Cheias na Bélgica:"É miserável. Mas temos de recomeçar"

Quase uma semana depois das cheias sem precedentes na Bélgica, anda os moradores mobilizaram-se para "recuperar o que for possível".
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Na véspera do Dia Nacional, em que a Bélgica celebra a constituição do país, é dia de luto nacional, pelas mais de três dezenas de mortes nas cheias que atingiram a Europa.

Mais de 160 pessoas continuam desaparecidas, depois das chuvas torrenciais, que deixaram para trás um rasto de destruição nunca visto no país.

Ruas cobertas de lama e de todos os bens de uma vida amontoados como sucata é o cenário que se vê por estes dias, por exemplo, na baixa de Liége, onde os moradores se entreajudam, e tentam disfarçar as perdas materiais e as feridas interiores de quem perdeu tudo.

"Está tudo perdido", lamenta Daniel Ponente, dono de uma loja de decoração. "A água esteve a dois metros e vinte. Estamos a tentar recuperar o que é recuperável, mas a maior parte perdemos". Continua dizendo: "quero agradecer a todas as pessoas que nos têm ajudado, que nos trouxeram comida. Isso é uma grande coisa, se não, nada tínhamos".

É com a ajuda das duas filhas que tentam desembaraçar-se da lama, "com detergente da louça, para dar uma primeira passagem e retirar a maior, e depois..." A frase de Anaïs Ponente deixa subentendido um "logo se verá", de quem ainda não quer pensar nos tempos vindouros, com as consequências de uma "inimaginável" destruição.

"As condutas do gás estão cheias de água", conta Alexandro Tellate, funcionário da empresa que está a tentar descobrir uma forma de solucionar o problema. "Há um volume enorme de avaliações e sondagens a fazer no subsolo, para tentar retirar toda esta água. Não sabemos prever se vai durar um mês, se oito meses, ou um ano", afirma.

Pelas ruas da baixa de Liége há amontoados infindáveis de tudo o que se pode ter em casa. Mobílias inteiras, eletrodomésticos, sofás, camas, frigoríficos, microondas. Brinquedos. Roupas. a intimidade misturada com lama.

"É miserável", atira um morador, que "perdeu tudo, mesmo tudo", e a casa tem paredes soltas, todo o recheio no interior, e um carro de um vizinho, capotado no que há uma semana era o jardim. "Agora tem de se recomeçar", afirma.

Carine Serrano é voluntária numa associação de apoio a idosos. Mas, por estes dias, é a própria associação que precisa "de uma ajuda, para recomeçar", afirma. "A água inundou as instalações, a dois metros de altura. está tudo partido". Seis voluntárias tentam recuperar a própria associação.

Aqui, chegam relatos de pilhagens, em aldeias próximas. "Há pessoas sem dormir, há quase uma semana", para evitar serem roubadas, conta Gimard, uma das moradoras.

Mais adiante, o som do motor de elevação de água ocupa todo o espaço. Matias ainda espera há praticamente uma semana, que se consiga retirar do interior da casa a água que inundou todas as memórias da infância. Aos 16 anos, parece resignado a tamanha destruição. "Perdemos tudo, mas há muita gente a ajudar-nos e isso faz-nos bem", conta, com um leve encolher de ombros. "Assim avança mais rápido", diz, referindo-se à ajuda de vizinhos.

É do interior da sala, sem parede, onde faz uma pausa nos trabalhos de limpeza, que agradece "toda a apoio das pessoas que fazem as recolhas de alimentos e distribuem estas sanduíches, água e dão uma ajuda, um grande muito obrigado".

"Moramos numa zona mais alta e viemos dar uma ajuda, são os nossos vizinhos, são os nossos amigos", diz o homem a meio do lanche improvisado, entre os escombros.

Ao longe há uma mulher que chora inconsolável. Ora entra ora sai de uma casa vazia. Uma mulher mais jovem abraça-a.

Nesta rua, houve perdas humanas e há pessoas desaparecidas. Há um sentimento de revolta, que não sabem a quem dirigir, e questionam-se se não deveriam ter sido emitidos alertas, antes da abertura das comportas da barragem Eupen. "Antes de abrirem os diques, deveriam de avisar as pessoas, não é agora", diz uma das moradoras.

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