Alex Maze, wrestler canadiano gay: “A luta livre gosta de toda a gente”
Em primeiro lugar, gostaria de se apresentar aos portugueses?
Olá, o meu nome é Alexandre Lessard. Tenho 36 anos, 37 quase. Mas 24 no coração. Moro na Rua Sul, em Montreal. Sempre vivi na Rua Sul, em Montreal, desde criança. Os meus pais vivem a 10 minutos de distância. A minha irmã mora a 5 minutos. Trabalho diariamente em recursos humanos. Mas porque estou aqui? Sou lutador, lutador profissional. E represento a comunidade LGBTQIA+.
Interessou-se por wrestling aos 14 anos. Porquê naquela época e porquê a luta livre?
Na verdade, tive três experiências com a luta livre na minha vida. A primeira, quando era muito jovem. Lembro-me de ver o WCW [World Championship Wrestling) nas noites de sábado. Está muito nebuloso na minha memória. Lembro-me de comer massa enquanto via a luta livre, em família. Mais tarde, tive uma vizinha que era grande fã do WWE [World Wrestling Entertainment]. Quando eu tinha 10 ou 12 anos, ela era uma grande fã. Ela tentava convencer-me, mas eu não falava inglês na altura e era tudo era em inglês. Só falava francês. +Não imaginava o que iria acontecer a seguir. O amor à primeira vista aconteceu em agosto de 2002. Tudo bem. Não havia nada para ver na televisão. Eu e a minha irmã estávamos a olhar para o ecrã à procura de alguma coisa para ver. E começámos a ver a luta livre. No início, achámos engraçado. Pensámos: “vamos rir um pouco. Isto é falso. É combinado. Nem é verdade.” Mas ficámos viciados. Queríamos saber o que ia acontecer. Mesmo tendo dito que era parvo durante duas horas, no final, estávamos a dizer que não era assim tanta parvoíce. É como uma novela só que os protagonistas batem uns nos outros. Fiquei viciado. E consegui ver-me a fazer aquilo porque tinha esse lado atlético. Sempre fui uma pessoa muito atlética, naturalmente. Eu não praticava desportos coletivos. Atualmente sou treinador de luta livre. Alguns alunos perguntam-me como dou uma cambalhota. Não sei, faço-o desde os quatro anos.
Sai-lhe naturalmente?.
É natural, sim. Eu era um theater kid, como se costuma dizer em inglês. Sempre adorei estar em palco, fazer parte de uma trupe de teatro. O wrestling é uma boa combinação dos dois, na minha opinião. Foi isso que despertou o meu interesse em entrar neste mundo.
Foi essa ideia de unir dois interesses que já tinha, que o impulsionou a entrar neste mundo em 2019?
Sim. Demorei muito tempo a chegar lá! Muitas vezes tive vontade de o fazer, mas pensava: preciso de terminar os estudos. Preciso de me concentrar nisso.
O que é que estudou?
Estudei gestão com foco na gestão de recursos. Estive cinco anos na universidade, a concluir a licenciatura. E aos 30 anos, cheguei a um ponto da minha vida em que não estava muito bem. Todos os meus amigos estavam a casar, a ter filhos, a construir relações, a comprar apartamentos, a comprar casas. Por sorte, eu tinha um apartamento. Tinha um emprego do qual não gostava muito. Eu era solteiro e estava a sentir-me um pouco excluído. De repente, cada um tinha a sua própria vida. Eu disse para mim mesmo: Alexandre, tu querias fazer isto desde os 14 anos. Agora não há mais nada que te impeça. Antes, as escolas eram longe, era caro. Agora já és adulto, pagas as tuas próprias coisas, tens o teu próprio carro e podes ir sozinho. Já não precisas de pedir permissão a ninguém.
E como começou? Disse que as escolas eram longe. Existem escolas especializadas? Há algum requisito para praticar wrestling?
Qualquer pessoa pode fazer wrestling. Tenho uma aluna que começou agora e tem 42 anos. É algo que lhe dá prazer. Recentemente vi um vídeo no TikTok, era de uma mulher de 65 anos e era o seu primeiro combate. O público gostou. É energizante. Entrar no ringue é muito diferente de qualquer outra coisa. É o teatro interativo por excelência. Se alguém me disser para bater no meu adversário com uma cadeira, posso bater-lhe com uma cadeira, mesmo que não tenha sido planeado. Eu digo: "Prepara-te. Vou bater-te com uma cadeira. Mas vou ter cuidado.”
Há essa atenção dirigida ao adversário?
Exatamente. E há o ouvir o público. Quando vou assistir a uma peça, se escrever "Vou dar-te uma cadeirada", acho que ninguém pararia a peça para o fazer. Portanto, sim, comecei em 2019, quando tinha 30 anos. Pensei: "Olha, esta é a altura certa para fazer isto". Informei-me em grupos de Facebook. Existem vários grupos de luta livre no Facebook no Quebeque. Havia vários eventos independentes a acontecer. Lembro-me de ter publicado um pedido a dizer: "Gostaria de começar a lutar. Por onde começo?" Algumas pessoas responderam. Vários responderam "O dojo da IWS". É onde hoje sou treinador.
Lembra-se do seu primeiro combate?
Sim. Passou muito, muito rápido. O meu primeiro combate oficial, digamos, foi uma luta de duplas. Foi num espectáculo da iWS. Em dezembro, tivemos um grande espetáculo. O promotor publicou uma mensagem no grupo a dizer: "Os dois alunos que derem mais de si terão um combate no próximo espectáculo". Pouco antes disso, tinha-me lesionado. Comecei a pensar: "Isto não é para mim, blá blá blá". Mas quando vi aquela mensagem, pensei: "Não vou desistir tão depressa". Então, eu estava lá em todas as aulas, a dar tudo de mim, a estar presente, a ajudar e a mostrar que queria fazer aquilo. E fui escolhido. Mas não me lembro muito bem, porque passou como um raio. Havia uma grande luz a brilhar sobre nós. Não conseguia ver o público. A multidão não fazia ideia de quem eu era. Quando comecei, nem sequer tinha nome. Foi o responsável pelas inscrições que me deu um nome. Veio ter comigo e perguntou: "Como é que se chama no ringue?". Eu disse: não sei. Então ele inventou um nome.
