Mais de 17 milhões de moçambicanos são hoje chamados às urnas, para votar nas eleições presidenciais, legislativas e provinciais, estando o maior foco das atenções em quem sucederá a Filipe Nyusi, impedido de se candidatar após completar dois mandatos, e se tornará no quinto presidente do país. Na corrida estão quatro candidatos: Daniel Chapo (Frelimo), Venâncio Mondlane (independente), Ossufo Momade (Renamo) e Lutero Simango (MDM). .Muito já foi dito sobre estas eleições presidenciais: que podem representar uma nova era na vida política do país ou que se está a assistir a um conflito de gerações, tudo porque os dois candidatos apontados como favoritos - Chapo, de 47 anos, e Mondlane, de 50 - fazem parte de uma geração pós-independência, quando comparados com os seus dois outros adversários, ambos com mais de 60 anos. Mas na opinião de Fernando Jorge Cardoso, especialista em assuntos africanos, esses não são cenários esperados nestas eleições..“Na eventualidade, muito improvável, de o Mondlane ganhar as presidenciais, vai ser um terramoto, vai haver seguramente turbulência, mas é algo muito eventual. Ganhando o candidato da Frelimo, que é o que todos os analistas estão à espera que aconteça, não creio que haja qualquer mudança substancial no regime, para além de modificações de natureza formal, cosmética, tática, etc.”, explica ao DN o investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL. “Não creio que a questão de nascer antes ou depois da independência tenha algum peso também. Tem muito mais a ver com as máquinas partidárias em que os candidatos assentam. Por exemplo, e neste caso concreto, a Renamo tem uma máquina bem organizada e tem claramente uma implantação muito mais forte na região Centro-Norte do país, que é onde está a maior etnia de Moçambique, que são os macuas. Aliás, o Ossufo Momade, o candidato presidencial da Renamo, é macua e é lá que ele concentrou os comícios”, acrescenta Fernando Jorge Cardoso. .Daniel Chapo é visto como um sopro de ar fresco entre os escândalos de corrupção que têm abalado a Frelimo, no poder desde 1975, como o das “dívidas ocultas”, que afundou Moçambique numa crise financeira, após duas décadas nas quais o país foi uma das dez economias de crescimento mais rápido do mundo, segundo o Banco Mundial. .Daniel Chapo é o candidato da Frelimo JOSE COELHO/LUSA.Apesar de ter pouco mais de uma década de vida política, Chapo tem conseguido juntar algumas multidões nos seus comícios, que usa para passar uma mensagem anticorrupção, como refere uma das músicas da sua campanha: “O irmão Dan é a honestidade em pessoa, ele é a voz da esperança que queremos abraçar, é tempo de mudança.”.No domingo, no evento de encerramento da campanha, o candidato da Frelimo voltou a afirmar que quer acabar com a corrupção que empobrece Moçambique, referindo que “essas pessoas vão ficando cada vez mais ricas e o nosso povo cada vez mais pobre. Temos de acabar com isso. E esse é um combate que temos de fazer juntos”. Outro dos “males” que diz querer combater é a burocracia no Estado, que “faz mal a todos nós, sem nos apercebermos. Porque o dinheiro, que se chama de dinheiro do Estado, é dinheiro do povo”, afirmou, reconhecendo que são verbas que acabam por ser desviadas do investimento público e das necessidades da população. .Comparado a Machel e Trump.O seu potencial rival à vitória nas presidenciais é Venâncio Mondlane, que se apresenta como independente depois de ter saído da Renamo. Usando como slogan “Salvar Moçambique, este país é nosso”, tem feito uma campanha de sucesso, principalmente junto dos jovens, apesar de não contar com o apoio de uma máquina partidária. “A questão do Venâncio Mondlane é que é o único que sai do baralho, porque não tem uma máquina atrás dele. Ele tem um carisma pessoal, uma grande projeção mediática através das redes sociais e uma implantação muito grande em termos de conseguir