Internacional
03 outubro 2022 às 05h29

Lula e Bolsonaro vão à segunda volta

Contados 99,9% dos votos, o antigo presidente, com 48,43%, foi mais votado do que o atual nas presidenciais, com 43,2%, mas com vantagem muito menor do que as sondagens previam. Moro eleito para o Senado. São Paulo também ainda ficou resolvido

João Almeida Moreira com Lusa

Lula da Silva, do PT, foi o mais votado na primeira volta das eleições presidenciais do Brasil mas terá de disputar uma segunda votação, dia 30, com Jair Bolsonaro, do PL. Com 99,9% das urnas apuradas, o antigo presidente somava 48,43% contra 43,2% do atual chefe de estado. Em terceiro lugar, surgia Simone Tebet (MDB), com 4,16%, e, em quarto, Ciro Gomes (PDT), com 3,04%. O apoio de ambos, Tebet e Ciro, será agora muito cobiçado por Lula e Bolsonaro.

Soraya Tronicke (0,51% dos votos), Luís Felipe D'Ávila (0,47%), Padre Kelmon (0,07%), Leonardo Péricles (0,05%), Sofia Manzano (0,04%), Vera Lúcia (0,02%) e Eymael (0,01%) foram os restantes candidatos às presidenciais de domingo.

A vantagem de Lula sobre Bolsonaro é muito menor do que as últimas sondagens dos dois principais institutos de pesquisas do país, Datafolha e Ipec, divulgadas já na madrugada de domingo em Portugal, indicavam: no Datafolha, Lula surgia com 50% contra 36% de Bolsonaro, Tebet com 6% e Ciro com 5%; no Ipec, os dois primeiros marcavam um ponto a mais cada, Lula 51% e Bolsonaro 37%, e Tebet e Ciro ambos 5%.

Os votos no Sudeste, a região com os três maiores colégios eleitorais, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, fizeram a diferença entre o previsto nas pesquisas e a votação na urna.

Para o governo de São Paulo, estado mais rico e populoso do Brasil, os candidatos Tarcísio de Freitas (Republicanos), considerado delfim de Bolsonaro, bateu Fernando Haddad (PT), considerado delfim de Lula, por 42% a 35%, e os dois vão disputar a segunda volta, também dia 30, depois de Haddad ter sido dado como líder destacado nas sondagens. Por sua vez, o PSDB, partido de Fernando Henrique Cardoso, perdeu o estado após 30 anos a governá-lo: o seu candidato, o atual governador Rodrigo Garcia, ficou em terceiro, com 18%.

Em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, os atuais governadores, Romeu Zema (Novo) e Cláudio Castro (PL), ambos apoiados por Bolsonaro, venceram os respetivos estados já à primeira volta.

Noutras eleições, destaque para a eleição de Sergio Moro, ex-ministro de Bolsonaro e ex-juiz da Lava Jato, para o Senado, pelo Paraná.

Lula da Silva mostrou-se confiante numa vitória nas eleições brasileiras e disse que a segunda volta será apenas uma "prorrogação" [prolongamento].

"Sempre achei que nós iríamos ganhar as eleições e nós vamos ganhar as eleições. Isto para nós é apenas uma prorrogação", afirmou numa conferência de imprensa em São Paulo após a divulgação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O ex-presidente disse acreditar que nada acontece por acaso e afirmou que durante toda a campanha esteve à frente nas sondagens.

"Para desgraça de alguns tenho mais 30 dias para ir para a rua. Adoro fazer campanha, adoro fazer comício" e "vai ser importante porque será a chance de fazermos um debate com o Presidente da República. Acho que é uma segunda chance que o Bolsonaro me dá", afirmou, adotando um tom confiante.

Já Jair Bolsonaro, afirmou que venceu a "mentira" das sondagens que o colocavam apenas 36% nas intenções de voto e Lula da Silva com a possibilidade de uma vitória na primeira volta.

"Vencemos a mentira hoje", disse, em declaração aos jornalistas no Palácio da Alvorada.

"Temos um segundo turno pela frente", frisou o candidato.

Apoiantes do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestaram confiança na vitória do candidato petista na segunda volta das eleições, depois da contagem de votos do sufrágio no domingo.

