A antiga presidente do governo da Cidade do México foi eleita sucessora de AMLO com a maior vitória dos últimos 24 anos.
A antiga presidente do governo da Cidade do México foi eleita sucessora de AMLO com a maior vitória dos últimos 24 anos.YURI CORTEZ / AFP

A cientista ambiental que faz história e vai liderar um México de desafios

A violência criminal, a taxa de pobreza, o fluxo migratório e a relação com os Estados Unidos são alguns dos problemas que esperam Claudia Sheinbaum, a primeira mexicana a ser eleita presidente naquele país.
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Claudia Sheinbaum foi eleita este domingo a primeira mulher presidente do México com uma vitória esmagadora, a maior desde que terminou o sistema de um só partido em 2000. “Quero agradecer aos milhões de mulheres e homens mexicanos que decidiram votar em nós neste dia histórico”, afirmou à multidão que celebrava a sua vitória já na madrugada de ontem. “Eu disse desde o início, não se trata apenas de eu chegar aqui, mas de todas nós chegarmos aqui. (…) Não vou falhar-vos!”, prometeu. A antiga presidente do governo da Cidade do México, de 61 anos, numa altura em que ontem já estavam contados 80,09% dos votos, conseguira 58,79% de apoio, uma margem de cerca de 30 pontos face à sua principal rival, a candidata da oposição Xochitl Galvez.

Sheinbaum deve grande parte de sua popularidade ao presidente cessante, Andrés Manuel Lopez Obrador, fundador do partido de esquerda MORENA (ao qual também pertence), que tem um índice de aprovação de mais de 60%, mas que, pela Constituição, só pode cumprir um mandato, que termina a 1 de outubro. AMLO, como também é conhecido, deu os parabéns à sua aliada com “todo o meu carinho e respeito”. Além de ser a primeira mulher a liderar o México, “ela também é a presidente possivelmente com mais votos obtidos na história do nosso país”, disse o ainda presidente. 

Quase duas décadas depois do então presidente Vicente Fox ter descrito as mulheres como “máquinas de lavar roupa de duas pernas”, o México elegeu uma mulher para liderar o país, com Sheinbaum a falar sobre o desejo das mulheres de “viver sem medo” e criticando o estereótipo de que uma mulher é “mais bonita quando fica de boca fechada”.

Mas com poucas propostas concretas, alguns temem que esta mudança histórica seja pouco mais do que simbólica no que diz respeito ao avanço das mulheres, embora Sheinbaum tenha dito que consideraria replicar algumas das medidas implementadas durante o seu mandato como presidente do governo da Cidade do México, como a nomeação de um promotor dedicado aos feminicídios e uma lei para expulsar os agressores domésticos da casa da família. “A noção de que, porque o presidente é uma mulher, algo necessariamente vai mudar, não é correta”, refere o antropólogo Matthew Gutmann, da Universidade Brown. 

Delicada relação com os EUA

A presidente eleita do México enfrenta uma série de outros enormes desafios, incluindo a gestão da migração, as relações delicadas com o vizinho Estados Unidos e a violência criminal que faz com que os assassinatos e os sequestros sejam ocorrências diárias. Mas também a redução da taxa de pobreza, atualmente superior a 30%, e a mitigação do impacto crescente das alterações climáticas.

Apesar da política de “abraços, não balas” de AMLO para combater o crime, cerca de 80 pessoas são assassinadas todos os dias no México, incluindo cerca de 10 mulheres e meninas, e mais de 100 mil pessoas estão desaparecidas. “A ameaçadora propagação do crime organizado e dos cartéis é o problema mais assustador que Sheinbaum terá de enfrentar”, defende Michael Shifter, do think tank Diálogo Interamericano. Sheinbaum prometeu erradicar a impunidade e, tal como AMLO, concentrar-se nas causas da violência, através da expansão de programas para jovens, mas também fortalecer a Guarda Nacional e as agências de inteligência. Esta violência faz também com que milhares de mexicanos procurem asilo nos Estados Unidos, um ciclo que terá de ser quebrado.

A relação do México com os Estados Unidos é delicada e complexa, com Washington a pressionar o seu vizinho para que faça mais para conter os fluxos transfronteiriços de drogas e migrantes. Laços que poderão tornar-se ainda mais desafiantes se Donald Trump regressar à Casa Branca. Ontem, o presidente Joe Biden disse esperar um trabalho conjunto “no espírito da parceria e amizade”.

A futura presidente mexicana vai ainda herdar um défice fiscal de quase 6% do Produto Interno Bruto, o maior num quarto de século, apesar das promessas de austeridade de AMLO.

Dama de gelo

Claudia Sheinbaum é uma cientista ambiental e esquerdista dedicada, conhecida por manter a cabeça fria em tempos de crise. É uma aliada próxima do ainda presidente, Andrés Manuel López Obrador, mas ao contrário do seu mentor “não é populista”, descreve Pamela Starr, professora da Universidade do Sul da Califórnia.

Passou vários anos como investigadora na Califórnia, onde se tornou fluente em inglês, tendo feito parte do grupo de mais de 600 académicos que colaborou no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas que, a par de Al Gore, venceu o Nobel da Paz em 2007.

O seu primeiro cargo público foi como ministra do Meio Ambiente da Cidade do México, entre 2000 e 2007, tendo ganho notoriedade como presidente do governo da capital mexicana, cargo que abandonou no ano passado para se lançar na corrida à sucessão de AMLO. 

A carreira política de Sheinbaum foi às vezes marcada por controvérsias e tragédias. Em 2017, um forte terramoto causou o colapso de uma escola em Tialpan, distrito no sul da Cidade do México, onde era a autarca local, matando 26 pessoas, incluindo 19 crianças. Na altura, negou que as irregularidades na construção fossem de responsabilidade do seu gabinete, tendo sido eleita presidente da Cidade do México no ano seguinte. Em 2021, um troço da linha elevada do metro desabou, matando 26 pessoas e ferindo dezenas de outras. Sheinbaum rejeitou as acusações de que a culpa era dos cortes orçamentais.

“Ela tem uma capacidade impressionante de análise, de leitura de dados e de encontrar soluções muito práticas”, sublinhou Tatiana Clouthier, ex-ministra da Economia e porta-voz da sua campanha presidencial. “Apesar de ser uma cientista, ela é uma espécie de lutadora social, o que constitui uma combinação muito boa de coração e mente”, acrescentou.

“Governar é tomar decisões. É preciso tomar uma decisão e assumir as pressões que dela podem advir”, disse Sheinbaum. Xochitl Galvez, a sua principal adversária nas eleições deste domingo, rotulou-a de “fria e sem coração”, uma verdadeira “dama de gelo”.

ana.meireles@dn.pt

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