O almirante Anderson  (à direita) com o almirante De Carolis e a comandante De Cesare.
O almirante Anderson (à direita) com o almirante De Carolis e a comandante De Cesare. Foto: REINALDO RODRIGUES

“Capacidade integrada de defesa aérea e antimíssil é essencial na postura de dissuasão da NATO"

Almirante Jeffrey Anderson, comandante tanto da STRIKFORNATO como da 6.ª Frota dos Estados Unidos, falou com o DN sobre os objetivos do exercício “Escudo Formidável”, realizado em maio.
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"O Formidable Shield 2025 é um exercício planeado e liderado pelos Estados Unidos. Que a NATO apoiou, possibilitou e no qual, obviamente, participou. Fundamentalmente, este exercício visa ajudar a que as nações participantes melhorem a sua prontidão para o combate, especialmente na defesa aérea e antimíssil integrada e na defesa antimíssil balística. Ora, quando reunimos todas estas nações da NATO, e desta vez foram 11, num exercício a intenção é também ajudar a aumentar e a construir a interoperabilidade. E a combinação da prontidão de combate das nações individuais e da construção coletiva da interoperabilidade levar-nos-ão a melhorar e a aumentar a nossa capacidade de combate credível para que possamos ajudar a travar os nossos adversários”, explica o almirante Jeffrey Anderson, comandante tanto do STRIKFORNATO, baseado em Oeiras, como da 6.ª Frota dos Estados Unidos, cujo quartel-general é em Nápoles.

Ora, se o militar americano reparte as responsabilidades entre Portugal e Itália, até faz todo o sentido que esteja a falar a bordo do ITS Giovanni Delle Bande Nere, um navio italiano ultramoderno que participou no “Escudo Formidável”, e que vai buscar o nome a um célebre chefe militar do século XVI, da família dos Médicis, que por ter substituído por negro a sua insígnia branca e púrpura em sinal de luto por Leão X, o papa de quem era sobrinho, ganhou o cognome “das faixas negras”. Em português, Giovanni de’ Medici é mais conhecido como João de Médicis.

Sobre o que distingue este “Escudo Formidável”, que decorreu no início de maio nos mares do Norte e da Noruega, e também em espaço aberto do Atlântico Norte (com 16 navios envolvidos de 11 dos 32 países da NATO, e 6900 militares), do “Neptuno”, que se realizou em abril no Mediterrâneo com 13 países da Aliança e 20 mil militares, o almirante americano sublinha que “o Strike Neptune visa demonstrar o que chamamos de capacidade de ataque marítimo de ponta. Portanto, é mais sobre usar capacidades ofensivas, enquanto o Formidable Shield se trata de defesa, defesa aérea e antimíssil integrada e defesa antimíssil balística. Portanto, essa é a diferença fundamental. A capacidade integrada de defesa aérea e antimíssil da NATO é uma componente essencial da postura de dissuasão e defesa da NATO. Esta postura contribui para aumentar a segurança e a estabilidade regionais. E, em última análise, trata-se de proteger as populações da NATO, proteger o território da NATO e também proteger as nossas forças no mar.”

Portugal, um dos 12 fundadores da NATO, em 1949, participou no mais recente “Neptuno”, uma atividade de vigilância, mas não neste exercício “Escudo Formidável”. O comandante da STRIKFORNATO considera fundamental o máximo de envolvimento dos países membros e por isso, sublinha: “Procuramos sempre aumentar o número de participantes, bem como o âmbito, a escala e a complexidade deste exercício. E cada interação - esta é já a sexta interação do Formidable Shield - tornou-se maior e mais complexa em termos de capacidade de incorporar tanto tecnologias existentes, como tecnologias avançadas. Assim, daremos as boas-vindas a Portugal e a qualquer outro país para poderem participar neste exercício muito importante para a nossa defesa coletiva.”

A conversa decorre no deck do ITS Giovanni Delle Bande Nere, que está ancorado em Lisboa, no Cais da Rocha do Conde Óbidos. Como pano de fundo, surge Almada, o Cristo Rei e a Ponte 25 de Abril. É a primeira vez que o navio-patrulha está no Tejo, mas não surpreende, pois é o mais recente reforço da Marinha Italiana, ao serviço apenas desde outubro, informa o capitão Francesco D’Uva, que é quem acompanha a equipa de reportagem do DN e foi igualmente quem explicou a história do bravo João de Médicis, que morreu de um ferimento em combate.

