Operação Tempus Veritatis realizou buscas a 33 políticos e militares próximos de Bolsonaro.
Operação Tempus Veritatis realizou buscas a 33 políticos e militares próximos de Bolsonaro.EPA/Andrá Borges

Bolsonaro e aliados acusados de tramarem golpe de Estado

Operação da polícia do Brasil apreende passaporte do ex-presidente, prende o líder do partido e faz buscas ao núcleo duro do governo anterior por tentativa de impedir Lula de chegar ao Planalto.
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Jair Bolsonaro recebeu “uma minuta” com os termos de “um golpe de Estado” que visava mantê-lo no poder, apesar da eleição de Lula da Silva, em 2022, “modificou-a” e “aprovou-a”, diz a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que autorizou a operação Tempus Veritatis, da Polícia federal. Na operação, realizada ontem, além de ter sido apreendido o passaporte do ex-presidente, foram presas quatro pessoas, entre as quais o líder do partido dele, e feitas buscas a 33 políticos e militares do seu núcleo duro.

Segundo a decisão, aquela “minuta do golpe”, como é chamada, previa a prisão de dois juízes do STF, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e a realização de novas eleições. E Filipe Martins, então assessor de Bolsonaro para Assuntos Institucionais da Presidência, famoso por ter feito gesto supremacista branco numa audiência no Senado, e o advogado Amauri Saad foram os autores do texto inicial. O primeiro foi preso e o segundo alvo de busca e apreensão, ao longo desta quinta-feira.

Mensagens na posse da polícia sinalizam, segundo a operação, “que o então presidente Bolsonaro estava redigindo e ajustando o decreto e já buscando o respaldo do general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira (...), demonstrando que atos executórios para um golpe de Estado estavam em andamento”.

As mensagens mostram que houve acordos para a realização de reuniões com integrantes civis do governo e das Forças Armadas “para a finalidade”, segundo a decisão do STF, “de planear e executar ações voltadas a direcionar e financiar as manifestações que pregavam um golpe militar, com a finalidade de manter o então presidente da República no poder”. No dia 8 de janeiro de 2023, uma semana após a posse de Lula, apoiantes de Bolsonaro invadiram e depredaram a Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Os outros três presos na Tempus Veritatis, que significa em latim “Hora da Verdade”, são um major e dois coronéis, entre os quais, Marcelo Câmara, auxiliar de Bolsonaro já envolvido no caso nos escândalos do roubo das joias oferecidas pelo governo da Arábia Saudita e da falsificação do cartão de vacinação do presidente.

Inicialmente, a operação pressupunha apenas busca e apreensão à casa de Valdemar da Costa Neto, o presidente do PL, partido de Bolsonaro. Mas Neto, que já cumpriu pena de prisão no escândalo do Mensalão, acabou detido por posse ilegal de arma.

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Entre os demais alvos da polícia estão ministros como Braga Netto, candidato a vice de Bolsonaro em 2022, Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, e Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa, todos generais.

A polícia fez buscas ainda à casa do almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante-geral da Marinha, e Tércio Arnaud Thomaz, membro do chamado “gabinete do ódio”, a sala anexa ao Planalto onde se arrasavam reputações de rivais políticos recorrendo, muitas vezes, a fake news. Thomaz estava ao lado de Bolsonaro, na casa de férias deste em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro, quando a polícia chegou.

Em rápida entrevista ao jornal Folha de S. Paulo instantes depois de ter sido instruído a entregar o passaporte às autoridades até hoje, sexta-feira, de manhã, Bolsonaro disse-se vítima de “perseguição implacável”.

Lula, por sua vez, afirmou que uma tentativa de golpe “é dado concreto” e que “esse golpe não teria acontecido sem Bolsonaro.

“Virada de mesa”

Entre as provas que sustentaram a operação, está o vídeo de uma reunião, de 5 de julho de 2022, em que Bolsonaro diz que as sondagens estavam certas e que provavelmente Lula ganharia a eleição, ao que Augusto Heleno responde que se deve “virar a mesa”, expressão popular para a atitude antidesportiva de quem, ao estar a ser derrotado num jogo de cartas, as mistura propositalmente, “antes da eleição”. Paulo Sérgio Nogueira declara então “guerra” ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em seguida, Bolsonaro intima os ministros a difundirem informações falsas para reverter a situação na disputa eleitoral. “Porque a gente vê que o [instituto de sondagens] DataFolha continua mantendo a posição de 45% e, por vezes, falando que o Lula ganha no primeiro turno. Eu acho que ele ganha, sim. As pesquisas estão exatamente certas”.

Depois, o então chefe de Estado do Brasil anuncia que vai fazer dias depois, a 18 de julho, reunião com embaixadores onde dirá que o voto eletrónico no Brasil é uma fraude - esse encontro foi base da ação que determinou no ano passado a sua inelegibilidade.

Nogueira, ex-comandante do exército e ex-ministro da Defesa, diz então estar a realizar reuniões “com os Comandantes de Força quase que semanalmente”. “Nós temos reuniões pela frente, decisivas para a gente ver o que pode ser feito; que ações poderão ser tomadas para que a gente possa ter transparência, segurança, condições de auditoria e que as eleições transcorram da forma como a gente sonha!”.

Noutra ocasião, Braga Netto chama o então chefe do exército de “cagão” e “traidor” por não aderir à tentativa de golpe. 

Esse vídeo foi encontrado pela polícia num computador de Mauro Cid, ajudante de ordens do presidente, que aceitou delatar a tentativa de golpe de estado em curso.

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