“A extensão das eleições para a segunda volta tem sido um símbolo do exercício da democracia”
Os resultados da votação da primeira volta da passada sexta-feira indicam que um candidato reformista e um ultraconservador passaram à segunda volta, tendo o reformista conquistado mais votos. Serão estes primeiros resultados um sinal de que os iranianos querem uma mudança?
A mudança, por sua vez, é um símbolo da democracia. É um símbolo do exercício do direito. Desde o colapso da monarquia em 1979, a República Islâmica do Irão tem realizado eleições nacionais importantes quase todos os anos.
Apenas pouco mais de 40% dos 61 milhões de eleitores inscritos participaram na primeira volta - um recorde negativo de participação. Qual é a sua explicação para esse cenário? Sem esquecer também que, das 13 eleições presidenciais anteriores no Irão, desde 1979, apenas uma conduziu a uma segunda volta, que ocorreu em 2005.
Nesta sexta-feira, 5 de julho, assistimos à realização das 43.as eleições em todo o Irão, e no mundo. Para esta eleição, além de 60 mil urnas em diferentes regiões do vasto país do Irão, foram também instaladas 344 urnas em 138 países do mundo, duas das quais em Portugal. Uma fixa em Lisboa e uma móvel a caminho entre Lisboa e o Porto, onde conseguimos recolher os votos dos iranianos residentes no Porto, Aveiro, Coimbra e outras cidades próximas. É claro que um país como o Canadá, que afirma ser um país democrático, privou sistematicamente centenas de milhares de iranianos elegíveis deste direito e não permitiu o estabelecimento de urnas eleitorais neste país. De tal forma que alguns cidadãos iranianos que viviam no Canadá tiveram que viajar para a América [EUA] para votar.
O que acha que acontecerá na segunda volta? A participação será ainda menor? Ou poderá uma segunda volta entre um reformista e um ultraconservador atrair mais pessoas às urnas?
Na última semana, vimos o sr. Pezeshkian e o sr. Jalili chegarem à segunda volta das eleições e envolverem-se em muitos debates desafiantes. Um ponto muito impor-tante é que estes debates foram notados e acompanhados de perto por dezenas de milhões de iranianos. De tal forma que estes programas passaram a ser os programas de televisão e rádio mais vistos e ouvidos na última semana (cerca de quatro vezes mais do que os jogos de futebol do Euro 2024). Ao que tudo indica veremos uma repetição da participação da primeira volta e até um aumento.
Como interpretam as autoridades iranianas esta baixa participação eleitoral, que ocorreu nas últimas eleições e também nestas eleições presidenciais?
No Irão, ambos os candidatos afirmam estar a implementar novos programas para melhorar o bem-estar e a subsistência da população. O declínio na participação eleitoral nestas eleições, em comparação com eleições anteriores no país, levantou questões a muitos responsáveis, incluindo o Líder do Irão, e as causas e fatores estão a ser investigados. A extensão das eleições para a segunda volta, apesar dos enormes custos, tem sido um símbolo da correção do processo eleitoral e do exercício da democracia, e trouxe mais entusiasmo às diferentes classes sociais. É muito importante para as autoridades iranianas, especialmente para os dois candidatos que chegaram à segunda volta, conhecerem os desejos e expectativas dos ausentes na última volta das eleições. Especialmente porque milhões de iranianos, apesar de não terem participado na primeira volta das eleições, assistiram a debates televisivos em vez de assistirem aos populares jogos de futebol do Euro 2024 e outros programas. Este ponto é muito importante e instrutivo por si só e aumenta o nível de expectativas do próximo presidente.
Apesar dos últimos 45 anos desde a vitória da Revolução Islâmica Iraniana, que é apenas cinco anos mais jovem do que a Revolução Portuguesa, e do enorme custo, ainda assistimos à continuação da política de propagação do ódio e de criação de desespero entre o povo iraniano, pelos media do mundo ocidental. A aplicação de todos os tipos de sanções opressivas contra a nação iraniana, por um lado, e o entoar de slogans demagógicos e o semear do desespero, por outro, constituem uma violação grosseira da democracia e do direito internacional. No entanto, a nação iraniana está ciente disso e a nossa rica civilização e cultura não permitirá que esta política desumana tenha sucesso.
ana.meireles@dn.pt