Depois de o PAN ter sido um dos partidos que conseguiram aprovar mais propostas de alteração nos orçamentos do PS, reconhece que isso será muito mais difícil neste ano?Nós esperamos que o Governo do PSD, mas também do CDS, não fique orgulhosamente só nas suas próprias propostas e visões, porque seria mau para os portugueses e para a democracia. Este Orçamento traz alguns retrocessos que não podemos aceitar. Seja na proteção animal, ao não consagrar de forma expressa as verbas para a proteção animal, ou na cedência do Governo da AD ao Chega no IVA da tauromaquia - baixar esse IVA parece-nos absolutamente inaceitável - ou na emergência climática, pois corta 700 milhões de euros à política climática e penaliza as famílias com a taxa de carbono..O Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) superou as vossas piores expectativas?Sabíamos que o Governo tinha a intenção de apresentar um Orçamento que fosse curto e enxuto, mas não esperávamos que fosse vazio de visão estratégica para o país, a médio e longo prazo. Não podemos ter um Orçamento que beneficie quem mais lucra e polui, e penalize as famílias; que beneficie quem quer maltratar animais e penalize famílias e associações de proteção animal. Tem de ser um Orçamento que tenha sensibilidade e visão do século XXI, o que claramente não acontece, na leitura que fazemos. É preciso que o Governo esteja disponível para continuar o diálogo, e não o monólogo, sendo certo que o PAN fará este diálogo com todas as forças políticas para garantirmos que as nossas preocupações ficam expressas no OE2025..Nas reuniões com o Governo havia sinais de abertura que tenham aumentado a vossa desilusão?Muito poucos. Como em todos os outros processos orçamentais, o PAN levou o seu caderno de encargos, um conjunto de medidas que foram desde a valorização de profissionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), bombeiros e médicos veterinários, que têm os serviços taxados a 23%, quer na dimensão social, por exemplo na crise da habitação e nas pessoas em situação de sem-abrigo, que ficaram de fora do Orçamento. Tivemos o cuidado de levar um conjunto de medidas alinhadas com a nossa visão de uma economia verde e de progresso, mas ao contrário de outros anos, houve muito pouco retorno dessas preocupações. Neste momento, na especialidade, o Governo já devia estar a dizer aos partidos o que está disponível para valorizar e isso não tem acontecido. Ou, se tem acontecido, só nos bastidores e não nas reuniões que tivemos em anos anteriores..Quando soube que o OE2025 seria viabilizado na generalidade, pela abstenção do PS, disse que isso seria uma oportunidade para corrigir retrocessos que o PAN identificm no documento. Mantém essa crença?Esse esforço terá que partir não apenas do Governo, e dos partidos que o suportam, como o PSD e o CDS-PP, mas também do próprio PS, que viabilizou este Orçamento, por via da abstenção. Parece-nos muito importante este diálogo de aproximação com todas as forças políticas, em particular com as do espectro democrático, para garantir que matérias fundamentais, como o combate à pobreza e o compromisso com a emergência climática ou a proteção animal, ficam inscritas no Orçamento. Não podemos desperdiçar este trabalho de especialidade, nem o próprio Governo da AD ficar orgulhosamente só a aprovar apenas as suas medidas e a sua visão do Orçamento..Até porque não tem maioria absoluta no Parlamento.Precisa do pluralismo das outras forças políticas. Das maiores, mas não nos podemos esquecer que os portugueses, ao longo destes últimos anos, têm tído uma visão bastante plural para a Assembleia da República, com partidos como o PAN a serem também uma alternativa e a poderem estar presentes a defender as causas que até aqui mais ninguém tem representado. O Governo deve também respeitar essa sensibilidade, porque connosco há mais de 126 mil pessoas que nos trouxeram até ao Parlamento..Se Luís Montenegro e Miranda Sarmento lhe garantissem três ou quatro propostas do PAN na versão final do Orçamento, quais escolheria?Precisamos de garantir que a proteção animal fique inscrita, porque não nos faz sentido que uma política de oito anos, que tem passado por garantir apoios às associações e autarquias locais, mas também aos cuidadores e às famílias carenciadas - quando temos mais de metade das famílias portuguesas com animais de companhia -, que esse trabalho fique pelo caminho e sirva até de desculpa para que possam retroceder e voltar a abater animais no nosso país. Esse não é o caminho daquilo que tem de ser uma sociedade progressista e empática para com os animais, e sem dúvida que essa matéria tem de ficar consagrada no Orçamento. Mas não chega. Precisamos de garantir uma descida do IVA dos serviços médicos veterinários e da alimentação para animais, e que não haja uma cedência ao lobby da tauromaquia nem ao Chega, descendo-se o IVA para a aquisição de bilhetes para espetáculos tauromáquicos. Os artistas tauromáquicos já beneficiam de uma isenção de IVA e não nos faz qualquer tipo de sentido que ainda haja mais borlas fiscais para essa atividade, e que maltratar seja mais beneficiado do que cuidar em Portugal. Isto é um paradoxo incompreensível para as pessoas, e é usar os dinheiros públicos da pior forma possível. Por outro lado, no combate à emergência climática não podemos ignorar que temos de adaptar o território aos eventos extremos, que ainda agora vimos em Espanha. É fundamental garantirmos o fim daquelas borlas fiscais previstas para quem mais polui, através das isenções sobre os produtos petrolíferos, que são cerca de 300 milhões de euros, e em contrapartida o PAN defende que haja passes sociais gratuitos para todas as famílias. Esta verba de 