David Pereira Silva, de 30 anos, esperava o ex-Presidente na porta de um hotel no centro da cidade onde este e os dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT) acompanharam o apuramento dos votos, em São Paulo.

"Estava na Avenida Paulista, mas tive a informação de que o Lula estava aqui e vim participar. Estamos contando voto a voto, não foi desta vez, mas será na segunda volta" a 30 de outubro, afirmou.

Na Avenida Paulista, para onde Lula da Silva seguiu para um breve encontro com os seus apoiantes, eleitores que preparavam uma festa motivados pelas sondagens que apontavam a possibilidade de vencer a eleição presidencial na primeira volta, o clima também era mais otimista do que pessimista.

Thais Feitosa, de 35 anos, disse ser apoiante do PT e de Lula da Silva há muito tempo e defendeu que os brasileiros que apoiam a esquerda precisam "dar o apoio não só nas urnas, como também fora delas" aos candidatos do campo progressista.

"É muito importante esse apoio físico, de sentir que a militância está junta. Tanto com o [candidato do PT, Fernando] Haddad para governador [de São Paulo] como com Lula da Silva para a Presidência", defendeu.

"Aqui as coisas estavam bem animadas, o pessoal chegou cedo, estava bem cheio e foi bem tranquilo. (...) Isso demonstra que essas pessoas se lembram de que já viveram tempos melhores e querem que isso volte", acrescentou.

Depois de acompanhar a contagem de votos no sindicato dos bancários, Diego Carvalho, de 37 anos, contou que se deslocou para a Avenida Paulista para sentir o calor dos apoiantes de Lula da Silva.

"Não fiquei dececionado porque ele chegou muito próximo dos 50% e outros candidatos derrotados parecem ter mais proximidade com o Lula do que com o Bolsonaro. O que me impressionou e me preocupa não é o resultado pior do que a gente esperava em relação ao Bolsonaro, mas o que isto pode significar na sociedade, na população com o engajamento deste tipo de ideia fascista do Bolsonaro", avaliou.

"Faltou muito pouco, um pouco mais de 1% dos votos para o Lula vencer e a [Simone] Tabet e o Ciro[Gomes], imagino, devem manifestar apoio ao [ex-]Presidente Lula, então, com certeza vai chegar a vitória", concluiu.

Apoiantes do Presidente brasileiro ouvidos pela Lusa à porta do Palácio da Alvorada, em Brasília, manifestaram "revolta" pelo resultado das eleições presidenciais.

"O meu sentimento hoje é de revolta", disse à Lusa Ivone Luzardo, no jardim do Palácio da Alvorada, a residência oficial de Jair Bolsonaro.

Definindo-se como cristã, conservadora e patriota, Ivone Luzardo sente-se cansada de ser acusada por alguns juízes do Supremo Tribunal Federal de ser antidemocrática. "Nós fomos roubados nas urnas", sublinhou, visivelmente irritada.

"O sentimento é de tristeza porque a gente esperava por outro resultado. No meu sentimento, teve fraude", contou à Lusa Juliana Caren, seguindo a linha da campanha de Bolsonaro que tem denunciado e levantado dúvidas em relação às urnas eletrónicas.

Em contraponto, o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) garantiu que as autoridades cumpriram a missão de trazer transparência às eleições e elogiou as urnas eletrónicas.

"Saímos com a certeza que a justiça eleitoral cumpriu novamente a sua missão de trazer transparência", declarou, em Brasília, Alexandre de Maraes.

Juliana Caren, juntamente com dezenas de apoiantes, estiveram a falar com Jair Bolsonaro, que deixou entrar os apoiantes no jardim do Palácio da Alvorada que se concentravam a cerca de 500 metros das imediações. "Ele pediu ajuda, ele pediu para a gente chamar pessoas" para vencer na segunda volta que se realiza a 30 de outubro, afirmou.

Na mesma linha, Rafael Dias prometeu que nas próximas três semanas de campanha vai lutar "pela democracia e pela liberdade" do país.

"As pesquisas da datafolha não são confiáveis, são mentirosas", disse.

"Quando Bolsonaro sai às ruas são centenas de milhares de pessoas. Como é que esse voto sumiu assim?", questionou, deixando a promessa que não vai deixar a esquerda assumir as rédeas do país.

Na sua única declaração aos jornalistas após o resultado eleitoral, Jair Bolsonaro afirmou que venceu a "mentira" das sondagens que o colocavam apenas 36% nas intenções de voto e Lula da Silva com a possibilidade de uma vitória na primeira volta.

"Vencemos a mentira hoje", disse, em declaração aos jornalistas no Palácio da Alvorada.

Alinhado com a retórica, Alexander Bilek disse à Lusa que o seu sentimento com o resultado eleitoral é de revolta.

"Queria que toda a 'media' do nosso país, do Brasil, fosse buscar informação através da boca das pessoas, do povo. E não através daqueles que têm dinheiro para manipular", frisou.

"Os órgãos de pesquisa [sondagem] estão servindo interesses partidários", criticou.

Lula, que faz 77 anos no próximo dia 27, foi presidente de 2003 a 2010, deixando o cargo com popularidade acima de 80%, e candidato em seis eleições, já contando a atual. Entre 2010 e este sufrágio, o antigo metalúrgico e sindicalista ajudou a eleger a sucessora Dilma Rousseff duas vezes mas depois viu-a ser destituída por impeachment, em 2016, e acabou preso na Operação Lava-Jato, em 2018. Como o juiz da operação, Moro, foi considerado parcial, Lula foi solto, retomou os direitos políticos e pôde concorrer.

Bolsonaro, 67 anos, preside ao país desde 2018, depois de longa mas quase anónima carreira de deputado federal. No seu mandato, viu a rejeição ao seu governo crescer acima dos 50% pelas criticadas conduções da pandemia e da economia.

Segundo a maioria dos observadores, a segunda volta será agora disputada voto a voto, com ligeiro favoritismo para Lula.

As longas filas, maiores do que de costume, nos locais de votação atrasaram a contagem. Por outro lado, a unificação de horários de fecho das urnas (independentemente dos três fusos horários, todos os estados fecharam as salas de voto à mesma hora), limitou as sondagens "à boca de urna", que costumam revelar um ponto da situação nacional mais aproximado da realidade.

"À hora a que Tribunal Superior Eleitoral divulgar a primeira parcial, já vai ser uma quantidade de votos muito maior do que qualquer pesquisa de boca de urna que nós pudéssemos fazer e esse tipo de sondagem é caro", justificou Márcia Cavallari, diretora do Ipec, um dos principais institutos de sondagens, ao portal UOL.

Os dois principais candidatos votaram praticamente à mesma hora. Lula em São Bernardo do Campo, cidade nos arredores de São Paulo onde iniciou a carreira sindical, e Bolsonaro na Vila Militar, no Rio de Janeiro, o seu quartel-general político.

O candidato do PT, ao ser questionado sobre eventualidade de protestos em caso de uma vitória, disse que a maioria dos brasileiros quer harmonia. "A maioria da sociedade brasileira quer paz e tranquilidade, quer trabalhar, produzir e viver bem, mas vai haver algum fanático que não vai nunca querer se adaptar, como há em todos os partidos políticos, e em todas as tendências ideológicas", afirmou quando foi votar, ao lado do candidato a vice, Geraldo Alckmin.

Lula beijou o comprovativo de votação e lembrou que há quatro anos foi impossibilitado de votar por estar preso em Curitiba no contexto da Operação Lava-Jato. "Tentei fazer com que a urna fosse à cela mas não levaram, quatro anos depois de ter sido vítima de uma mentira, estou aqui votando com total reconhecimento da minha liberdade e com a possibilidade de voltar a ser presidente".

O candidato do PL disse que "se forem eleições limpas" não teria "problemas" em reconhecer o vencedor mas, mais importante do que as sondagens que davam o rival à frente, "é o Datapovo", continuou, referindo-se aos comícios que foi fazendo e usando um trocadilho com o nome do instituto Datafolha.

E, enquanto Tebet afirmou, ao votar em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, que "apesar de eleições atípicas, a democracia brasileira saiu fortalecida", Ciro, em Fortaleza, Ceará, garantiu que não se candidatará novamente: "Pretendo parar".

A uma hora do fecho das urnas, o Ministério da Justiça e Segurança Pública registava quase 500 ocorrências policiais e 170 prisões por crimes eleitorais: 148 casos por campanha ilegal, 25 por compra de votos e 17 por tentativa de violação o sigilo do voto.