"Falhas de liderança". Boris volta a pedir desculpa pelo "partygate"
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, voltou a pedir desculpas no Parlamento, depois de ser divulgada uma versão reduzida do relatório sobre as festas que decorreram em Downing Street apesar das restrições que existiam durante a pandemia de covid-19. Segundo o texto houve "falta de liderança e de julgamento" da parte dos responsáveis.
"Peço desculpa pelas coisas que não acertámos e pela forma como lidámos com isto", disse o primeiro-ministro diante dos deputados, prometendo já algumas mudanças a nível do funcionamento de Downing Street, admitindo que não é suficiente pedir desculpas mas não se demitindo.
Entre as medidas apresentadas está lidar com a natureza "fragmentada" das estruturas de liderança, com a criação do gabinete do primeiro-ministro. Depois, Johnson quer rever os códigos de conduta dos funcionários e finalmente promete mais anúncios para breve para melhorar o funcionamento do governo e as ligações entre o número 10 e o Parlamento. "Entendi e vou consertar", afirmou.
O líder da oposição, Keir Starmer, acusa Boris Johnson de se esconder atrás dos outros - incluindo das investigações policiais que obrigaram a reduzir o impacto do relatório - dizendo que o texto de Sue Gray é "condenatório". O líder do Labour considera que o primeiro-ministro pensa que todos os britânicos são "loucos" e pede aos conservadores que tomem a decisão de pedir uma moção de censura a Johnson.
A ex-primeira-ministra Theresa May, deputada conservadora, diz que o relatório mostra que houve violação das restrições durante a pandemia e questiona: "Ou ele não leu as regras, ou não as percebeu ou pensava que não se aplicavam ao número 10. O que foi?" Johnson responde ao ataque direto da sua antecessora dizendo que não é isso que diz no relatório e pedindo que se aguarde o texto final e a investigação da polícia.
Não é a única deputada conservadora que parece já ter enviado uma carta a pedir a moção de censura. O deputado Andrew Mitchell disse diretamente que o primeiro-ministro "já não tem o meu apoio".
O líder do Partido Nacionalistas Escocês no Parlamento, Ian Blackford, acusou Johnson de "enganar intencionalmente" os deputados, mas depois de ser chamado a atenção pelo presidente do Parlamento, Lindsay Hoyle, sugeriou que podia substituir a palavra "intencionalmente" por "inadvertidamente". Mas acabou por manter o que disse e ser convidado a sair por ter chamado "mentiroso" a Johnson.
Vários deputados da oposição pedem a demissão do primeiro-ministro, questionando Johnson se ele vai ou não publicar o relatório completo quando este puder ser divulgado. Johnson não se compromete.
"Houve falhas de liderança e julgamento por diferentes partes do número 10 e do Gabinete em momentos diferentes. Alguns dos eventos não deveriam ter sido permitidos. Outros eventos não deveriam ter sido autorizados a se desenvolver como se desenvolveram", escreveu a funcionária de carreira Sue Gray, a quem foi confiada a realização do inquérito interno.
O relatório era esperado na semana passada, mas a abertura de uma investigação criminal implicou que a informação sobre alguns eventos tenha sido reduzida a "referências mínimas" para não prejudicar o trabalho da polícia. A versão que agora foi publicada, de nove páginas, é "uma atualização" sobre as investigações "ao primeiro-ministro".
Diante dos constrangimentos, Sue Gray diz que "infelizmente isto significa que estou extremamente limitada no que posso dizer sobre estes eventos e não é possível no momento fornecer um relatório significativo que exponha e analise as extensas informações factuais que pude reunir".
Boris Johnson reúne com todos os deputados conservadores depois do debate no Parlamento.
"Há uma aprendizagem significativa a ser tirada desses eventos que deve ser abordada imediatamente em todo o governo. Isso não precisa esperar que as investigações policiais sejam concluídas", segundo o relatório.
Sue Gray terá analisado 16 reuniões ou festas (algumas ocorreram no mesmo dia), sendo que a polícia está a investigar 12 delas. Nas conclusões, a funcionária diz que "algum do comportamento que rodeia estas reuniões é difícil de justificar", escrevendo, por exemplo, que "o consumo excessivo de álcool não é apropriado num local de trabalho profissional em nenhuma altura" e que o acesso oficial aos jardins de Downing Street, incluindo para reuniões, deve ser "por convite apenas e num ambiente controlado".
Mesmo que Sue Gray não possa entrar em detalhes sobre os eventos potencialmente violadores da lei que decorreram em Downing Street, onde estão a residência oficial e gabinete do primeiro-ministro, o conteúdo pode ser mesmo assim danoso e crítico de Johnson.
Boris Johnson tinha pedido aos seus colegas do Partido Conservador e à oposição para esperar pelo resultado do inquérito antes de responder aos pedidos de demissão.
Depois de inicialmente negar a realização de qualquer festa, argumentando que se tratou de "eventos de trabalho", e de insistir que "todas as regras foram cumpridas", Boris Johnson acabou por admitir irregularidades e pediu desculpas aos deputados e à Rainha Isabel II.
Ainda que "tecnicamente se pudesse dizer que se enquadrava nas regras, existem milhões e milhões de pessoas que simplesmente não pensam desta forma", declarou, pedindo "desculpas sinceras".
Vários parlamentares conservadores pediram publicamente a demissão de Johnson, mas outros decidiram esperar.
É necessário que 54 entreguem "cartas de desconfiança" para desencadear uma moção de censura interna, a qual poderá ser convocada num espaço de horas após ser atingido o número necessário.
O jornal The Times contabilizou 18 alegadas "festas" que ocorreram em edifícios do Governo ou do Partido Conservador com a presença de ministros, assessores do primeiro-ministro, funcionários públicos, funcionários do Partido e o próprio Boris Johnson.
O chamado "partygate" causou uma onda de indignação entre os britânicos, impedidos de se encontrar com amigos e familiares durante meses em 2020 e 2021 para conter a propagação da covid-19.
Dezenas de milhares de pessoas foram multadas pela polícia por desrespeitarem as regras.
Johnson e aliados têm tentado desvalorizar o escândalo, que tem ocupado tempo e energia de um Governo com crises em várias frentes, nomeadamente na Ucrânia, a pandemia e o aumento do custo de vida.
Porém, sondagens mostram uma queda na popularidade de Boris Johnson, de 57 anos, eleito em 2019 com uma maioria absoluta histórica graças à promessa de concretizar o 'Brexit'.
(Atualizada com declarações de Boris Johnson no Parlamento)