Mariupol. A luta diária pela sobrevivência numa cidade devastada 

Quem escapou aos bombardeamentos em Mariupol tem mais interrogações do que certezas.

Numa outra vida, há não muito tempo, Inna era cabeleireira. Agora passa os dias à cata de comida e água, numa luta para simplesmente sobreviver na cidade ucraniana de Mariupol, sob ocupação russa. "Corro para encontrar um ponto de distribuição de água. Depois, corro para onde estão a distribuir pão. Depois vou para a fila para obter rações", disse a mulher de 50 anos.

Após um cerco de semanas, as forças separatistas russas e pró-Moscovo tomaram o controlo quase completo da cidade banhada pelo Mar de Azov, no sudeste da Ucrânia, em meados de abril. Numa recente visita dos meios de comunicação, organizada pelas forças russas, os jornalistas da AFP viram uma cidade em grande parte calma, além do rumor abafado de explosões vindas da direção da siderurgia Azovstal, o último refúgio das forças ucranianas.

Depois de viverem durante semanas em abrigos subterrâneos ou fechados em casa, os residentes de Mariupol estão a emergir para encontrar na sua cidade portuária, outrora vibrante, uma ruína devastada. Num bairro oriental, nenhum dos blocos de apartamentos da era soviética de nove andares que revestem as ruas está intacto. As fachadas dos edifícios estão carbonizadas e rasgadas por bombardeamentos, e alguns desmoronaram-se por completo. As lojas foram saqueadas e podem ser vistas várias campas recém-escavadas. Não há água corrente, nem eletricidade, nem gás, nem rede móvel e nem internet. A vida quotidiana é dominada pela caça ao mais básico dos bens essenciais.

No dia em que a AFP esteve na cidade, as autoridades separatistas organizaram a distribuição de ajuda em frente aos muros esburacados e janelas estilhaçadas de uma escola. Cerca de 200 pessoas juntaram-se à volta de um camião militar enquanto voluntários distribuíam pacotes alimentares marcados com a letra Z, que simboliza o apoio à campanha militar da Rússia na Ucrânia. Não muito longe, dois camiões-cisterna distribuíram água potável.

"Não vivemos, sobrevivemos", disse Irina, uma designer de videojogos de 30 anos, com o pequeno focinho de um Yorkshire Terrier a sair da sua mochila. Muitos residentes da cidade - que acolhia cerca de 450 mil pessoas antes do conflito - fugiram à medida que as forças russas avançavam. Os que ficaram para trás agora têm pouca esperança de poder partir. "Gostaria de ir, mas para onde?", pergunta Kristina Burdiuk, de 25 anos, que ia para casa com as suas duas meninas, cada uma abraçada a um grande pão ao peito. Para esta farmacêutica "não resta nada" noutros locais na Ucrânia, "já há tantos" ucranianos na Polónia e a Rússia não é uma opção.

Burdiuk disse ter visto famílias dentro de carros cravejados de balas quando tentaram fugir da cidade no início do cerco. Por isso, prefere ficar em Mariupol, com o marido, a mãe e a avó. Ela planeia aceitar ofertas de trabalho das novas autoridades, como limpar escombros, remover corpos ou ajudar na desminagem, com o salário agora pago em rublos russos. "Estou pronta a fazer tudo", disse.

Irina, a designer de videojogos, diz que não pode trabalhar sem internet ou linhas telefónicas e - muito pior - não pode comunicar com a família. Está preocupada com a irmã gémea que, da última vez que ouviu falar, estava em Kiev. "Quero dizer-lhe: "Estou viva, a tua irmã está viva"."

As únicas fontes de informação são um canal pró-russo que pode ouvir no rádio a pilhas de um vizinho, ou os rumores que se espalham entre vizinhos. Durante a distribuição da ajuda, uma mulher de cerca de 60 anos começou a interrogar um funcionário e em breve formou-se um grupo à volta. "Quando vamos receber as pensões? Quando é que as escolas vão reabrir? E as lojas?", perguntaram. "Estamos a fazer o nosso melhor", disse o funcionário, vestido com um camuflado e boné militar. "A prioridade é garantir a segurança e a limpeza." Apesar da presença de vários soldados armados, um jovem exaltou-se: "Fizemos perguntas concretas, dê-nos respostas concretas!"

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG