América contra investimentos chineses em setores “críticos” da economia
Do elogio a Portugal pela forma exemplar como lidou com as redes 5G ao incentivo para o país apostar forte no lítio, foi evidente a mensagem que quis passar o vice-secretário para Crescimento Económico, Energia e Ambiente, Jose W. Fernandez, num encontro com jornalistas na embaixada americana em Lisboa: os Estados Unidos são o grande parceiro dos europeus e a China não é de confiar, pois mistura política e negócios.
“Lidamos com uma abordagem estatal, não de mercado, apoiada pelo governo chinês. As empresas chinesas têm as rendas pagas, não pagam impostos e recebem subsídios. Isto contribui para um terreno de jogo desigual, em que as empresas privadas simplesmente não têm oportunidade de competir. A dado momento, se se está a perder dinheiro numa empresa privada, dá-se a bancarrota. No caso da China, se se perde dinheiro, vai-se ter com o governo e este dá mais dinheiro. Isto torna o terreno de jogo injusto. E isto vê-se, já agora, na situação atual, em que há um excesso de oferta no mercado, e num campo que discuti com empresas portuguesas: o dos metais críticos. Esse excesso de oferta está a prejudicar a capacidade das empresas portuguesas de se desenvolver. A China está a produzir, no caso do lítio, muito mais do que o mundo precisa hoje. O que se está a ver? Que o preço do lítio caiu. E isso desencoraja o investimento.”
Antes da conversa com os jornalistas, Fernandez esteve com os ministros da Economia e da Presidência. E encontrou-se também com representantes das empresas Bondalti Lithium, Savannah resources, Start campus, Altice, Google, Equinix, e Ericsson. Uma ofensiva diplomática americana em Portugal que prossegue hoje (antes de seguir para Espanha) e é feita num momento alto das relações. “No ano passado, os Estados Unidos foram o principal parceiro comercial fora da União Europeia. E em 2024 o comércio bilateral continua a crescer. Em 2023, tornámo-nos também o maior investidor em Portugal”, relembrou o membro da Administração presidida por Joe Biden. E acrescentou que a vinda a Portugal surge na sequência de uma iniciativa da embaixadora Randi Charno Levine no ano passado com algumas empresas energéticas.
E é por as relações entre os dois tradicionais aliados estarem “numa trajetória ascendente” que o vice-secretário sentiu necessidade de alertar em Lisboa - como noutras ocasiões outros governantes americanos fizeram - para os riscos dos negócios da China, o que não significa que não se possa negociar com os chineses. “Nós não estamos a desligar-nos da China, não estamos a fazer o decoupling. Estamos sim a reduzir os riscos”, afirmou Fernandez, relembrando que existe uma relação económica “robusta” com a China, “o nosso terceiro parceiro comercial” e, portanto, não se trata de excluir o investimento chinês, mas sim de criar regras. Por exemplo, os governos europeus, acrescentou, terem um sistema de análise dos investimentos estrangeiros, tal como existe na América.
Não foram poupadas palavras no elogio a Portugal na forma como regulou as redes 5G - embora sem referências à exclusão da Huawei -, ao ponto de afirmar que nessa matéria o país “deu o exemplo ao resto da União Europeia”. E relembrou que no 5G ninguém pode acusar os Estados Unidos de estar a tentar ajudar empresas americanas, pois não as há no setor. Foi sim porque “a vossa segurança impacta a nossa segurança”.
Também incentivou Portugal a apostar no lítio, apesar da quebra atual de preços que referiu. “A Agência Internacional da Energia calcula que em 2050, para atingirmos as metas de energia limpa, para que a temperatura média não aumente mais de 1,5 graus centígrados, precisaremos de 42 vezes mais lítio do aquele que usamos hoje. O que significa isto? Que a menos que encontremos esse lítio, a menos que invistamos na mineração, na refinagem e no processamento desse lítio, não atingiremos essas metas de energia limpa. Essas metas climáticas são a resposta à crise existencial do nosso tempo, e a Administração Biden acredita nisso desde o primeiro dia”, disse Fernandez, consciente de que Portugal tem a maior reserva de lítio da Europa e, portanto, uma potencial fonte de grande riqueza.
O lítio, e outros minerais críticos, fazem de tal modo parte das preocupações americanas com a diversificação das fontes de abastecimento para defesa da vitalidade da sua economia que os Estados Unidos, juntamente com outros 14 países e a União Europeia, criaram a Mineral Security Partnership (MSP). “Os membros representam 55% do PIB mundial”, sublinhou Fernandez, notando que a Índia faz parte , tal como o Japão, a Coreia do Sul e a Austrália. Entre as preocupações da MSP está que nenhum país tenha de ser obrigado “a escolher entre proteção ambiental e crescimento económico”, debate que interessa a Portugal.
Os Estados Unidos continuam a ser de longe a maior economia mundial com um PIB de 28,5 biliões de dólares (o trillion anglo-saxónico), mas a China é desde 2010 a segunda maior economia, atualmente com um PIB de 18,5 biliões.
Também foi tema de conversa a participação chinesa na EDP e se isso pode afetar eventuais projetos nos Estados Unidos, mas a resposta foi relembrar que há muito existem regras sobre investimentos estrangeiros. Já sobre a importância do porto de Sines, a resposta centrou-se no valor da geografia portuguesa e na relevância de uma vasta rede de portos para assegurar a tal diversidade de fontes de abastecimento, cuja necessidade ficou evidente durante a pandemia. Igualmente houve palavras tranquilizadoras em relação à produção de LNG americano, essencial para a segurança energética da Europa agora que se aproxima o terceiro aniversário da invasão russa da Ucrânia. Ainda houve oportunidade para um tom otimista no esforço para reduzir as disputas comerciais entre os dois lados do Atlântico, surgidas sobretudo durante a presidência de Donald Trump. “Vamos olhar para a frente”, apelou Fernandez.