As segundas maiores eleições do mundo são as Europeias
O pontapé de saída para as segundas maiores eleições democráticas do mundo foi dado na manhã de quinta-feira nos Países Baixos e termina às 23.00 (hora local) de hoje em Itália, e durante este periodo mais de 361 milhões de pessoas serão chamadas às urnas para escolher os novos 720 deputados do Parlamento Europeu, naquele que é o primeiro ato eleitoral já sem o Reino Unido e numa altura de grande incerteza geopolítica devido à invasão russa da Ucrânia.
Os resultados deste escrutínio, só ultrapassado em dimensão pelas eleições da Índia (cujos resultados foram conhecidos esta semana), poderão ter impacto no apoio dos 27 Estados-membros da União Europeia à Ucrânia, mas também em matérias como as alterações climáticas, a relação com os Estados Unidos e a China, o alargamento do bloco ou a adaptação a inovações tecnológicas como a Inteligência Artificial. “O que está em jogo é a capacidade da Europa de encarnar a democracia, de encontrar compromissos, de permanecer suficientemente unida, confrontada com Putin, confrontada com a China, confrontada com o futuro presidente americano”, conforme sublinha Sébastien Maillard, ex-diretor do Instituto Jacques Delors e atual conselheiro especial do Centro Grande Europa, dedicado ao alargamento da UE.
A participação nas eleições europeias tem sido historicamente baixa, mas há cinco anos registou-se um aumento significativo para 50,66%, mais 8,05% do que os 42,61% de 2014, a percentagem mais “magra” desde 1979, segundo dados do Parlamento Europeu. Entre os países da União Europeia, e olhando mais uma vez para os valores de 2019, a Bélgica, onde se encontra a sede da Comissão, foi onde as eleições foram mais participadas (88,47%), estando do lado oposto a Eslováquia, com apenas 22,74%, mesmo assim a participação mais alta desde que se juntaram ao bloco. Em Portugal, valor registado em 2019 foi de 30,75%, o mais baixo desde a nossa adesão, em 1986.
As diferenças entre os 27 Estados-membros em relação às eleições europeias não se ficam pelas taxas de participação. Por exemplo, os eleitores de 20 países votam hoje, mas a ida às urnas começou na quinta-feira nos Países Baixos e no dia seguinte foi a vez da Irlanda. Na República Checa, a votação decorreu na sexta-feira e no sábado, dia em que Letónia, Malta e Eslováquia tiveram as suas mesas de voto a funcionar. Em Itália, decorre também sábado e domingo, onde as urnas só encerram às 23.00 (22.00 em Lisboa), sendo preciso esperar por este momento para que sejam conhecidas as primeiras projeções a nível europeu.
Unidos, mas diferentes
O voto também não é igual nos 27, pois a organização do ato eleitoral é da responsabilidade de cada país, que aplica as suas próprias leis eleitorais, apesar de existirem regras comuns, como a representação proporcional. Uma diferença surge na obrigatoriedade do voto, que existe em quatro países (Bélgica, Grécia, Bulgária e Luxemburgo) e é aplicada aos nacionais e aos cidadãos da UE inscritos nos cadernos eleitorais destes países. Existem sanções para os abstencionistas, mas raramente são aplicadas. A idade mínima para votar também depende pela legislação de cada Estado-membro. Na maioria deles, é de 18 anos, à exceção da Grécia (17) e da Bélgica, Alemanha, Malta e Áustria (16).
No que diz respeito a elegibilidade para se ser candidato, a idade mínima varia entre os 18 e os 25 anos. Quinze países, entre os quais Portugal, autorizam candidatos a partir dos 18 anos, enquanto que noutros nove países é preciso ter, pelo menos, 21 anos. Na Roménia, a candidatura não é permitida antes dos 23, enquanto que em Itália e na Grécia, só com 25 anos.
A representatividade das mulheres na lista de candidatos tem regras que também diferem dependendo do Estado-membro, com dez deles a imporem quotas de género. Em França, Itália, Bélgica e Luxemburgo, as listas devem ter, pelo menos igual número de candidatos do sexo masculino e feminino. Já em Portugal, Espanha, Grécia, Eslovénia e Croácia, as listas devem incluir pelo menos 40% de candidatos de cada sexo e, na Polónia, 35%. Na Roménia, existe uma lei destinada a promover uma representação equilibrada, mas a sua redação vaga e a falta de números tornam-a ineficaz - com apenas 15% de mulheres, o grupo de deputados romenos é o que tem menos representantes do sexo feminino no Parlamento Europeu. De notar ainda que, dos três países com o valor mais elevado de mulheres deputadas, dois conseguem-no sem quotas: a Finlândia (57%) e a Suécia (52%). O Luxemburgo está, no entanto, à frente destes dois, com 67%.