Capitão Francesco D’Uva  acompanhou equipa de reportagem do DN e explicou nome do ITS Giovanni  Delle Bande Nere.
Capitão Francesco D’Uva acompanhou equipa de reportagem do DN e explicou nome do ITS Giovanni Delle Bande Nere.Foto: REINALDO RODRIGUES

Depois de uma visita ao ITS Giovanni Delle Bande Nere - com oportunidade de conhecer a sala de controlo, onde o tenente Luca Garuffi explicou a rede de energia que faz deslocar o navio e funcionar o armamento; também o centro de informação de combate, com o capitão Gabriele Tieghi a destacar as novidades tecnológicas do equipamento; e ainda a ponte de comando, com Stefano Gabriele, outro oficial italiano, como guia -, surge a oportunidade de falar com a comandante Claudia De Cesare, que comenta o que cada Marinha Nacional pode aprender com o “Escudo Formidável”.

“Um exercício destes melhora a credibilidade de combate da Marinha Italiana junto dos Aliados. Portanto, é um momento crucial. Quem participa, exercita-se com todos os Aliados neste cenário complexo, unindo forças, todos juntos, contra a ameaça comum. Portanto, é realmente crucial participar para dar credibilidade de combate à Marinha Italiana, e o mesmo acontece com as outras marinhas nacionais.”

Sobre comandar um navio que é muito mais do que um normal navio-patrulha, dado os seus equipamentos ultrassofisticados, a comandante De Cesare, que tem 25 anos de experiência militar, explica que “o comando de um navio na Marinha Italiana dura um ano. Portanto, tem de se aprender muito rapidamente a estar pronto para a tarefa, a fim de reagir e conhecer todos os equipamentos que se tem para utilizar, todos os recursos a bordo. Mas tive sorte, em comparação com outros comandantes de navios, pois acompanhei a construção do navio durante um ano, em que conheci toda a tripulação, e conheci todos os novos equipamentos de bordo. Portanto, quando me entregaram o navio, foi a 2 de outubro de 2024, eu estava pronta”.

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A bordo do ITS Giovanni Delle Bande Nere, nesta paragem em Lisboa, realiza-se uma pequena cerimónia oficial com convidados, com o principal discurso a ser o do almirante Anderson. As palavras são ponderadas, relativas apenas ao “Escudo Formidável”, mas o atual contexto geopolítico, nascido da invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, dá-lhes especial relevância. A ouvir estão vários diplomatas colocados em Portugal, como o encarregado de Negócios americano, o embaixador italiano, neste caso de certo modo o anfitrião, e a embaixadora do Reino Unido.

Antes da cerimónia, também os diplomatas puderam fazer uma visita ao ITS Giovanni Delle Bande Nere, com acesso às tais sala de controlo, ao centro de informação de combate e à ponte de comando, tudo espaços dominados por ecrãs enormes, que comprovam quão tecnológicas vão ser as guerras do futuro, bem diferentes das do século XVI, travadas pelo homem que dá nome a este navio, ou mesmo as do século XX, travadas por um anterior Giovanni Delle Bande Nere, um cruzador que foi torpedeado por um submarino durante a Segunda Guerra Mundial.

Foto: REINALDO RODRIGUES

“Bem, a característica mais importante deste navio é a flexibilidade. A flexibilidade é um conceito tático. Assim, basicamente, o navio pode cumprir um número bastante grande de tarefas, dentro da mesma missão”, destaca o almirante Aurelio De Carolis, comandante-em-chefe da frota italiana. Que acrescenta: “E é também dotado de versatilidade. Isto significa diferentes tipos de missões. Pode ser de assistência humanitária e de socorro em catástrofes, graças ao espaço logístico que temos, até o facto de estar equipado com mísseis, mísseis terra-ar, mísseis superfície-superfície, um equipamento de guerra antissubmarino, um ótimo equipamento de radar muito avançado e um sistema de gestão de combate muito eficiente e eficaz. E tudo é de última geração. Todos os produtos são os mais recentes e tudo é feito por empresas italianas, exceto o sistema de mísseis, que se baseia na cooperação europeia, basicamente entre Itália e França. Para o ITS Giovanni Delle Bande Nere participar no “Escudo Formidável” foi muito importante, porque seria muito caro, para um só país, fazer algo deste género sozinho. Esta tripulação, este navio, estão mais preparados, agora, para qualquer desafio do que antes. Pudemos testar os nossos sistemas de radar de uma forma que não poderíamos ter feito sem este tipo de alvo. Mísseis, simulando mísseis a voar a alta velocidade. Quando digo muito alto, quero dizer algo em torno de 4,5 mach, no máximo, o que significa mais de 5000 quilómetros por hora. E podemos rastrear esses mísseis. Claro que não posso entrar em mais pormenores, dada a relevância do que estou a dizer. Depois, pudemos testar a capacidade de realizar vigilância aérea, localizar alvos, atacar alvos, lançar mísseis, atacar artilharia e muitas outras atividades. Claro que também na área da defesa contra sistemas aéreos não-tripulados, UAV, USV, que é algo que enfrentamos hoje em dia quando enviamos navios para o Mar Vermelho”.

