Boric. De líder estudantil a presidente do Chile em dez anos

"A esperança ganhou ao medo", disse o candidato da esquerda após vencer o da extrema-direita numa eleição de recordes.
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Em 2011, Gabriel Boric estudava na Faculdade de Direito da Universidade do Chile quando saltou para a ribalta como um dos rostos dos protestos estudantis por uma educação gratuita no país. A "primavera chilena" não deu frutos, mas foi o berço de uma nova geração de políticos - Boric foi eleito deputado em 2013 - e a semente da revolta social de 2019, que abriu a porta a reescrever a Constituição herdada da ditadura de Augusto Pinochet. Este domingo, o político de esquerda, de apenas 35 anos, que nunca chegou a acabar o curso de Direito, foi eleito presidente.

"A esperança ganhou ao medo", disse Boric diante da multidão no discurso de vitória em Santiago, lembrando que será o chefe de Estado de todas as chilenas e de todos os chilenos. Quando tomar posse a 11 de março, um mês após fazer 36 anos, este solteiro natural de Punta Arenas (três mil quilómetros ao sul da capital), descendente de croatas e catalães, irá tornar-se no mais jovem presidente do país.

O candidato da coligação Aprovo Dignidade, que inclui o Partido Comunista, venceu a segunda volta das presidenciais com 55,8% dos votos. Derrotou o candidato do Partido Republicano, José Antonio Kast, que sempre rejeitou a etiqueta de extrema-direita e era comparado ao brasileiro Jair Bolsonaro. Kast tinha vencido na primeira volta com 27,9%, frente aos 25,8% de Boric. O escrutínio deste domingo era considerado o mais polarizado e renhido de sempre, mas a vitória acabou por ser contundente.

O futuro presidente conquistou um recorde de 4,6 milhões de votos (um milhão a mais do que o adversário), sendo o mais votado de sempre nas eleições mais participadas (a abstenção ficou nos 45%). Mais 1,2 milhões de eleitores foram às urnas do que na primeira volta.

Kast, que ameaçava recorrer à justiça caso o resultado fosse apertado, foi rápido a aceitar a sua derrota. "Boric merece todo o nosso respeito. Ganhou muito bem. Muitos chilenos confiaram nele. E esperemos que tenha um governo muito bom. No que possamos, com as nossas legítimas diferenças, queremos dar a contribuição à pátria. Temos que entre todos voltar a unir os chilenos, temos que voltar a crescer, recuperar a fé no nosso extraordinário país", disse no discurso de derrota.

Para a vitória de Boric contribuiu a moderação do seu discurso na segunda volta, na procura de conquistar votos no centro-esquerda, tendo contado com o apoio dos ex-presidentes Ricardo Lagos e Michelle Bachelet (que criticou quando era líder estudantil e deputado). Ambos pertenceram à Concertação, a coligação de democratas-cristãos e socialistas que governou a maior parte do tempo nestas três décadas desde a queda de Pinochet mas que já está fragmentada.

Boric fez campanha com a promessa de enterrar o modelo neoliberal, reformar o sistema de pensões, aumentar impostos aos mais ricos e criar um estado social onde todos tenham os mesmos direitos, independentemente dos rendimentos. Mas terá que lidar com um Congresso onde a coligação Aprovo Dignidade, que inclui o seu Convergência Social (criado há apenas três anos), está em minoria. Tem só 37 dos 155 deputados e cinco dos 50 senadores. Para fazer a revolução que quer, o futuro presidente, cujo primeiro grande desafio será o referendo à nova Constituição em setembro de 2022, terá que chegar a acordo com o centro-esquerda e talvez até com a direita, não sendo ainda claro que papel terá o Partido Comunista no governo.

"Os avanços substantivos para serem sólidos vão exigir um amplo consenso e para durar terão que ser dados passo a passo", disse no discurso da vitória, mostrando-se disposto a dialogar "com quem pensa diferente". E reiterou: "Os desafios são demasiado relevantes para ficarmos presos às trincheiras." Prometeu avançar com calma. "Vamos expandir os direitos sociais. Com responsabilidade fiscal e cuidando da nossa macroeconomia." A bolsa chilena abriu em queda e o dólar bateu recordes face ao peso.

susana.f.salvador@dn.pt

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