“É importante que o português seja visto como uma terceira língua para os hispânicos nos EUA”
Hugo Moreira /Sister Cities Summit

“É importante que o português seja visto como uma terceira língua para os hispânicos nos EUA”

Diretor do Portuguese Beyond Borders Institute da Universidade de Fresno State, na Califórnia, Diniz Borges esteve em Ponta Delgada para o Sister Cities Summit da FLAD.
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Quando falámos em 2018, o Diniz contava-me como a imagem de Portugal nos EUA era muito diferente então do que era quando chegou à América em 1968. Hoje ainda se nota mais que Portugal está na moda, tanto entre os jovens da comunidade como entre os americanos?

Sim, sim. A imagem de Portugal hoje é totalmente diferente do que era há 20, 30 anos e também é diferente do que era há 6 ou 7 anos. Evoluiu bastante. O melhoramento nos transportes, haver voos diretos da costa oeste para Lisboa, veio tornar ainda mais fácil viajar. Portugal está mais presente nos media, nas redes sociais, é uma questão de acesso. As pessoas não têm de passar por dois ou três aeroportos para chegar a Portugal. Quem vem gosta muito e até há muitos que querem ficar. Os miúdos chegam e falam de Portugal, passam aos amigos, às famílias. Costumo dizer que por cada casal americano que vem a Portugal, é boa publicidade para pelo menos mais 40 ou 50 pessoas sem se pagar. E na comunidade também. Há já uns anos que há este orgulho no país e nos antepassados... É uma mistura entre orgulho no Portugal moderno, mas orgulho naquilo que os antepassados conseguiram fazer saindo de um país que na altura, antes do 25 de Abril, era muito diferente. Há da parte dos luso-americanos um grande orgulho no que os avós puderam fazer, vindo de onde vieram, muitos deles analfabetos ou à beira do analfabetismo, com baixos índices escolares. E do que construíram, não só em termos económicos, mas também em termos sociais e culturais.

Há esse orgulho, essa ligação às raízes, mas para as novas gerações manter a ligação à língua portuguesa é mais complicado?

Muito complicado. Os açorianos, normalmente, são péssimos em transmitir a língua aos seus descendentes, mais do que os continentais.

Porque será?

Acho que tem a ver com a regularidade com que as pessoas vinham a Portugal. Os açorianos foram sempre uma emigração para ficar. E, portanto, havia que falar inglês, para os filhos entrarem no mundo americano. Não quer dizer que os continentais não queriam isso para os filhos, aliás, têm feito um trabalho magnífico, com os filhos a também irem para as universidades. Mas há uma tradição na comunidade de Portugal Continental - que está a desaparecer - particularmente nas zonas de New Jersey, Nova Iorque, Connecticut, de vir a Portugal um mês no verão. E se não podiam vir um mês, muitas famílias vinham por duas semanas e os filhos ficavam com os avós até ao fim das férias. Isso é uma ótima escola de português. Agora, temos que olhar para a parte oficial. Nós queremos sempre dizer que temos muita gente a aprender português na Califórnia, mas a realidade é que não temos. A realidade é que há 4.400 escolas secundárias na Califórnia e temos 14 a dar português. Mas há planos que eu acho interessantes e que as cidades podiam facultar. É um diálogo para se ter e que passa por promover o português como veículo para uma terceira língua. Nós temos, em ambas as costas, não só da Califórnia, uma grande percentagem de falantes de espanhol. E muitas vezes quando os filhos destes vão para uma escola secundária, que é onde se aprendem as línguas, normalmente vão tirar espanhol, língua que já sabem, porque é fácil. Mas se nós conseguirmos convencê-los que, com um bocadinho de esforço, porque há muitas semelhanças entre português e espanhol, eles podiam ser trilingues... Isso iria abrir-lhes outro mundo. Já sabem o espanhol, o inglês que é a língua do país, e depois o português... Quando dei aulas numa escola secundária, no nosso clube português, tínhamos um grupo de modas folclóricas e várias das minhas alunas eram mexicanas. Estavam a aprender português, e a aprender o folclore português. Uma vez o pai de uma aluna veio ter comigo e perguntou-me se eu falava espanhol. Eu disse-lhe que falo orgulhosamente portunhol [risos]. E ele disse-me que a razão pela qual a filha tinha ido estudar português era por ele. Porque ele lhe tinha dito: “Tu já sabes inglês, que é a língua da escola. Falas espanhol em casa. E agora, com o português, tu podes ir do Alasca à Argentina e sabes falar com toda a gente.” Eu disse-lhe: “olha que belo marketing para a língua portuguesa.” Mas é um marketing que é preciso fazer. Porque, particularmente na Califórnia, mas também na Nova Inglaterra e nas outras zonas da Costa Leste, nós portugueses somos muitos, mas estamos divididos em muitas cidades. E abrir um curso de língua portuguesa para filhos, netos ou bisnetos de emigrantes, é convidar o falhanço. Para que isso não aconteça, é importante que o português seja visto como uma terceira língua para os hispânicos. Porque se numa escola temos dez ou quinze alunos interessados, filhos ou netos de portugueses, não é o suficiente para abrir um curso, mas se tivermos mais cem hispânicos, o curso está garantido.

E os americanos, há algum interesse da parte deles pelo português?

Não é muito, mas há. Nas aulas de língua que eu dou na universidade, normalmente tenho cerca de 20 a 25% de americanos interessados. Estão muito interessados no Brasil, mas também em Portugal. Porque está na moda e eles querem viajar para Portugal e aprender algumas palavras. O que, de facto, me surpreendeu foi um curso que dei nos últimos três semestres, que é sobre literatura açoriana, mas em tradução, e uma vasta percentagem dos meus alunos eram americanos. São alunos das ciências agrárias, de economia, das ciências técnicas, mas que têm interesse em aprender. Normalmente é porque conhecem um português. Quando pergunto porque é que estão a tirar este curso sobre literatura dos Açores ou um que dou sobre literatura lusófona, dizem-me “Ah, porque o meu vizinho é português e gostava de saber algo sobre a cultura dele”.

Qual é o nível de conhecimento dos americanos sobre a literatura portuguesa, sobre a cultura? Há algum conhecimento de base ou tem de partir um bocado do zero?

Tem que partir um bocado do zero.

Mesmo entre os lusodescendentes?

Sim, sim. Nas comunidades fazemos coisas interessantes, mas estão muito ligadas à cultura popular, às tradições, no caso das festas religiosas, seja o Espírito Santo, seja a Rainha Santa, seja Santo António, e, portanto, à cultura popular, ao folclore, etc. A literatura em português, mas mesmo em inglês, não… Eu até encontro muitas vezes mais americanos que são leitores, por exemplo, de Saramago, em inglês, do que os lusodescendentes.

"A Katherine Vaz tem promovido a portugalidade em mundos onde esta normalmente não entra".

E aí é importante o papel de escritores como o próprio Diniz, como a Katherine Vaz, etc. Os livros da Katherine, que acabam por ser histórias portuguesas, mas escritas em inglês, logo também para americanos, despertam o interesse?

Sim, a Katherine tem sido uma grande embaixadora da portugalidade nos EUA. E muitas vezes não lhe damos o devido valor. Não o valor literário, mas o valor de embaixatriz da portugalidade. Não diria da língua, porque ela escreve em inglês, e fala inglês, apesar de falar algum português, mas da portugalidade, do espírito do que é ser português. Ela transmite isso nos seus livros, e também em todas as apresentações que faz. Mesmo para uma audiência americana. Tive essa experiência recentemente, quando ela esteve na Califórnia. Ela falou para audiências americanas, de várias etnias, de várias culturas, e falava sempre dos seus livros - agora foi A Linha do Sal, uma história de portugueses da Madeira. Mas ela metia sempre algo, não só o livro e a história do livro, mas sobre as suas raízes do lado do pai. Ela mistura sempre algo sobre a portugalidade nas apresentações e, portanto, a Katherine tem promovido a portugalidade em mundos onde esta normalmente não entra.

"Os portugueses que foram daqui, dos Açores particularmente, há 30 e tal anos, naquela última onda de imigração, esses não têm tanta proximidade ao MAGA. Agora, os que nasceram nos EUA, uma vasta maioria, particularmente nas zonas rurais, são a favor de Trump, apoiam as suas políticas."

Voltando à nossa conversa de há sete anos, na altura dizia-me que o preocupava os jovens lusodescendentes “entrarem num trumpismo que vai contra os princípios portugueses”. Passados sete anos...

