aliança com a extrema-direita para governar.
“Acho que ainda há capacidade de ter uma maioria absoluta, com o eleitorado a fazer um esforço final para conseguir o que quer”, disse Le Pen à BFMTV, admitindo que a “operação” da esquerda e de Macron torna mais difícil a tarefa. A extrema-direita tem acusado o presidente de se aliar à FI, que deverá ser a maior força de esquerda na Assembleia. Tanto Macron como o Governo rejeitam a ideia de uma aliança com a esquerda radical.
Le Pen também enfrenta dificuldades internas, por causa de polémicas. Uma das suas candidatas teve que desistir por causa de uma fotografia em que surgia com um boné nazi. Também não caiu bem na campanha uma mensagem nas redes sociais do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, que diz que os franceses estão à procura de “uma política externa soberana que sirva os seus interesses nacionais e uma rutura com o ditame de Washington e Bruxelas”, junto a uma imagem de Le Pen. Esta denunciou “ingerência”. O RN é acusado de ligações ao Kremlin (financiou uma das suas campanhas com um empréstimo - já pago - de um banco russo), uma imagem da qual se tem tentado livrar desde a invasão da Ucrânia.
Noutro revés para o RN, o capitão da seleção francesa de futebol, Kylian Mbappé, apelou ao voto na conferência de imprensa de antecipação do jogo desta sexta-feira com Portugal, no Europeu na Alemanha. “Não podemos deixar o nosso país nas mãos destas pessoas”, disse. “É urgente. Nós vimos os resultados, são catastróficos. Espero que mude e que todos vão votar e votar nas pessoas certas”, afirmou, sem mencionar diretamente o RN.
Protestos contra a extrema-direita
Manifestantes vestidas de Marianne, personificação da República Francesa, no protesto de quarta-feira de apoio à “frente democrática” e contra a extrema-direita. Este protesto na Praça da República, em Paris, foi convocado por sindicatos franceses e associações da sociedade civil, além de alguns media independentes. Outras ações semelhantes estão a ser marcadas para os próximos dias, com um grupo antifascista da região parisiense a convocar os apoiantes para diante da Assembleia Nacional no dia das eleições, após serem conhecidos os primeiros resultados (às 19h00 de Lisboa). “Qualquer que seja o resultado, hoje, mais do que nunca, vamos unir-nos por todos os meios contra a extrema-direita e os seus aliados. Sem rua não há frente popular”, indicaram na convocação da ação. Marine Le Pen alerta para um “assalto ao Capitólio versão extrema-esquerda francesa”.
susana.f.salvador@dn.pt