Dos 20 países com maior investimento militar, metade são países da NATO, destacando-se, claro, os Estados Unidos, e daí a pressão da Administração Trump (e, antes, de Biden) para que os outros Estados-membros gastem mais em Defesa. Itália surge em 14.º lugar no mundo em termos de gastos militares, 6.º entre os países da NATO, e este ano vai ultrapassar a famosa fasquia dos 2% do PIB que deverá, aliás, ser revista em alta na Cimeira da Aliança Atlântica marcada para 24 e 25 de junho nos Países Baixos.

Interessante é que quem olhar para as bandeiras que rodeiam uma imagem do deus romano Neptuno a assinalar os países participantes no exercício, além de 11 membros da NATO, surge a Austrália. “Penso que foi a primeira vez. Estavam aqui como observadores, a observar o exercício. E acredito que, a partir destas observações, podem aprender algumas lições e, depois, procurar formas de melhorar a sua própria capacidade integrada de defesa aérea, antimíssil e antimíssil balístico”, declara o almirante americano.

Os australianos formam, com os americanos e os britânicos, o AUKUS, uma aliança militar mais centrada na contenção do expansionismo chinês no Indo-Pacífico. Por seu lado, a NATO, nascida no contexto da Guerra Fria, continua a identificar a Rússia como principal ameaça, ainda que, numa recente visita ao Japão, outro aliado dos Estados Unidos, o secretário-geral Mark Rutte tenha alertado que “a China está a apoiar os esforços da Rússia. A China está a reforçar as suas Forças Armadas, incluindo a sua Marinha, a um ritmo acelerado” e que, portanto, “não podemos ser ingénuos e precisamos mesmo de trabalhar em conjunto para avaliar o que está a acontecer”.

No ITS Giovanni Delle Bande Nere, nem toda a ação se passa na água, pois também tem meios aéreos, como o helicóptero pilotado pelo capitão Andrea Falcone.
No ITS Giovanni Delle Bande Nere, nem toda a ação se passa na água, pois também tem meios aéreos, como o helicóptero pilotado pelo capitão Andrea Falcone.Foto: REINALDO RODRIGUES

Os almirantes Anderson e De Carolis e a comandante De Cesare juntam-se para uma fotografia, mesmo junto ao helicóptero que está no deck da popa do navio. É outro produto da tecnologia italiana e também mais um exemplo da evolução do armamento dos países da NATO nos anos mais recentes, em busca da polivalência: “Este helicóptero é um SH-101, é um helicóptero Leonardo. Tem três motores em funcionamento e é designado como um helicóptero multiúsos. É capaz de realizar diferentes tipos de missões, desde busca e salvamento até guerra antissubmarina e guerra antissuperfície. Pode transportar mísseis ou torpedos e tem um longo alcance de implantação, pois tem até 4 horas e 30 minutos de autonomia e voa a uma velocidade de 150 nós, ou seja, aproximadamente 280km por hora. Costuma ter dois pilotos, dois operadores de sensores e um nadador de resgate. É equipado com um radar de longo alcance, de superfície. E este, precisamente por ser de guerra antissubmarino, tem também um sonar de mergulho. Usamos o que está sobre o mar e depois usamos o sonar de mergulho para descobrir o que está no mar. Podemos atacar um submarino. Podemos montar até quatro torpedos neste helicóptero”, afirma o capitão Andrea Falcone, piloto do helicóptero. Bem mais protegido está este ITS Giovanni Delle Bande Nere do que o cruzador com o mesmo nome, seu antecessor da Segunda Guerra Mundial.

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