Veio a Portugal apresentar o CodeUA, um novo marketplace de empresas tecnológicas criado na Ucrânia, um país em guerra. Explique-nos como é isso possível.Sim. O CodeUA é como um mercado freelance, mas não é apenas para pessoas, é para empresas, do lado ucraniano. Queremos mostrar que o código ucraniano está em quase toda a parte - nos principais produtos ou serviços que todos os dias se usam..Como estamos em guerra, é por vezes difícil [os programadores] manterem o ritmo de desenvolvimento [que necessitam] e, às vezes, perdem clientes. Negócio é negócio, e algumas empresas [estrangeiras] deixam de trabalhar com eles. Mas há muitas outras empresas e pessoas que nos perguntam: “Como podemos ajudar?” E a nossa resposta geralmente é: "Trabalhe com empresas ucranianas, invista em startups ucranianas.".Mas há um passo prático: como fazer isso? Então surgiu a ideia. Para trabalhar com empresas tecnológicas ucranianas, [o CodeUA] é o caminho. Aqui o Governo coloca uma marca d'água em cada uma e diz: "Esta é uma empresa confiável, realmente existe, tem pessoas, tem declarações fiscais, tudo está em ordem" — não é alguma fraude ou algo assim. Ao mesmo tempo, na plataforma, elas podem mostrar o seu portefólio e, desta forma, podemos convidar pessoas de todo o mundo a trabalhar com as nossas empresas..Isso também ajuda a mudar a visão tradicional da Ucrânia como um país essencialmente produtor agrícola?Absolutamente! Acho que nosso presidente [Volodymyr] Zelensky acreditou nisso. Estamos a transformar o país com serviços governamentais que são totalmente digitais, e dessa forma estamos a matar a corrupção, estamos a acabar com procedimentos não-transparentes. Ao digitalizar, poupamos muito dinheiro aos contribuintes. Essa é a visão do presidente. Ele disse isso, há algum tempo: a única maneira de combater a corrupção na Ucrânia não é apenas procurar pessoas confiáveis e honestas, mas remover o fator humano. .Começou a partir dessa visão, mas depois transformou-se numa visão maior de que também precisamos de mudar para a economia digital, porque temos uma enorme quantidade de capital humano, programadores, analistas… São pessoas que trabalham para empresas da Fortune 500. Se precisarmos de construir algo muito complexo na Ucrânia, não precisamos de recorrer a consultores externos, podemos usar a nossa própria gente. .O que também é verdade sobre a guerra. Esta guerra é mais tecnológica. Os nossos engenheiros criaram tantas coisas novas: robôs, drones, novas formas de comunicação segura. E algumas dessas empresas não existiam há dois anos, mas agora têm uma receita de mais de 12 mil milhões [de dólares], porque criaram tecnologia que não existia. E é por isso que podemos transformar a Ucrânia, a perceção da Ucrânia, da agricultura para a de uma nação tecnológica. .A CodeUA é uma iniciativa completamente civil ou conta para o esforço de guerra?É uma parceria público-privada. Estamos no cluster de Lviv, no oeste da Ucrânia. .Totalmente longe da guerra…Sim. Muitas empresas mudaram-se para lá. Agora é um enorme cluster de tecnologia com centenas de empresas. E nós fomos ter com eles e dissemos: querem ajudar-nos com este projeto? Porque acreditamos que esta é uma ferramenta de marketing, para vocês, e vão beneficiar com isto. Claro que, objetivamente, se houver mais empregos e mais impostos, tudo bem. Mas, em primeira linha, quem vai obter os benefícios são vocês. E eles disseram: "Sim, OK.".Também recorremos à [ajuda internacional] USAID, que financiou algumas das coisas técnicas e o desenvolvimento. Foi muito útil. Mas o serviço é desenvolvido pelo setor privado. Nós tornámo-nos mais como o parceiro informativo e de verificação. .E o os militares estão de alguma forma envolvidos?Não tenho conhecimento da presença de nenhum projeto militar por lá..Alex Bornyakov durante a apresentação da plataforma CodeUA na Web Summit, na semana passada, em Lisboa. No 'slide' atrás, algumas das empresas internacionais que utilizam - sem a maioria das pessoas saberem - tecnologia ucraniana. FOTO: Carlos Rodrigues / Web Summit..Sendo a Ucrânia um país em guerra, como está atualmente a infraestrutura de comunicações, dados e energética? Estável e a trabalhar 24 horas por dia?Sim. Há muitos lugares no país que não são muito afetados pela guerra. Bem, todas as noites eles [os russos] lançam alguns mísseis e drones, tentando derrubar a rede elétrica. E às vezes eu acho que eles visam fornecedores de telecomunicações também. Mas normalmente é como estamos a falar agora [em videochamada de Kiev]: tudo normal..Então já não estão tão dependentes dos satélites do Starlink, de Elon Musk, como estiveram, exceto na frente de guerras?Houve um tempo, de facto, há dois anos, no inverno, em que o Starlink foi crucial, nos hospitais e nas escolas. Mas, agora, muitas dessas instituições receberam linhas de backup e geradores. Ainda que na frente de guerra, sim - especialmente se for um território que tiver sido recentemente libertado. Aí sim, a forma mais rápida de fornecer comunicações é o Starlink..Qual é a sua perspetiva de futuro com a eleição de Donald Trump para a Casa Branca?Bem, nós não começámos esta guerra e nunca pretendemos que ela acontecesse... Não conheço nenhuma pessoa na Ucrânia que queira continuar esta guerra. Eu tenho uma família aqui. Nunca foi minha intenção lutar..Eu acho que, em geral, a mensagem dele, de querer acabar com a guerra, é boa para nós. Mas, claro, é importante saber em que termos isso se fará. .Ao mesmo tempo, ninguém sabe o que [o presidente russo Vladimir] Putin quer. Porque o que Trump quer é apenas uma parte [do problema], talvez metade. A outra metade é o que Putin quer. E ninguém sabe o que será isso. Acho que estamos ansiosos para ver como isso se desenrola. .O que vemos é Putin a agravar a ameaça, até com nova “estratégia nuclear”. Isso assusta-o ou fá-lo mudar de opinião de alguma forma?Não. A minha perceção é de que ele está a fazer bluff. Claro que em tempos como estes devemos considerar a ameaça seriamente, não se trata de dizer: “Oh, é bluff, não fazemos nada!” Mas já há três anos que estou a viver este pesadelo. E depois de tanto tempo, aprende-se a ignorar este tipo de coisa. Porque se uma pessoa se concentrar apenas nisso, vai enlouquecer..Tecnologia ucraniana com ligações a Portugal.O inovador portal imobiliário baseado em blockchain ProprHome, uma startup sediada em Portugal, recorre a programadores ucranianos. Quando, em agosto do ano passado, o DN conversou com o seu fundador, o irlandês John McCoy, este só tinha elogios para a equipa que, mesmo sob os bombardeamentos, conseguiu desenvolver o software necessário para pôr o projeto “a andar”..Hoje, são várias das mais de 5.000 empresas participantes na CodeUA que já têm algum projeto ligado ao nosso país. Entre as mais conhecidas, segundo a assessoria do Governo ucraniano, contam-se a Sigma Software, a Intellias, a Spalah Tech e a DMarket.