Albinismo: a condição genética que tem o sol e feiticeiros como inimigo
A Kanimambo trabalha a partir de Moçambique e apoia as pessoas com albinismo com materiais de proteção solar e com missões de dermatologia e oftalmologia.
Desprezados, maltratados, conotados com feitiçaria e mortos para "dar sorte", pois vivos "dão azar". Estas são as realidades com que as crianças e adultos com albinismo têm de lidar, principalmente em África. É contra esta violenta discriminação que luta a Organização Não-Governamental Kanimambo em Moçambique, país que no próximo 13 de junho vai assinar o Dia Internacional para a Consciencialização do Albinismo.
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Esta condição genética - que afeta as pessoas tanto em termos de saúde, como em termos sociais - surge da produção insuficiente de melanina e por isso há uma ausência total ou parcial de pigmento na pele, cabelo e olhos. As pessoas com esta condição têm olhos muito sensíveis à luz e a pele suscetível a queimaduras solares por isso precisam de utilizar protetor solar e óculos de sol com proteção UV e óculos graduados. Estes elementos são benéficos para a sua saúde pois, em média, uma pessoa com albinismo tem uma esperança média de vida de até 40 anos. Esta condição não é contagiosa apesar de muitas pessoas em África acreditarem que sim.
Pode nascer uma pessoa com albinismo em qualquer país do mundo, no entanto, em África este número é maior. Segundo dados recolhidos pela instituição de caridade Under the Same Sun, na Europa e na América do Norte o nascimento de crianças com albinismo ocorre na frequência de 1 em cada 17 000 a 20 000, enquanto que em África esta frequência pode atingir 1 em cada 1000. Como estas pessoas têm uma cor de pele diferente do resto da sua família, surgem muitos mitos e falsas crenças.
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Além do sol, a feitiçaria é um dos inimigos do albinismo. Também os movimentos dos olhos e da cabeça, que estão relacionados com os problemas de visão, são erradamente associados a bruxaria. O difícil acesso ao sistema de saúde faz com que as famílias recorram a feiticeiros que alimentam ideias erradas sobre o que é o albinismo. "Segundo os mitos, pessoas com albinismo vivas dão azar à aldeia e aquela comunidade, mas mortas dão sorte, e isso é confuso", explica Matilde Carvalho, responsável da comunicação da Kanimambo, que é reconhecida como ONG desde 2016.
Por supostamente darem sorte quando estão mortos, as pessoas com albinismo são atacadas, mortas e partes dos seus corpos são traficadas. Por exemplo, o cabelo destas pessoas é usado pelos pescadores que os colocam nas canas para pescarem mais. Outras partes do corpo são traficadas para preparar amuletos, talismãs e poções.
Vários pais também abandonam as famílias por acharem que os filhos com albinismo são resultado da infidelidade conjugal. "Faz muita confusão dentro do mesmo casal haver filhos com a coloração de pele absolutamente normal e depois haver outros albinos", explica Miguel Anacoreta Correia, presidente do Conselho de Fundadores da Kanimambo.
O responsável explica que os problemas para pessoas que nascem com albinismo surgem logo ao nascimento, com a rejeição da família, que acredita nos preconceitos impostos pela comunidade. Quando chegam à escola, são vítimas de bullying e crianças que eram espontâneas e gostavam de brincar e saltar, acabam por ficar tímidas pela diminuição nas relações a que são sujeitos. Apesar de todas estas situações complicadas, também reforçam os casos de pessoas com albinismo que conseguiram ter sucesso apesar da sua condição, mas sem deixar de dizer que ainda são casos excecionais. Matilde Carvalho apresenta o caso de Anifa Langa, "ela é uma apresentadora de televisão em Moçambique, muito conhecida e que demonstra uma confiança enorme apesar da sua condição".
A Kanimambo atua em Moçambique nas cidades de Maputo, Inharrime, Gorongosa e Nampula, e pontualmente em algumas cidades como Manica, Tete, Niassa e Cabo Delgado. Além de levarem materiais de proteção solar, também fazem missões de dermatologia e oftalmologia em que acompanham pessoas com albinismo. Com a pandemia tiveram de parar pois não era possível viajar até Moçambique, no entanto o acompanhamento manteve-se, mesmo à distância.
"Aconteceu, por exemplo, o caso de uma bebé que apareceu com queimaduras na cara e a nossa ponte de ligação lá, enviou uma foto pelo WhatsApp à nossa presidente a perguntar o que era preciso fazer. Entrámos logo em contacto com dermatologistas, que disseram o que devia ser feito, e passado uma semana recebemos uma foto da menina já sem feridas", conta Matilde. Apesar de não ser possível o apoio no terreno, a Kanimambo continua a fazer o seu trabalho e criou confiança suficiente junto das pessoas, para continuar a receber pedidos de ajuda.
A ONG também faz sensibilização em escolas, para dar informação às crianças e até aos próprios professores de forma a desmistificar o que é o albinismo e o preconceito à sua volta.
Segundo Miguel Correia, as grandes vitórias da ONG têm sido a nível médico, mas "sobretudo sentirmos em Moçambique, que cada vez mais pessoas se voluntariam para trabalhar". Além destas vitórias, sentem que estão a recolher cada vez mais confiança. "Por exemplo, quando fomos pela primeira vez a Nampula as pessoas não queriam ir às consultas com medo de serem referenciadas pelos traficantes. Foram onze pessoas para as consultas. No ano seguinte havia 50 pessoas".
Dismistificar o albinismo e apoiar quem tem esta condição genética pode não ser sempre fácil, mas a Kanimambo continua a fazer o que pode por estas pessoas.
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