Reforço de segurança na Caxemira indiana.
Reforço de segurança na Caxemira indiana.EPA/FAROOQ KHAN

Caxemira no centro da tensão entre Índia e Paquistão. O que está em jogo entre as duas potências nucleares?

Ataque contra turistas do lado indiano desencadeou medidas diplomáticas mútuas, troca de tiros na fronteira e a acusação, por parte de Islamabad, de que Nova Deli se prepara para atacar.
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Um ataque contra turistas na Caxemira indiana voltou a reacender a tensão entre Índia e Paquistão, duas potências nucleares vizinhas que há mais de sete décadas disputam este território.

Os dois países reduziram as relações diplomáticas, fecharam fronteiras e Islamabad alega que Nova Deli estará preparada para lançar um ataque militar, com as Nações Unidas a apelarem a ambos para que evitem "um confronto que poderia resultar em consequências trágicas".

O que aconteceu para reacender a tensão?

A 22 de abril, na região turística de Pahalgam na Caxemira indiana, quatro militantes islamitas mataram a tiro 26 turistas (25 deles indianos e um nepalês). Todas as vítimas eram do sexo masculino, tendo os atacantes separado homens e mulheres e visado os hindus.

A Índia lançou de imediato uma caça aos autores do ataque, que conseguiram fugir, tendo identificado três deles. Dois foram apresentados como "terroristas" paquistaneses e o terceiro como um indivíduo local, não tendo sido dadas informações em relação ao quarto.

Nova Deli acusou Islamabad de proteger os grupos que defendem a independência de Caxemira ou uma união com o Paquistão. Algo que os paquistaneses negam, alegando só oferecer apoio moral e diplomático ao direito à autodeterminação de Caxemira.

O ataque foi reivindicado num primeiro momento pela Frente de Resistência, um grupo que se acredita ter ligações aos paquistaneses do Lashkar-e-Taiba (responsáveis pelos ataques mortíferos de Mumbai que, em 2008, fizeram 166 mortos e mais de 300 feridos). Mas a Frente negou mais tarde, em comunicado, o seu envolvimento.

Como é que a Índia reagiu ao ataque?

Um dia depois do ataque, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, deu ordens para reduzir os laços diplomáticos com o Paquistão.

Nova Deli decidiu fechar o único posto fronteiriço que ainda estava aberto e proibir a entrada dos paquistaneses, exceto com um visto especial.

Além disso, declarou os adidos militares na representação paquistanesa como "persona non grata", dando-lhes ordem para deixar o país, e reduziu o número dos seus próprios funcionários na embaixada de Islamabad.

Modi deu ordens também para suspender o tratado que regula a partilha das águas do rio Indo entre ambos os países.

No terreno, na busca pelos responsáveis, as autoridades indianas já detiveram e interrogaram mais de 1500 pessoas e demoliram as casas de pelo menos dez alegados militantes.

Como é que o Paquistão respondeu?

Islamabad diz que as acusações indianas foram feitas sem qualquer "investigação fiável" ou "evidência verificável", dizendo que são "frívolas" e "desprovidas de racionalidade". E exortou Nova Deli a assumir a responsabilidade pela sua "falha em proporcionar segurança" às pessoas.

Após as medidas decididas por Modi, o Paquistão retaliou suspendendo a entrega de vistos aos cidadãos indianos e respondendo na mesma moeda em relação aos adidos militares da Índia em Islamabad e ao pessoal da sua embaixada em Nova Deli.

Em relação ao tratado sobre o rio Indo, avisou que qualquer tentativa de travar ou desviar as suas águas será considerado um "ato de guerra".

Além disso, o Paquistão suspendeu os acordos bilaterais e as trocas comerciais com a Índia e fechou o seu espaço aéreo às companhias aéreas indianas.

Mas os dois países têm ficado só pelas palavras?

A tensão já resultou em trocas de tiros entre os dois exércitos junto à fronteira, até ao momento sem indicações de vítimas.

O exército indiano disse que respondeu a disparos "não provocados" de vários postos do exército paquistanês por volta da meia-noite de terça-feira, a sexta violação consecutiva do acordo de cessar-fogo, mas não deu mais detalhes.

Os responsáveis ​​pelas operações militares dos dois países mantiveram também uma conversa telefónica semanal na terça-feira, disseram à Reuters duas fontes militares indianas e uma autoridade paquistanesa com conhecimento do assunto.

"O lado indiano opôs-se veementemente aos disparos não provocados vindos do Paquistão", disse uma fonte indiana. A autoridade paquistanesa não comentou o conteúdo da conversa.

Porque é que o Paquistão alega que a Índia está a preparar um ataque?

O ministro da Informação paquistanês, Attaullah Tarar, alega que os indianos estão a preparar um ataque nas próximas horas.

Segundo este responsável, a Índia quer criar um "falso pretexto" para este ataque, avisando que "tal aventureirismo" de Nova Deli terá "certamente" uma resposta "decisiva" de Islamabad.

A Índia não comentou esta alegação.

