Britânicos festejam o Jubileu de Isabel II, rainha já quase só no papel
Em 1947, no dia em que fez 21 anos, Isabel II prometeu servir até morrer: "Declaro diante de todos vós que toda a minha vida, seja longa ou curta, será dedicada ao vosso serviço." Mas aos 96 anos, a monarca com o reinado mais longo da história do Reino Unido (70 anos) parece só não ter passado o trono ao filho no papel. A sua saúde frágil, com problemas de mobilidade, já obriga a família a tomar o seu lugar em vários eventos oficiais públicos e especula-se que poderá dar um passo ao lado depois de festejar o Jubileu de Platina. E isso não significa necessariamente abdicar e quebrar a sua promessa.
"Na nossa história, nenhum monarca serviu este país por tanto tempo quanto a atual. Mas muito mais importante, nenhum monarca o serviu tão bem", disse o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, numa sessão especial no Parlamento na semana passada. "Nenhum monarca, pelos seus esforços e dedicação e conquistas, merece melhor o atributo de grandeza. E para mim, ela já é Isabel, a Grande", acrescentou. Já o líder da oposição, o trabalhista Keir Starmer, disse que era impossível imaginar o Reino Unido sem a rainha e defendeu que Isabel II foi "a monarca perfeita para as pessoas e os tempos que liderou". Elogios que parecem já antecipar uma eventual mudança.
Com a pandemia de covid-19 (ela própria já passou pela doença) a obrigar a um isolamento em Windsor (para onde se mudou em março de 2020 e onde continua a viver) e os problemas de mobilidade a afastarem-na dos olhares públicos, especula-se que tenha chegado a hora de abdicar, como Beatriz dos Países Baixos e Alberto II da Bélgica em 2013, Juan Carlos de Espanha em 2014 ou o imperador Akihito do Japão em 2019. O problema é que a palavra "abdicação" é uma espécie de tabu na família real britânica, depois de Eduardo VIII ter desistido de ser rei em 1936 para casar com a já divorciada Wallis Simpson.
Daí que a alternativa possa ser outra: o príncipe Carlos, que é o herdeiro da coroa, pode assumir o cargo de "príncipe regente" - que os especialistas consideram que já é, exceto no papel. Desta forma, Isabel II continuaria com o seu título e posição, passando ao filho mais velho os aspetos constitucionais da sua função. Um deles, por exemplo, a abertura do Parlamento e o Discurso da Rainha, que este ano foi proferido, pela primeira vez, pelo príncipe de Gales, em substituição da mãe (a monarca só tinha faltado duas vezes, em 1959 e 1963, quando estava grávida dos príncipes André e Eduardo).
Uma vez que Isabel II não está incapacitada como o "louco" Jorge III - cujo filho se tornou regente em 1811, na última vez que isso aconteceu no Reino Unido - a decisão formal requeria a aprovação de pelo menos três dos quatro oficiais nomeados nos termos do Ato de Regência de 1937 e 1953. Estes são o ministro Dominic Raab (oficialmente Lord Chancellor), o líder da Câmara dos Comuns, Lindsay Hoyle, o mais alto responsável judicial de Inglaterra e Gales, o juiz Ian Burnett, e o responsável dos Tribunais Civis, o juiz Geoffrey Vos (que tem o cargo de Master of the Rolls).
Segundo um estudo do grupo de reflexão British Future, 58% dos britânicos querem conservar a monarquia, enquanto 25% acreditam que o final do reinado de Isabel II será uma boa ocasião para o Reino Unido tornar-se numa República. "Façam de Isabel a última", é a campanha lançada pelos republicanos, que percebem perfeitamente o papel da monarca e não estão à espera que a monarquia seja abolida enquanto ela estiver no trono. Mas Graham Smith, responsável pelo movimento República, acredita que "esta é a última monarca que vai ter o tipo de apoio popular que a rainha teve". E quando Carlos for rei, a conversa será diferente.
A ideia de Carlos, que já tem 73 anos, como rei não agrada a todos - de lembrar que Isabel II tinha 25 anos quando subiu ao trono. Há quem defenda que, para modernizar a instituição (e os números de aprovação da monarquia são menores entre os jovens e as minorias étnicas), o trono deveria passar para o seu filho mais velho, o príncipe William, de 39 anos. Contudo, em fevereiro, a rainha mostrou o seu apoio a Carlos, anunciando que era o seu desejo que Camilla, a duquesa da Cornualha, receba o título de "rainha consorte" quando ele for rei - um tema espinhoso dado o carinho dos britânicos pela falecida princesa Diana.
Certo é que Carlos já deu indicações de qual deverá ser o futuro da monarquia, com um emagrecer da família real que coloque em destaque apenas os herdeiros - à semelhança do que fez, por exemplo, Felipe VI em Espanha, depois de subir ao trono. O príncipe de Gales tem também ganho alguns pontos pela sua defesa do meio-ambiente - fez o seu primeiro discurso sobre a emergência climática em 1970, com as alterações climáticas a tornarem-se centrais ao discurso político só nos últimos anos. Espera-se que se torne num rei ambientalista, o que poderá ser bem visto entre os mais jovens.
Independentemente do que desejam para o futuro, dois terços dos britânicos ouvidos no estudo da British Future estão interessados na celebração do Jubileu. Para marcar a data história, foram decretados dois dias de feriado, quinta e sexta-feira, com mais de metade dos inquiridos a ver neste evento uma oportunidade para estar com a família e os amigos. Estima-se que vão ser consumidos 90 milhões de pints de cerveja (cada pint equivale a 568 mil), com o setor dos pubs a lucrar cerca de 124 milhões de euros.
Depois de várias ausências em eventos públicos, apesar de continuar a receber embaixadores e dirigentes políticos em Windsor, a monarca surpreendeu nos dias prévios ao Jubileu, visitando a nova linha do metro de Londres que leva o seu nome, indo a uma corrida de cavalos e passeando num carrinho de golfe na festa das flores de Chelsea. Um porta-voz disse que a rainha pretendia participar nas celebrações, "mas a presença só será confirmada mais perto da data ou mesmo no próprio dia" devido aos problemas de mobilidade que tem enfrentado.
Espera-se que, pelo menos, marque presença esta quinta-feira na varanda do Palácio de Buckingham junto com o resto da família mais próxima - à exceção do príncipe Harry, que se afastou dos deveres oficiais e se mudou para a Califórnia com a mulher, Meghan Markle, e do príncipe André, que chegou a acordo com uma mulher que o acusava na justiça de abusos sexuais. Os três deverão contudo marcar presença na cerimónia religiosa, na sexta-feira, na Catedral de São Paulo. Esta não será liderada pelo arcebispo da Cantuária, Justin Welby, que testou positivo à covid-19, mas pelo número dois da igreja anglicana, o arcebispo de York, Stephen Cottrell.
No sábado haverá corridas de cavalos e um grande evento no palácio, com o domingo a estar reservado para os piqueniques do Jubileu (que devem reunir dez milhões de pessoas) e um grande desfile que homenageia a monarquia e a diversidade do povo britânico, com a presença de dez mil participantes. O Jubileu também é assinalado nos outros 15 países em que Isabel II é a chefe de Estado, da Austrália ao Canadá, passando pela Nova Zelândia, a Jamaica ou a Papua Nova Guiné, assim como nos 54 países da Commonwealth.