E como era esse nome?
Era Xander Thompson. O mundo da luta livre é muito anglófono. E tudo o que me lembro da partida é dos holofotes. Fiz o meu movimento final no fim do combate, mesmo tendo perdido. Mas pronto, foi um começo.
O que disseram as pessoas à sua volta? A sua família, os seus amigos? Ficaram um pouco preocupados - o Alex não tem o físico que esperamos de um lutador, além de este não ser um mundo muito aberto à comunidade LGBT?
Isso está a mudar com o tempo. Mas quanto à receção que tive, por exemplo, a minha mãe nunca me veio ver combater. O meu pai também não. Eles preferem não ver, porque não deixa de ser perigoso. A minha mãe preocupa-se demais. Tenho duas irmãs. Tenho uma que também nunca me veio ver, porque não sabe como reagiria ao ver-me levar porrada. E tenho outra, a minha irmã mais velha, que me veio ver recentemente. Ela adorava os meus espetáculos. Ficou até chegar a minha vez e ficou muito feliz. Ela explicou-me que era como um concerto de rock. Eu estava na mesa do merchandising e no fim as crianças vieram ter comigo para tirar fotografias. É assim que funciona. Mas sim, na minha família, tenho pessoas que se preocupam muito. No meu primeiro ano, sofri uma concussão no treino. O pior é que eu é que estava a dar a aula. Então saio do ringue, o treinador olha para mim e pergunta: "Alex, estás bem?". Eu digo: "Sim". Depois acordo no chão. Se calhar não estava bem [risos].
Há muito a ideia de que no wrestling é tudo falso, está tudo combinado. Mas o corte na sua sobrancelha diz o contrário. Apesar de haver uma planificação, há espaço para acidentes?
Exatamente. Sim, os acidentes acontecem. Os golpes doem, se alguém nos levanta e nos põe em cima das costas e nos deixa cair, doi. Mas fazemo-lo com segurança. É planeado, tem um guião. Mas é um desporto divertido. O que fazemos no ringue, nem todos o conseguem fazer. Mas garantimos que é seguro.
Há um tipo de coreografia que é montada?
Exatamente. Antes do combate, discutimos com o outro lutador o que queremos fazer. Anotamos as ideias de ambos. Além disso, o promotor quer saber qual é a história do combate. Porque, por vezes, há uma história para ser contada.
Agora começam a surgir para vez mais pessoas LGBTQIA+ no mundo da luta livre. Mas de início como é que esse meio reagia a um lutador gay?
Hoje está tudo muito mais aberto do que antes. Antes, havia muitas personagens que não eram gays, mas eram muito efeminadas. Era muito estereotipado.
O lutador não era gay, mas a personagem sim, é isso? Era o cliché?
Sim, exatamente. Nos últimos anos, houve grandes desenvolvimentos. Posso falar sobre a Effy. A Effy faz um grande espectáculo várias vezes por ano. Chama-se Effy's Big Gay Brunch, onde os lutadores da comunidade são homenageados. Essa abertura reflete-se no ambiente de trabalho de todos. Nas empresas muito grandes ainda estão um pouco receosos. Vejo que estão a ser feitos esforços para envolver toda a gente no orgulho gay.
Acha que são mais as empresas do que o público a estar um pouco relutantes?
Exatamente, porque depende do local onde trabalham. Pessoalmente, tive ótimas experiências no wrestling. Mas também tive algumas más experiências. Disse a mim mesmo que não queria voltar. Tenho uma amiga que é trans. Fez a transição durante a covid. E foi difícil para ela apresentar-se à frente de toda a gente. O público não estava com ela. Então ela decidiu esperar um pouco, mudar o seu foco. E hoje está regularmente no ringue. Lembro-me de uma vez em que combati contra um dos meus amigos. Eu era o bom da fita. Ela era a vilã. Tínhamos acertado tudo. E perguntámo-nos quem ia ser mais vaiado? A pessoa da comunidade ou a mulher negra? No final, fui eu. E era o bom da fita!
Foi para falar de Igualdade no Desporto que veio a Lisboa, no âmbito do Europride. O desporto é um mundo onde ainda há muita discriminação?
Sim, há discriminação no meu desporto. Tenho amigos lutadores nos EUA que já ouviram: "Ah, já tenho um homem gay no meu espectáculo, não preciso de outro." E sei que fazem a mesma coisa às mulheres: "Ah, já tenho um combate feminino, não preciso de mais." Mas vejo grandes avanços a serem feitos. Há dois anos, fizemos um espectáculo em que metade dos lutadores eram da comunidade LGBT. No mesmo evento, uma pessoa trans desafiou o campeão. Lentamente, estamos a expandir os limites e a fazer com que as pessoas nos aceitem, independentemente de quem somos. Não importa como somos.
Para terminar, o que diria a um jovem rapaz ou rapariga que quer começar na luta livre?
Tem que começar de algum lugar. É essa a mensagem que queria transmitir aqui. Toda a gente gosta de luta livre. Todos. E a luta livre gosta de toda a gente. Se estiver interessado, vá em frente. A sério, é muito divertido. É uma sensação boa. É um espetáculo completamente diferente de tudo o que se vê em qualquer outro lugar. Une as pessoas.