O novo Parlamento Europeu terá também uma nova composição, em termos de números. A 1 de fevereiro de 2020, na sequência da saída do Reino Unido da União Europeia, o plenário parlamentar passou de 751 para 705 eurodeputados, com 27 dos 73 lugares britânicos a serem redistribuídos pela Irlanda, França, Itália, Espanha, Polónia, Roménia, Países Baixos, Suécia, Áustria, Dinamarca, Eslováquia, Finlândia, Croácia e Estónia. Dois anos depois, os eurodeputados aprovaram a decisão do Conselho Europeu de aumentar o número de lugares do Parlamento Europeu em 15, ou seja, dos atuais 705 para 720 durante a legislatura de 2024-2029, e que foi motivada pelas alterações demográficas na UE desde as eleições de 2019.
O que acontece a partir de amanhã
Os resultados provisórios destas eleições europeias só podem ser publicados após as 22.00 (hora de Lisboa), quando as mesas de voto encerram em Itália. Antes disso, o Parlamento Europeu divulgará projeções, com base em sondagens pré-eleitorais e à boca das urnas. A última projeção está prevista para a meia-noite.
Nos dias que se seguem às eleições, as autoridades nacionais dos Estados-membros comunicarão ao Parlamento Europeu o nome dos deputados eleitos, depois de verificarem que não possuem mandatos ou funções incompatíveis.
As negociações para a constituição dos grupos políticos têm início logo após as eleições e podem durar até à primeira sessão plenária. Um grupo político deve ser composto por, pelo menos 23 deputados de sete países (¼ dos Estados-membros) e, para serem oficialmente reconhecidos, têm de, até 15 de julho, comunicar à presidência do Parlamento Europeu os seus nomes, declarações políticas e composição.
A nova legislatura tem oficialmente início a 16 de julho, data em que os eurodeputados recém-eleitos se reúnem em Estrasburgo, tendo até dia 19 para eleger o presidente do Parlamento Europeu, 14 vice-presidentes e cinco questores. Votam ainda a composição numérica das comissões e subcomissões parlamentares, dando início à nova legislatura, que se prolongará até 2029.
Dependente das eleições europeias está também a escolha do ou da presidente da Comissão Europeia, o que se prevê que aconteça na sessão plenária de 16 a 19 de setembro. O nome é indicado pelo Conselho Europeu, com base nos resultados das eleições, cabendo depois aos deputados a sua eleição, através de voto secreto, sendo precisos pelo menos 361 de um total de 720. Se não for alcançada a maioria necessária, o Parlamento Europeu convida o Conselho a propor um novo candidato no prazo de um mês.
O que os eurodeputados fizeram por nós
Nos últimos cinco anos, o Parlamento Europeu adotou 467 atos legislativos, na sequência de negociações com o Conselho, e apresentou 29 pedidos de reformas através de relatórios de iniciativa legislativa.
Entre as principais iniciativas levadas a cabo pelos eurodeputados nesta legislatura que agora terminou estão a aprovação das regras para lançar o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, na sequência da pandemia, a Lei Europeia do Clima (que estabelece como objetivo a redução das emissões de gases com efeito de estufa em 55% até 2030), a Lei da Inteligência Artificial, mas também a reforma da política europeia de migração e asilo.
O Parlamento Europeu negociou também uma revisão do orçamento de longo prazo da UE, para garantir um aumento de financiamento para a Ucrânia, e aprovou legislação que obriga as empresas do bloco a divulgar informações que facilitem aos trabalhadores a comparação de salários e expor as disparidades salariais entre homens e mulheres.
Esta legislatura foi também marcada pela saída do Reino Unido, aprovada pelos eurodeputados a 29 de janeiro de 2020, e a morte do italiano David Sassoli, a 11 de janeiro de 2022, então presidente do Parlamento Europeu. O socialista foi substituído pela maltesa de centro-direita Roberta Metsola.
Em dezembro de 2022, o Parlamento Europeu foi abalado pelo chamado Qatargate, que envolvia o pagamento de largas somas de dinheiro a eurodeputados pelos governos do Qatar e Marrocos (ambos negam irregularidades) para influenciar a tomada de decisões pela instituição. A vice-presidente do PE Eva Kaili foi detida, bem como o seu marido, e foram acusados outros dois legisladores e um antigo deputado. Na sequência deste caso, foi aprovado um novo código de conduta.
Mais recentemente, o Parlamento Europeu enfrentou mais dois escândalos, o Russiagate e o Chinagate - o primeiro tem a ver com pagamentos a eurodeputados para darem voz a mensagens pró-russas e no segundo um assessor parlamentar é suspeito de espiar para Pequim. O partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha está envolvido nos dois casos.
Mais eleições além das europeias
Alguns Estados-membros aproveitam a ida dos eleitores às urnas para realizar outros atos eleitorais. Na sexta-feira, a Irlanda realizou eleições locais, tendo acontecido o mesmo ontem em Malta. Hoje, em Itália, decorrem também as regionais de Piedmont, enquanto que os belgas votam também para o parlamento nacional e em eleições regionais. Já cipriotas, húngaros e romenos escolherão os seus representantes nas eleições locais.
Na Eslovénia, este domingo servirá também os seus eleitores votarem num triplo referendo: sobre a eutanásia, o uso de canábis e a introdução do voto preferencial nas eleições gerais, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional.
ana.meireles@dn.pt