300 milhões de euros dá e sobra para que tenhamos um ano de passes gratuitos para todos os utentes em Portugal. E não podemos ter um país em que os jovens não veem futuro para poderem trabalhar e morar, pelo que queremos corrigir o IRS Jovem, para garantir que quem está no último escalão – como alguns jogadores de futebol – fica excluído desse benefício e, em contrapartida, os jovens que ainda moram com familiares, e que fazem parte do seu agregado, possam beneficiar no IRS para conseguirem autonomizar-se. Sabemos que os jovens portugueses demoram mais tempo do que a média europeia para sair de casa precisamente porque não conseguem ter mecanismos de acesso à habitação ou a emprego que lhes permitam pagar as suas contas..Nos contactos com os outros partidos tem visto um caminho para que seja possível fazer as alterações no IRS Jovem que o PAN defende?A ministra da Juventude assumiu nesta segunda-feira que está disponível para limitar os beneficiários do ponto de vista dos ordenados milionários, e que o PSD está disponível para acompanhar a limitação pelo menos até ao equivalente a 55 IAS (cerca de 28 mil euros)..Mas o maior impacto é daqueles que estão a viver em casa dos pais.Nisso ainda não tivemos qualquer retorno, mas o PAN vai continuar a trabalhar para que haja na especialidade essa possibilidade e esperamos que as demais forças políticas nos acompanhem na especialidade, porque precisamos de um Parlamento que dê resposta aos jovens no presente. Muitas destas medidas só vão beneficiar os contribuintes a montante. Quando propomos que as deduções em sede de IRS com crédito de habitação para as famílias possam ser alargadas, algo que acontecia antes de 2011, antes da troika, estamos a falar de uma medida que só terá efeitos práticos em 2026, depois de as famílias pagarem os empréstimos de 2025. É esta visão de médio e longo prazo que o Governo não tem trazido para o Orçamento, deixando-se ir atrás de uma agenda que é populista e comprometida com a extrema-direita, e que não é comprometida com a emergência climática. Precisamos de dar respostas ao país, dentro não só do centro progressista, mas também dos partidos comprometidos com a democracia. Não nos podemos esquecemos que este não é um Orçamento qualquer, é um Orçamento que estamos a discutir no ano em que fazemos 50 anos do 25 de Abril, mas estamos a assistir a retrocessos, quer em matérias de direitos fundamentais, quer também no que deveriam ser os compromissos com o ambiente ou a proteção animal. A revolução de que deveríamos estar a falar deveria ser uma revolução da empatia, uma revolução para a economia verde, e para garantirmos um ambiente sadio para todos, sem exceção, em que não deixemos uma fatura ainda mais pesada para as gerações futuras..Incomoda-a o facto de que, para propostas de alteração do PAN serem aprovadas, possa ter de contar com a abstenção ou o voto favorável do Chega?No PAN não temos preconceito ideológico, nem fazemos cercas sanitárias a propostas de partidos que possam não ter um cunho ideológico semelhante ao nosso, da mesma forma que já votámos favoravelmente propostas do Chega, quando as mesmas vão de encontro àquilo que defendemos. Temos é sempre o cuidado de votar contra propostas que violam os valores que defendemos, e vemos com naturalidade o facto de votarem favoravelmente propostas do PAN que são justas e que dão resposta a um progresso social e civilizacional que tem de ter lugar no nosso tempo. Isso faz parte da matemática parlamentar, e felizmente tem permitido que um conjunto de propostas tenha vindo a ser aprovada ao longo desta legislatura. Mas olhamos com preocupação para uma mimetização de matérias que, em nosso entender, beliscam valores, não só do 25 de Abril, mas também desta sociedade democrática que construímos..O PAN acusa o Governo de ignorar a Lei do Clima, mas esse Governo pretende um descongelamento da taxa de carbono, que lhe permitirá arrecadar mais de 525 milhões de euros no Imposto sobre Produtos Petrolíferos. É uma visão oportunista da política ambiental?Entendemos que é uma política que está mascarada de preocupação ambiental, mas vai penalizar as famílias. Se o Governo estivesse verdadeiramente preocupado com as questões ambientais, retirava as isenções sobre os produtos petrolíferos. A Galp, que tem lucros astronómicos, não precisa da ajuda do Governo, mas as famílias precisam, e a taxa de carbono está a ser colocada por imposição de uma diretiva europeia, mas poderia não ser aplicada na totalidade às famílias. Não nos podemos esquecer que não temos acesso a uma rede de transportes públicos eficiente e que temos capitais de distrito que ainda nem sequer estão ligadas por comboio. Precisamos de apostar no passe único nacional que o PAN tem proposto e olhar para os transportes públicos como um todo, para garantir que são uma verdadeira alternativa para que as famílias possam deixar o carro em casa. Até lá, estar a dizer que se vai implementar a taxa de carbono para as famílias é pernicioso, é estar a prejudicar as famílias, que neste momento já têm dificuldades acrescidas com o empréstimo à habitação, com os arrendamentos e com os próprios alimentos. Não se tem falado assim tanto no assunto, mas o PAN tem insistido em termos o IVA zero para o cabaz essencial. E estamos curiosos para ver se o CDS nos vai acompanhar nessa proposta, porque ainda agora a Organização Mundial de Saúde voltou a alertar que o custo dos alimentos está a atingir valores recorde, com a guerra na Europa e toda esta instabilidade política internacional. Não nos podemos esquecer que já é uma fatura muito cara para as famílias, que as opções têm de ser feitas e que os governos têm que escolher a quem querem dar a mão.