Angela Rayner, a vice-primeira-ministra britânica que tem um “doutoramento em vida real”
Paul ELLIS / AFP

Angela Rayner, a vice-primeira-ministra britânica que tem um “doutoramento em vida real”

Sem formação académica, mãe solteira pela primeira vez aos 16 anos, hoje com 44  a número dois do governo trabalhista de Keir Starmer destaca-se num país onde a elite frequentou principalmente as prestigiosas universidades de Oxford e Cambridge.
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Após a vitória do Partido Trabalhista nas eleições legislativas britânicas do passado dia 4, Angela Rayner, sem formação académica e autodenominada “doutora em vida real”, foi nomeada vice-primeira-ministra.

Nada indicava que esta mulher, que deixou a escola na adolescência sem diploma algum, se tornaria a número dois do Partido Trabalhista. Mas a falta de títulos académicos não a impediu de ser nomeada na sexta-feira passada como número dois do novo governo trabalhista e ministra para o Nivelamento, Habitação e Comunidades.

Num país onde a elite britânica frequentou predominantemente as prestigiosas universidades de Oxford e Cambridge, Rayner, de 44 anos, parece uma exceção.

Cresceu em Stockport, no norte da Inglaterra, numa habitação social. Desde jovem, cuidou da mãe, que sofria de transtorno bipolar, era analfabeta e não trabalhava.

O pai estava frequentemente ausente. Durante a infância, Rayner só tomava banho quente aos domingos e para ter refeições completas, dependia de convites para jantar na casa de amigos.

“Angie”, como é conhecida por muitos, deixou a escola sem diploma e aos 16 anos tornou-se mãe solteira. Alguns anos depois, teve outro filho, prematuro e quase cego. “Tenho um doutoramento em vida real”, resumiu uma vez. “Os desafios não me derrubaram. Conheço os meus pontos fortes”, acrescentou.

Angela Rayner é instantaneamente reconhecida pelo seu longo cabelo ruivo e franja, que se tornaram a sua imagem de marca, assim como o seu marcante sotaque do norte da Inglaterra.

Número dois do Partido Trabalhista desde 2020, Rayner tornou-se agora o braço direito do novo primeiro-ministro, Keir Starmer, no governo britânico. Rayner, conhecida por ser muito mais à esquerda, poderá divergir em certas ocasiões do seu chefe, que tem aproximado o Labour de posições mais ao centro.

“Arranjar carros”

Angela Rayner nunca sonhou com a política. “O meu único sonho quando adolescente era aprender a conduzir legalmente”, disse no podcast The Rest is Politics. “E sei arranjar carros”, acrescentou naquela ocasião.

Depois de deixar a escola, trabalhou com temas sociais, altura em que descobriu e se envolveu no sindicalismo e depois na política.

Em 2015, foi eleita deputada pelo distrito eleitoral de Ashton-under-Lyne, perto de Manchester. Nas bancadas do Partido Trabalhista, e muito graças à sua franqueza, subiu rapidamente, primeiro com Jeremy Corbyn, líder do partido com uma posição mais à esquerda, até 2020, e depois com Keir Starmer, mais ao centro.

Rayner está ciente de que contrasta com o seu novo chefe, um ex-advogado considerado por muitos como pouco carismático. “De certa forma, complementamo-nos”, disse ao The Guardian. “Ele suaviza as minhas asperezas. Eu tiro-o da sua concha”, acrescentou. Para este jornal de esquerda, Angela Rayner “é áspera, direta e aterroriza os conservadores”.

“Eles não sabem como interagir (comigo) porque geralmente não conhecem pessoas como eu”, disse a número dois trabalhista.

Em 2020, um tabloide noticiou que deputados conservadores compararam Rayner a Sharon Stone no filme Instinto Fatal, afirmando que ela gostava de distrair a atenção do então primeiro-ministro Boris Johnson, cruzando e descruzando as pernas durante as perguntas ao chefe de governo no Parlamento. Esses ataques misóginos provocaram um escândalo.

Os conservadores recentemente trouxeram à tona o passado de Rayner, acusando-a de ter dado informações falsas ao vender a sua casa em Manchester em 2015 para evitar o pagamento de impostos. Mas a polícia, após investigação, não encontrou evidências para apresentar acusações contra ela.

Rayner confessa-se particularmente entusiasmada com o seu novo trabalho no governo. Entre as suas promessas estão acabar com os “contratos de zero horas”, que não garantem um mínimo de horas remuneradas, restaurar o poder dos sindicatos e construir 1,5 milhão de casas em cinco anos. A vice-primeira-ministra do Reino Unido deseja que as novas moradias sociais sejam “bonitas, verdes” e onde as pessoas “sintam prazer em viver”. 

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