arrastar nas ruas multidões. Um bocado como o que faz o candidato a governador da Renamo à província da Zambézia, o Manuel Araújo, eles são muito parecidos, aliás fazem parte da mesma geração”, classifica Fernando Jorge Cardoso. .Para este investigador, “o discurso de Mondlane é basicamente o seguinte: desde o fim de Samora Machel, Moçambique é um país cheio de dirigentes que estão mais preocupados com eles próprios do que com o país. O Venâncio representa-se a si próprio e representa o ressentimento de pessoas que não veem melhorias significativas no seu nível de vida, particularmente na camada mais jovem”..Olhando ainda para Mondlane e o tipo de campanha que fez, o investigador encontra-lhe algumas semelhanças com duas figuras políticas: Samora Machel e Donald Trump. “Ele é um pastor protestante, tem o dom da palavra. Samora não foi pastor, mas o pai dele foi. Quando o Samora falava, falava um bocado como o Venâncio, que não faz discursos, faz conversas. Ele conversa, fala, anda, só não canta como o Samora fazia”, refere ao DN, apontando ainda que, “do ponto de vista da metodologia, Venâncio tem o mesmo estilo que Trump, que não aposta nas televisões, mas sim nos comícios e nas redes sociais”. “No entanto, contrariamente a Trump, Venâncio é uma pessoa simpática, e, enquanto Trump insulta, eu nunca vi Mondlane insultar ninguém nos seus comícios de forma suja e mal educada”, diz Cardoso. .Venâncio Mondlane apresenta-se como candidato independente. EPA/JOSE COELHO.No seu discurso de final de campanha, Venâncio Mondlane pediu aos moçambicanos para permanecerem nos locais de votação após votarem, defendendo que não há “polícia, algemas, gás lacrimogéneo e cadeia” que possam vencer o povo, numa referência àquele que os analistas consideram ser o principal problema destas presidenciais - a fraude -, algo que já tinha sido levantado nas locais do ano passado, quando a Frelimo conquistou 64 dos 65 municípios. .“Desde as últimas eleições que a grande batalha está nos truques que se fazem ao nível das urnas”, refere o investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE. Um deles é já haver votos dentro das urnas quando elas chegam às mesas, outro são as discrepâncias entre o edital da contagem dos votos colocado à porta das assembleias de voto e os valores que seguem depois para a Comissão Nacional de Eleições. “Uma outra questão é a existência de brigadas da Frelimo a comprarem cartões de eleitores nos locais onde julgam que vai haver uma votação não favorável ao partido, e isso está a acontecer em diversas zonas rurais do país”, sublinha Fernando Jorge Cardoso, referindo que por causa disto, “mesmo que o resultado final possa ser anunciado pela Comissão Nacional de Eleições, este é um processo que se vai prolongar por vários dias”. .Colocando a possibilidade de fraude eleitoral de parte, e com vários analistas internacionais a apelidarem estas eleições de muito renhidas, parece certo que o sucessor de Filipe Nyusi na presidência será o candidato do sistema Daniel Chapo ou o independente Venâncio Mondlane. E cada um deles terá desafios diferentes caso saia vencedor. .“Chapo terá de fazer um distanciamento do regime anterior, não o colocando em causa, mas lavando-lhe a cara, tem que parar com a ostentação de riqueza por parte dos filhos dos dirigentes e terminar com a história das concessões serem todas ganhas por famílias específicas. Acho que, se ele não fizer isto, o desmembramento épico da Frelimo que está em curso irá continuar”, enumera o especialista em assuntos africanos ouvido pelo DN. “Na perspetiva improvável de Mondlane ganhar ou, melhor dizendo, ser declarado vencedor, ele terá de encontrar um compromisso com a Frelimo sobre o governo para que ele seja aprovado no Parlamento, caso contrário entramos num período de ingovernabilidade e, em última instância, a sua posição poderá estar em perigo.” .ana.meireles@dn.pt