Aliados prometem mais ajuda a Kiev e Moscovo admite que baixas são "enorme tragédia"

MNE ucraniano pede urgência na ajuda militar para que o seu país possa responder ao invasor numa batalha que diz ser comparável à Segunda Guerra. Porta-voz do Kremlin reconhece falhanço no terreno, mas continua a negar crimes de guerra e a responsabilizar a NATO.
Publicado a
Atualizado a

Entre a repetição do discurso do Kremlin, o porta-voz Dmitri Peskov reconheceu em entrevista que a Rússia sofreu "perdas consideráveis de tropas", uma "enorme tragédia", no mesmo dia em que a publicação de comunicações intercetadas das tropas russas adiciona mais uma camada de provas aos crimes de guerra que Moscovo continua a negar.

Enquanto novos bombardeamentos russos atingiram a linha férrea no leste, impedindo a deslocação de refugiados, Kiev aguarda por uma batalha feroz no Donbass e não exclui que a capital volte a ser alvo de nova tentativa de assalto. Em resposta à invasão russa, novas sanções foram anunciadas pela União Europeia e pelo G7; o Congresso norte-americano pôs fim às relações comerciais normais entre os dois países; e os países da NATO responderam de forma positiva ao pedido da Ucrânia em fornecer mais armamento em tempo útil.

O porta-voz do líder russo Vladimir Putin admitiu pela primeira vez que o seu país vive "uma enorme tragédia" face às "perdas consideráveis de tropas", embora não tenha clarificado a dimensão das baixas. No final de março, a versão oficial contabilizava 1351 soldados mortos e 3825 feridos, quando uma semana antes, o Komsomolskaya Pravda noticiou online - que mais tarde disse ter sido vítima de uma ação de hackers - 9861 mortos e 16151 feridos.

Segundo os dados das forças armadas ucranianas, cerca de 18900 soldados russos morreram desde 24 de fevereiro. Em declarações à Sky News, Dmitri Peskov reiterou que a revolta de 2014 em Kiev foi um "golpe ilegal" e que a partir daí o país passou a ser "anti-Rússia". "Tudo o que ocorreu na Ucrânia foi dirigido contra o nosso país", afirmou como forma de justificar as ações agressivas contra o país vizinho.

YouTubeyoutubeqbbRbrLIb3M

Peskov disse um facto - que se vive numa era de "falsidades e mentiras" - para de seguida voltar a alegar que o bombardeamento da maternidade de Mariupol não existiu. Também disse que os crimes de guerra em Bucha não passam de uma "farsa ousada", depois do jornalista do canal britânico perguntar: "Apercebe-se do quão grotesco isso soa?".

Os serviços secretos alemães (BND) intercetaram transmissões de rádio em que as forças russas discutiram a execução de pessoas de forma indiscriminada a norte de Kiev, noticiou a Der Spiegel. As conversas foram intercetadas a partir da rádio militar russa e incluem um militar a dizer a outro que primeiro se interrogam pessoas e depois matam-nas. O BND enviou estas e outras provas para a comissão parlamentar de supervisão dos serviços secretos. Não foi possível, no entanto, confirmar se as transmissões de rádio recolhidas eram provenientes de Bucha ou de outro local próximo da capital, disseram à publicação alemã.

Entre o material recolhido encontram-se imagens de satélite a mostrar corpos deitados na rua em Bucha durante o tempo em que as forças russas ocuparam a cidade, o que refuta as versões russas, como a de Maria Zakharova, porta-voz da diplomacia russa, de que os assassínios foram cometidos pelas forças ucranianas ao tomar a cidade, como "ação punitiva", ou tendo transportado os cadáveres de fora, tudo com a "cumplicidade dos meios de comunicação". A agência noticiosa France Presse entrou em Bucha ao mesmo tempo que os militares ucranianos e testemunhou logo à chegada os corpos de 20 homens com roupas civis , dispersos ao longo de centenas de metros. "Nem um único civil foi ferido" por parte dos russos, afirmou Zakharova.

No terreno, o chefe da coordenação de emergências das Nações Unidas, Martin Griffiths, descreveu como "horripilantes" as cenas de morte e destruição que presenciou em Bucha e Irpin. Griffiths apelou para uma imediata investigação independente que garantisse a responsabilização dos autores.

A BBC analisou um vídeo que circulava nas redes sociais, no qual forças ucranianas executam um soldado russo detido. Questionado sobre as imagens, o ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano admitiu "incidentes isolados", mas que o exército da Ucrânia "observa as regras da guerra" e como tal as violações seriam investigadas. Ainda assim, Dmytro Kuleba mostrou compreensão para soldados que se vingam do inimigo quando "ficam a saber que uma pessoa que conhece foi violada quatro dias seguidos" entre outras atrocidades.

"Isto não é uma desculpa para aqueles que violam as regras de guerra de ambos os lados da linha da frente, mas há algumas coisas que simplesmente não se consegue compreender, lamento." Kuleba não poupou críticas ao homólogo russo Sergei Lavrov. "O facto de justificar o bombardeamento de um hospital em Mariupol e os crimes de guerra cometidos em Bucha e noutras cidades e aldeias ucranianas da Ucrânia e de os chamar falsos torna-o cúmplice destes crimes."

Na entrevista à Sky News, o porta-voz do Kremlin voltou a assestar baterias contra a Aliança Atlântica. "Temos de tomar medidas adicionais para garantir a nossa própria segurança, porque ainda estamos profundamente convencidos de que a NATO é uma máquina de combate. Não é uma aliança pacífica. O principal objetivo da sua existência é confrontar o nosso país", queixou-se.

Em reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros da NATO, o convidado Dmytro Kuleba disse aos jornalistas que a discussão não seria sobre uma "lista de armas" mas sobre a urgência em entregá-las. "A batalha pelo Donbass irá recordar-vos a Segunda Guerra Mundial, com grandes manobras operacionais, o envolvimento de milhares de tanques, veículos blindados, aviões, artilharia", disse o ministro ucraniano.

Da reunião de Bruxelas não se soube nada em específico sobre a ajuda militar e o seu cronograma, mas há indicações de que os países estão dispostos a fornecer mais material, caso dos britânicos (veículos blindados e mísseis antinavio) ou, mais vagamente, sistemas de armas "maiores e mais sofisticados", como disse o secretário de Estado norte-americano Antony Blinken.

Depois de ter fracassado na tentativa de tomar Kiev, Moscovo retirou as tropas que tinha mobilizado contra a capital e Chernihiv, no norte da Ucrânia. As forças russas estão agora a avançar em força no leste da Ucrânia, onde os eleitos locais apelam para a retirada urgente dos residentes antes que se torne impossível. "A Rússia tem o seu plano, nós temos o nosso, e o resultado deste combate será decidido no campo de batalha." Além disso, os militares ucranianos avisaram que as forças russas estão a juntar mais militares para uma nova ofensiva em Mariupol, e que um terço dos soldados enviados para a Bielorrússia mantêm-se no país, pelo que não é de excluir nova tentativa de tomada da capital.

cesar.avo@dn.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt