Catalunha troca procés por um destino incerto
"Ontem [domingo], a Catalunha terminou de enterrar o procés”, escrevia esta segunda-feira no El Pais o politólogo Oriol Bartomeus, referindo-se à tentativa de autodeterminação que culminou com uma declaração unilateral de independência em 2017. “A Catalunha enviou outra mensagem que devemos saber ler. A rigidez dos resultados indica que não existe um projeto claro para o futuro”, acrescentava a politóloga Cristina Monge numa análise no infoLibre.
Antes de se pegar na máquina calculadora e fazer contas para perceber quem ou se alguém conseguirá formar governo na Catalunha, há duas conclusões principais a reter dos resultados das eleições de domingo: os independentistas deixaram de ter maioria no Parlament e a vitória do Partido dos Socialistas da Catalunha (PSC), liderado por Salvador Illa, é a prova de que os catalães aprovam a chamada “política de reencontro” levada a cabo em Madrid pelo primeiro-ministro Pedro Sánchez e que inclui indultos aos independentistas condenados e a polémica Lei da Amnistia. E isso mesmo foi reconhecido pelo também líder do PSOE. “Tínhamos razão. O perdão tem um efeito curativo”, disse ontem Sánchez numa reunião da Executiva Federal dos socialistas.
Após este encontro, os socialistas deixaram claro que “o Governo da Catalunha será decidido na Catalunha”, com a porta-voz do PSOE, Esther Peña, a garantir que “Salvador Illa é quem tem a responsabilidade de abrir esse diálogo”.
Quanto à continuidade do Governo de Pedro Sánchez, que precisou do apoio dos independentistas no Congresso dos Deputados para ser primeiro-ministro, Esther Peña garantiu que os resultados das eleições catalãs “não terão quaisquer repercussões na governabilidade”. “O PSOE faz acordos de governação com muitos partidos, também com Junts e ERC, e o PSOE cumpre os seus acordos. Além disso, não há outra alternativa ao presidente Sánchez, que viu o seu roteiro validado nas eleições realizadas ontem [domingo] com magníficos resultados para o PSC”, prosseguiu a porta-voz do PSOE, dizendo ainda que “não há dúvidas sobre a continuidade de um Governo”.
Carles Puigdemont, do Junts per Catalunya, disse ontem ser ainda prematuro falar sobre o impacto na estabilidade do Governo de Espanha das eventuais alianças e vetos na Catalunha, mas reiterou a possibilidade de retirar o apoio a Sánchez em Madrid em alguns cenários, como já tinha afirmado na campanha eleitoral.
O PSC de Salvador Illa venceu as eleições, conquistando 42 deputados, mas ficou longe dos 68 necessários para a maioria absoluta. Já os três partidos independentistas - Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), Junts per Catalunya e Candidatura de Unidade Popular (CUP) - que há 14 anos se aliavam para viabilizar apenas governos separatistas perderam a maioria absoluta que tinham no Parlament.
O segundo partido mais votado foi o Junts de Carles Puigdemont (35 deputados), seguido pela ERC (20) do ainda presidente da Generalitat, Pere Aragonès. A CUP não foi além dos cinco eleitos. No total, conseguiram 59 lugares, menos 15 do que nas eleições de 2021, o pior resultado de sempre da “frente independentista” catalã - a maior quota das perdas foi da ERC, que perdeu 13 eleitos, enquanto que o Junts recuperou três.
Salvador Illa anunciou no domingo à noite que se vai apresentar como candidato a presidente da Generalitat, mas não revelou se e com quem pretende negociar a viabilização da investidura como chefe do governo. Na campanha havia admitido a repetição de um “tripartido”: um govern liderado pelo PSC com o apoio da ERC e do Comuns-Sumar, formação de esquerda não independentista que faz parte da plataforma Sumar, que está na coligação do Governo de Sánchez. Estes três partidos elegeram os 68 deputados necessários para a maioria absoluta.
Para o PSC o que está completamente descartado é apoiar ou se abster de uma possível investidura de Puigdemont, embora o Junts tenha assinado alguns acordos com Pedro Sánchez em troca do apoio no Parlamento espanhol.
Ontem, Puigdemont anunciou que vai tentar ser eleito presidente da Generalitat e desafiou a ERC a negociar um novo governo independentista e a bloquear um executivo do PSC. O candidato do Junts considerou que um acordo do PSC com a ERC seria uma “aliança contranatura”, embora sejam os dois de esquerda.
A ERC acaba por ter nas mãos o futuro político imediato da Catalunha, já que os seus 20 deputados poderão determinar se o próximo govern será liderado por Illa ou Puigdemont. Ou então que não haverá executivo, num bloqueio que levaria à repetição das eleições, previsivelmente, em outubro.
Certo é que o ainda presidente da Generalitat, Pere Aragonès, depois de ter dito no domingo que a ERC iria passar à oposição e não integraria um novo governo, ontem anunciou que vai abandonar os cargos políticos e no partido, onde era coordenador geral, pelo que serão outros os dirigentes a decidir como se vai posicionar a ERC.
Da parte do Sumar, o seu porta-voz, Ernest Urtasun, insistiu que “é essencial” que as formações de esquerda cheguem a um acordo. “Não há maioria pró-independência no Parlamento da Catalunha. A maioria possível e a que saiu das urnas é a maioria de esquerda. Desta vez o mandato é claro”.
O Parlament será constituído a 10 de junho, sendo 25 de junho a data máxima para a primeira sessão de investidura do presidente da Generalitat. Este tem que ser eleito até 25 de agosto, caso contrário dissolve-se o Parlamento catalão e terá que haver novas eleições.
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