"1948 em Berlim foi certamente quando a Guerra Fria aqueceu!"

Berlim em 1945 era simbólica como capital da Alemanha nazi derrotada ou realmente estratégica a pensar no pós-Segunda Guerra Mundial?
Berlim em 1945 era uma cidade em ruínas. A maioria dos edifícios foi reduzida a escombros e não havia comida, água, eletricidade, gás ou governo em funcionamento. No entanto, a cidade era vista como o maior prémio de todos - especialmente pelo regime soviético. Estaline estava determinado a que o Exército Vermelho entrasse na cidade antes dos americanos e dos britânicos, ciente do valor propagandístico da capital de Hitler ser capturada pelo seus próprios militares. A fotografia icónica, Bandeira Vermelha sobre o Reichstag, não foi acidental. Foi encenada, deliberadamente, para mostrar ao mundo que os soviéticos, e só eles, tinham capturado a capital de Hitler.

Quão dividida estava a cidade em termos de vida quotidiana durante a ocupação pelos quatro Aliados - União Soviética, Estados Unidos, Grã-Bretanha e França? Era possível morar num setor e trabalhar noutro? Afinal, o célebre Muro foi construído apenas em 1961.
Nos primeiros tempos da ocupação, até ao início de 1946, era possível circular livremente entre os diferentes sectores. Os documentos de identidade eram inspecionados e havia postos de controlo, mas a vida não era muito restrita. Tudo isto mudou em 1946, quando houve um aumento dramático nas tensões entre os soviéticos e os seus "parceiros" ocidentais. Tornou-se cada vez mais difícil movimentar-se entre os sectores oriental e ocidental. Houve detenções frequentes e - para cientistas e médicos - um risco real de serem raptados e levados para a União Soviética.

Para Estaline, controlar toda a Berlim era uma forma de testar a determinação dos aliados ocidentais?
Sim, Estaline não acreditava que fosse possível que os sectores ocidentais de Berlim fossem abastecidos por via aérea. Ele testemunhou o fracasso da tentativa alemã de fazer isto em Estalinegrado durante a Segunda Guerra Mundial. O líder soviético estava convencido de que se fechasse as rotas rodoviárias e ferroviárias para os sectores ocidentais, os americanos, britânicos e franceses não teriam outra opção senão capitular.

Quão decisiva foi a atitude da Alemanha Ocidental, e dos alemães de Berlim Ocidental, durante a crise?
A figura-chave em Berlim Ocidental na época era o presidente de câmara eleito, Ernst Reuter. Sendo um mestre em discursos, que sabia que estava a falar num cenário mundial, implorou publicamente às potências ocidentais que fizessem tudo o que estivesse ao seu alcance para salvar Berlim Ocidental dos soviéticos. Os seus discursos de elevação do moral ajudaram os habitantes a suportar condições extremamente difíceis durante o bloqueio.

A União Soviética tornou-se nuclear apenas em 1949. Se o Ocidente corresse o risco de perder o braço de ferro com os soviéticos, a opção nuclear dos americanos estava em cima da mesa?
É verdade que os americanos detinham o monopólio da energia nuclear nesta altura, mas não consigo imaginá-los a utilizar uma bomba nuclear contra a União Soviética neste período. Preferiram vencer o bloqueio de Berlim organizando a maior ponte aérea da história, que provasse ao mundo a sua superioridade tecnológica e logística.

1948, por causa do bloqueio de Berlim, foi o verdadeiro início da Guerra Fria?
1948 foi certamente quando a Guerra Fria aqueceu! Mas prefiro datar o início da Guerra Fria na primavera de 1946. Foi quando Churchill fez o seu famoso discurso da "Cortina de Ferro", e foi também quando um diplomata soviético no Canadá, Igor Gouzenko, desertou para o Ocidente, confessando que os soviéticos estavam a espiar o programa nuclear americano. Isso significou o fim da aliança em tempo de guerra.

Gilles Halton publica agora Xeque-mate em Berlim - O confronto da Guerra Fria que moldou o mundo moderno, mas a Vogais traduziu já para português outro dos seus livros: Guerra Suja de Churchill - A incrível história das operações clandestinas da Segunda Guerra Mundial.

leonidio.ferreira@dn.pt