A alegria de partilhar uma clínica em vida
É sabido que certas pessoas, em especial aquelas sem descendência, ao chegarem perto do final da vida decidem deixar em testamento a sua casa em nome da Santa Casa da Misericórdia. O que é menos comum é alguém em vida passar o seu negócio para a Santa Casa. Aconteceu em meados de outubro, quando o casal José Augusto e Maria Irene Matos e Silva transferiram a propriedade da Clínica Oriental de Chelas para a SCML.
"Pôs-se um problema em determinada altura da minha vida, em que começo a ver a luz ao fundo da ponte, e perguntei à minha mulher "o que vamos fazer a isto?". Apareceram dois grupos económicos interessados em fazer a aquisição, mas juntar dinheiro a dinheiro não nos valia muito a pena", conta o gerente da clínica, com 75 anos. "Estaríamos mais interessados em que alguém desse continuidade ao projeto, e lancei o desafio à Santa Casa da Misericórdia no sentido não só de o continuar, mas de colmatar algumas lacunas na área da saúde." A maior delas sentiu na sua vida pessoal, quando teve o pai em casa com uma doença oncológica, sem conseguir recorrer a cuidados especializados. "Desde esse dia alimentei sempre a esperança de implementar um serviço de paliativos."
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A outra especialidade que vai estar disponível a seu pedido naquela clínica fundada em 1978 por duas médicas é a senologia. "Aqui a mulher acorre numa fase inicial para acompanhar a gestação. Depois de ter o bebé, acompanha na área da mama e na sua manutenção ginecológica, acompanha na parte dentária. E na fase final de vida vai para a medicina física e de reabilitação e faltava o último estádio da vida, que é estar em casa e eventualmente com alguma doença que careça de paliativos Foi esse ciclo que concebi na minha cabeça, que fui alimentando ao longo da vida e que a Santa Casa da Misericórdia se compromete a instaurar", explica. José Augusto Matos e Silva é proprietário de uma clínica de medicina física e de reabilitação metros ao lado da Clínica Oriental de Chelas.
Para que o acordo se concretizasse a SCML atendeu ainda a outros dois quesitos do benemérito: que este possa continuar a frequentar o espaço, enquanto consultor, e que o nome da clínica não seja alterado. Este beirão natural da vila de São Romão não compreende as reações negativas ao nome do bairro situado na freguesia de Marvila, dando como exemplo um antigo presidente da junta e um amigo seu, advogado, que defendiam a mudança de nome. "E eu, oh pá, não! Foi uma embirração minha, que eu sou muito disto. Não, há de ficar o nome Chelas. A freguesia de Marvila é das maiores zonas de Lisboa e se formos a ver o único nome de Chelas [nos estabelecimentos] é o da clínica. É um galardão também", diz, juntando-o a títulos na gestão (PME Líder e PME Excelência). "Somos hoje, sem falsas modéstias, uma clínica de referência na área da imagiologia, sobretudo obstétrica, à qual acorrem cerca de 80 a 100 grávidas por dia", informa.
Um "homem prático", como se descreve, Matos e Silva começou os estudos superiores em Histórico-Filosóficas, em Coimbra, mas foi chamado a cumprir o serviço militar e já não voltou. Em Lisboa, também iniciou estudos em Antropologia, mas foi mais tarde, já a trabalhar no setor bancário, que completou o curso de Relações Públicas no Instituto das Novas Profissões. Aos 27 anos, "pela mão do engenheiro Jardim Gonçalves", foi nomeado gerente do Banco da Agricultura. "Fui o gerente mais novo do país, segundo o sindicato na altura." Esteve na banca até 1988, ano em que se sentiu preterido por "razões políticas" e decidiu dedicar-se à Clínica de Chelas, na qual era desde 1980 um dos sócios.
Em 1993, com a maioria do capital da empresa, inicia uma gestão norteada pelo investimento na qualidade dos serviços e na remodelação do espaço. Em 1998 começou por obter as primeiras convenções da área de imagiologia e em 2010 a unidade de saúde "deu um grande salto" na sequência de um protocolo com a Maternidade Alfredo da Costa. Esse protocolo implicava o treino dos nossos médicos na área da ecografia obstétrica. Hoje, graças ao acordo com o Serviço Nacional de Saúde, há grávidas de toda a região de Lisboa e vale do Tejo e até do sul que acorrem a Chelas.
Matos e Silva lembra um professor, Pereira de Moura, que "acabava sempre as aulas a dizer "gerir é ter bom senso". E é". A isso acrescenta a perseverança e a humildade. "Estas duas características têm de estar sempre presentes."