"Está muito presente na história de Portugal a luta com o Islão"
O seu livro fala d"O Islão e o Ocidente. Gostava de desafiá-lo a falar também de Portugal e do Islão, uma velhíssima relação.
Está muito presente, de facto, na história de Portugal a luta com o islão. E o convívio também. Sobretudo depois da conquista de Lisboa em 1147 e até à conclusão da conquista do Algarve. Há também a participação do Exército português numa Península Ibérica alargada, com as batalhas de Navas de Tolosa e do Salado, que aliás os espanhóis muitas vezes omitem. A partir de 1415 temos a guerra de África, nas praças de Marrocos que serve também para o tirocínio dos grandes capitães da Índia, como Afonso de Albuquerque. E depois esse contacto com o Islão no Índico, muito significativo para um lado e para o outro. Com a nossa chegada à Índia, o combate passa a ser com os turcos e os mamelucos, aliados aos sultanatos locais.
A chegada das naus portuguesas dá origem a grandes batalhas?
Sim, há as batalhas de Diu, primeiro com D. Lourenço de Almeida a ser derrotado, e depois em 1509 com a vitória de D. Francisco de Almeida. São feitas várias conquistas. E Afonso de Albuquerque chega a ter um plano para atacar Meca, mas falha porque não consegue tomar Áden.
Mas tem sucesso por todo o Índico, até no Golfo Pérsico...
Sim, os portugueses dominavam já a ilha de Moçambique, depois conquistaram Ormuz. E com Goa como centro controlavam todo o comércio das especiarias no Índico.
Este projeto imperial português no Oriente é comercial. Mas o espírito de cruzada também conta?
Claro. Aliás Camões põe a ser narrado esse episódio em que se pergunta aos portugueses porque vieram tão longe e a resposta é "à procura de cristãos e de especiarias". Há um conjunto de motivações que são comerciais, políticas e religiosas. Ora, este embate com o islão irá ainda perdurar até ao século XVIII, nos tempos de D. João V, mas já num âmbito coletivo, com a batalha de Matapão no Mediterrâneo contra o Império Otomano. E também nesse século perdem-se as últimas possessões em Marrocos. Depois interrompe-se esta relação conflitual.
Não se pode integrar a disputa entre Portugal e a Indonésia, o mais populoso país muçulmano, por causa de Timor, bastião católico na Ásia, na mesma lógica?
Não creio. Neste caso de Timor, a religião o que tem é um papel identitário. E desse papel identitário resulta depois uma consequência política. Uma das razões porque Timor mantém a sua identidade depois de conquistada pela Indonésia é o seu catolicismo. É um fenómeno semelhante ao que se passou na Irlanda, durante a dominação inglesa, e que com o seu catolicismo mantém a identidade nacional.
Tanto Al-Zawahiri, sucessor de Bin Laden à frente da Al-Qaeda, como os seguidores do Estado Islâmico insistem na reconquista do Al-Andaluz, no fundo todo o sul de Portugal e de Espanha. Porquê esse peso na mitologia islâmica?
Estamos a falar do período de maior extensão do poder muçulmano, um século depois de Maomé. Até serem parados em Poitiers. E o califado espanhol que nasce dessa expansão tem um grande significado cultural, de luxo, de requinte. Torna-se um mito, como o grande califado de Bagdad, que surge nas Mil e Uma Noites. São momentos altos que as civilizações relembram sempre, um pouco como nós fazemos com o nosso século de ouro das Descobertas. E é evidente que hoje em dia os que reclamam o califado, o regresso a uma antiguidade ideal e forte, insistam nessas memórias.