A minha preocupação, infelizmente, tornou-se realidade. Eu tinha dúvidas, não sabia. Era um fenómeno novo. Estamos a falar de 2018. Mas os números indicam que os lusodescendentes aderiram. Não só os lusodescendentes, todos os jovens americanos. Os jovens votaram, na minha opinião, assustadoramente, em Donald Trump. E na comunidade da Califórnia, particularmente no Vale de São Joaquim, onde eu vivo, os jovens são maioritariamente conservadores. Mas o conservadorismo, é uma ideologia, como há outras. São formas de olhar para o mundo. Mas, neste caso, muitos até aderiram ao movimento MAGA [Make America Great Again]. Eu vejo isso muito nos jovens lusodescendentes da Califórnia, em todas as comunidades, numas mais que outras, talvez mais nas zonas rurais e menos nas zonas urbanas, mas mesmo nas zonas urbanas encontra-se muito. Aqueles que foram daqui, dos Açores particularmente, há 30 e tal anos, naquela última onda de imigração, esses não têm tanta proximidade ao MAGA. Agora, os que nasceram nos EUA, uma vasta maioria, particularmente nas zonas rurais, são a favor de Trump, apoiam as suas políticas. É irónico, particularmente no meio rural, porque muitos são donos de herdades agrícolas. E todos eles, a vasta maioria dos funcionários que têm são imigrantes clandestinos, da América Latina, do México, da América Central.

Um pouco contraditório, isso...

Totalmente. Aliás, eu tive uma conversa com um deles, não há muito tempo, em que lhe perguntei, quantos funcionários dele eram ilegais? Ele disse que não sabia bem, mas talvez uns 90%. Dizem não saber porque são contratados através de uma agência… E quando lhe perguntei, mas votaste em Trump. O que aconteceria se os agentes de imigração aparecessem na tua herdade? Ele disse que teria que fechar as portas, não teriam ninguém para ordenhar vacas. Mas então porque votaste nele? Porque ele não vai fazer isso porque ele gosta de agricultura.

Esse argumento acaba por estar ligado a esse orgulho dos avós ou dos pais que emigraram de forma legal, que fizeram tudo certo?

As pessoas usam esse argumento. Aliás, até houve um moço que me disse, “ah, o senhor veio legalmente” Às vezes os meus alunos dizem isso. E eu explico que vim com 10 anos. O meu pai e a minha mãe meteram-me num avião com eles, eu não lhes perguntei se eles iam entrar legalmente ou ilegalmente. Sabia que íamos para a América. Da minha geração, aqueles que emigraram em criança vieram legais, mas inconscientemente. Portanto, é um argumento bastante falacioso, mas é o que usam sempre. E eu explico que as pessoas hoje não vieram pelo mesmo processo dos seus pais ou avós porque esse processo já não existe. Nós levávamos seis meses, um ano, no máximo, para vir para os EUA, desde o dia em que começámos o processo até ao dia de entrada. Neste momento, os processos, em certos países, e Portugal é um deles, levam até sete ou nove anos. Número dois, se as pessoas vêm é porque há trabalho. E digo-lhes: ‘Se vocês não empregassem clandestinos, eles não viriam’. E o que é que eles dizem? ‘Ah, mas nós não sabemos’. E quando pergunto: ‘porque é que vocês, pessoas com rendimentos mais baixos, votam no Trump?’ A resposta é ‘porque vai reduzir os impostos’. Mas ele vai reduzir as impostas a quem faz mais de 450 mil dólares por ano. Vocês fazem 10% disso. E as pessoas dizem, ‘ah, mas alguma coisa vai chegar a nós’. É uma espécie de culto. E quando o ser humano adere a um culto, arranja as mais pequenas razões para o defender.

Com as eleições intercalares em 2026 e as presidenciais em 2028, os democratas têm de arranjar uma alternativa que convença os eleitores americanos?

Neste momento, os democratas são um partido sem ordem. Se eles não ganharem a Câmara dos Representantes nas intercalares, se os republicanos mantiverem a maioria - a margem é de apenas cinco congressistas - eu tenho muito receio que a democracia americana esteja em jogo. Já está em jogo neste momento. Mas que fique mesmo em jogo. Estamos a um ano e pouco das eleições e se o presidente não descarrilar, há a possibilidade de ele manter ou até aumentar o número de congressistas. Nesse caso, eu penso que a partir de 2026 e até 2028 a democracia - e já tivemos vários assaltos ao Estado de Direito nos últimos quatro, cinco meses - esteja em perigo. Tenho muito receio, não por mim, que tenho 66 anos, mas não gostava de morrer num Estado que não fosse democrático depois de ter saído de Portugal em 1968. Tenho mais receio pelos meus filhos e pelos meus netos. Há a América do multiculturalismo, dos sonhos, independentemente da nossa cor, da nossa raça ou religião, etc. Mas tudo isso fica em perigo se os democratas não ganharem. Se ganharem, não espero que façam grandes mudanças mas pelo menos podem bloquear tudo, como os republicanos fizeram nos últimos dois anos de Barack Obama. O Congresso controla todas as comissões, é uma forma de equilibrar os poderes.

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