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, já falou com responsáveis de ambos os países, enfatizando a necessidade de "evitar um confronto que poderia resultar em consequências trágicas".

Porque é que Caxemira é foco de tensão histórica entre Índia e Paquistão?

As origens do conflito entre os dois vizinhos, que já por três vezes terminou em guerra aberta, remontam a 1947, quando ambos conquistaram a independência do império britânico.

Foi então criado um país de maioria hindu, a Índia, e outro que seria a pátria dos muçulmanos na região, o Paquistão.

A Índia estabeleceu na Constituição a liberdade de religião como direito fundamental, orgulhando-se do seu pluralismo religioso. Mas isso tem sido posto em causa recentemente, com o governo nacionalista de Modi a ser acusado em outubro de 2024 de repressão sistemática de minorias, nomeadamente os muçulmanos, por uma agência governamental norte-americana, e organizações dos direitos humanos.

Voltando a 1947, alguns reinos semiautónomos, como Caxemira, tiveram a liberdade para escolher de que lado ficar após a independência. O marajá local, Hari Singh, era o único hindu à frente de uma área de maioria muçulmana e estava indeciso, mas recusou dar a escolha à população.

Quando guerrilheiros tribais invadiram desde o lado paquistanês, o marajá pediu ajuda à Índia e fez a sua escolha. Este foi o início da primeira guerra entre os dois países.

Caxemira é então indiana?

Em 1948, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou uma resolução que pedia a realização de um referendo em Caxemira, para determinar a que país queria pertencer ou se queria até ser independente. Mas o referendo nunca se realizou.

Após o cessar-fogo de 1949, Caxemira acabaria dividida entre Índia e Paquistão, mas ambos os países continuam a reclamar o território nos Himalaias na sua totalidade.

A fronteira nesta região é uma das mais militarizadas do mundo. O atual desenho da Linha de Controlo foi feito com o apoio das Nações Unidas em 1972, já depois da segunda (1965) e da terceira guerra (1971) entre os dois países.

Esta última foi a única que não teve Caxemira como ponto de origem, tendo nascido da guerra civil no Paquistão que levou à independência do Bangladesh (antiga Paquistão Oriental), que era apoiado pela Índia.

A situação estava calma desde a década de 1970?

Não, a tensão na região é constante, nomeadamente desde que em 1989 os grupos armados lançaram a insurgência contra o governo indiano - tendo como alvo forças de segurança, mas também civis em algumas ocasiões.

Em 1999 e 2000, tropas paquistanesas entraram na Caxemira controlada pelos indianos e houve um novo acender do conflito. Os paquistaneses assumiram o controlo de postos militares indianos na região de Kargil, com as forças de Nova Deli a responder. Os combates terminaram após a intervenção norte-americana, estimando-se que tenham morrido mil combatentes dos dois lados.

Mais recentemente, em 2019, a morte de 40 militares num ataque suicida voltou a desencadear a escalada do conflito. O ataque foi reivindicado pelo grupo terroristas com raízes paquistanesas Jaish-e-Mohammad, com as autoridades indianas a prometer "vingança".

Nessa altura, os caças indianos MiG-21 Bisons - pela primeira vez desde a guerra de 1971 - cruzaram a Linha de Controlo e atacaram alegadamente um campo de terroristas a cerca de 80 quilómetros da fronteira. Os paquistaneses responderam com os seus F-16, envolvendo-se em combate e capturando um piloto indiano - mais tarde libertado.

Meses depois, Modi revogou o estatuto de região semiautónoma que Caxemira tinha, dividindo-a em dois estados - Jamu e Caxemira e também Ladakh -, começando a administrá-lo remotamente desde Nova Deli.

Uma das primeiras medidas foi o reforço da segurança e o corte das comunicações com o exterior, travando qualquer dissidência, mas também atacando as liberdades civis e a de imprensa. No ano passado, realizaram-se as primeiras eleições numa década.

Porque é que um novo reacender do conflito é preocupante?

A Índia e o Paquistão são duas potências nucleares, tendo realizado testes em 1998 e possuindo quase o mesmo número de bombas - os indianos têm 172 e os paquistaneses 170.

Segundo os especialistas, são precisos menos de quatro minutos para que um míssil disparado do Paquistão possa atingir a Índia, com consequências devastadoras.

A nível de forças, a balança está contudo menos equilibrada, pendendo para o lado indiano.

Segundo o Instituto Internacional para os Estudos Estratégicos, a Índia tem 1,4 milhões de militares no ativo (1,2 milhões deles no exército), enquanto o Paquistão tem apenas 700 mil (dos quais 540 mil no exército).

Em relação a peças de artilharia, a Índia tem 9.743, mais do dobro das 4.619 paquistanesas, enquanto em tanques são 3.740 contra 2.537.

A Índia tem também a supremacia nos ares, com 730 aviões de combate contra 452 do lado paquistanês, e dos mares. Os indianos têm 16 submarinos e 29 navios de guerra, contra oito submarinos paquistaneses e só dez fragatas.

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