Daniel Videira. Um mestre farmacêutico de olhos postos em Tóquio

Daniel é atleta de natação adaptada e uma das grandes esperanças nacionais para os Jogos de 2020. Ao mesmo tempo, está a acabar o mestrado em Ciências Farmacêuticas.
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Daniel Videira é nadador de alta competição e farmacêutico de profissão. A natação entrou na sua vida muito cedo - logo aos 4 anos - como reabilitação para a paralisia cerebral que lhe foi diagnosticada. As primeiras braçadas foram dadas no centro de reabilitação e aos 10 anos mudou-se para a escola de natação GesLoures, onde ainda hoje treina. Ir à piscina é quase como respirar para Daniel, hoje com 27 anos. "Passo mais tempo aqui na piscina do que em casa", admite.

Também porque não se limita a ser um nadador de fim de semana, e a vida de alta competição implica muitos sacrifícios. A começar por uma rotina intensa e "cansativa". "Acordo por volta das 06.30, temos treino no Jamor por volta das 07.30, depois vou para casa, descanso um bocadinho, almoço e à tarde tenho aqui [na GesLoures] o treino funcional, ou seja, fora de água e depois treino de água", descreve. Chega a casa por volta das 18.00.

Tudo isto é conjugado com o mestrado em Ciências Farmacêuticas, que está a fazer com o apoio das bolsas educação Jogos Santa Casa. Ainda assim, Daniel relativiza o esforço: "Este ano é o da tese e é muito mais calmo. Consigo estar por casa e conjugar muito mais as coisas." Pudera, no ano passado dividia-se entre os treinos em Loures e as aulas em Coimbra.

Neste ano, o nadador tem ainda outra razão para se sentir mais motivado: é o ano de apuramento para os Jogos Paralímpicos de 2020. "Toda a gente quer estar no seu melhor. Ninguém sabe quem vai estar nos Jogos, eu sou um dos que têm mínimos, mas temos de esperar até maio para saber quem serão os que têm mínimos."

Doutor dos medicamentos e das braçadas

A tirar o mestrado do curso de Ciências Farmacêuticas, Daniel espera poder conjugar as duas áreas e aproveita os estudos para garantir um futuro quando arrumar os calções de banho e a touca. "Imagino-me a seguir carreira como farmacêutico", refere. Embora gostasse de conseguir conjugar essa carreira com algo ligado ao desporto. "Gostava de explorar a área do aconselhamento dos atletas ou do antidoping", aponta como futuras carreiras combinadas.

Os estudos voltaram, depois de ter trabalhado como farmacêutico e ter sentido as dificuldades de conciliar o trabalho com o desporto de alto rendimento. Ao mesmo tempo, "queria muito voltar a estudar" e foi aí que descobriu a bolsa de estudos dos Jogos Santa Casa, que lhe deu "uma motivação extra". "Já tinha essa vontade, mas a Santa Casa acabou por ser aquele apoio que me levou a tomar esta decisão. Permitiu-me abdicar de uma vida profissional para conseguir voltar a estudar. Só conseguiria com a bolsa." Esta é já a segunda vez que recebe esta bolsa de estudos, que permite pagar as propinas e outras despesas.

Além dessa ajuda financeira, Daniel conta com o apoio da família. Os dois irmãos mais velhos, também eles desportistas, foram sempre os seus grandes incentivadores. Além dos pais, esses já menos dotados para o desporto, acrescenta o nadador.

Diagnosticado com paralisia cerebral, que surgiu no parto, Daniel nunca se sentiu diferente. Em casa com os irmãos "sempre foi uma relação normal. E na escola também sempre fui tratado com normalidade", aponta.

Só se percebeu que havia algo de diferente quando "demorei a andar", explica. Foi aí que começou a fazer reabilitação no centro de paralisia cerebral, com fisioterapia, equitação e a adaptação ao meio aquático. "Estive sempre muito ligado ao desporto, o que a ajudou a minimizar alguma dificuldade que pudesse ter e a ter uma vida praticamente normal", justifica.

Daniel aproveita para desmistificar o que é sofrer de paralisia cerebral. "Não é nenhuma deficiência intelectual. O que acontece na paralisia cerebral é que pode haver uma falha na oxigenação do cérebro e isso pode levar a limitações muito diferente. Pode afetar uma parte do corpo, que é o meu caso, no lado direito, ou pode afetar as pernas, pode haver pessoas de cadeiras de rodas. É um largo espectro. Mas é muito raro haver a parte da deficiência intelectual, que é provavelmente o que as pessoas associam mais quando ouvem o nome, o que é completamente errado."

Treinar para o grande palco

Para o atleta de 27 anos, o facto de haver Paralímpicos tem tornado este um ano muito mais exigente em termos de treinos. Em setembro, foi sexto classificado na final de 400 metros livres da categoria S6, e depois disso a intensidade dos treinos não diminuiu. "Estou ainda no início de época e noto que estou a fazer tarefas que se calhar na época passada não fazia."

"É um grande sonho ir aos Jogos. Sempre foi um objetivo particular, sempre soube que ia ser muito difícil, mas, agora que vejo esse objetivo mais perto, dá sempre aquela motivação extra de lutar e tentar chegar mais longe e poder lá estar."

Mas não é só esse objetivo que torna Daniel Videira mais dedicado à natação. Este desporto é já "uma parte muito importante" na sua vida. "Como passo muitas horas aqui, acaba por ser algo que gosto de fazer. Gosto de treinar, também gosto de competir, mas gosto da parte do treino, apesar de ser muito sacrifício, muitas dores no corpo. Gosto daquela sensação de me tentar superar. Gosto de lutar pelos objetivos e tentar ser mais forte."

Daniel assume-se como um atleta muito focado dentro de água, embora também sinta que se dispersa quando as atividades são mais longas. "Acabo a pensar na vida ou noutra coisa qualquer", reconhece, entre risadas.

Só que este ano não tem muito tempo para distrações. "Vamos a mais competições para estarmos aptos para os Jogos. Em janeiro, há os nacionais para se saber quantas vagas há para os Jogos, depois em maio há o campeonato europeu e é aí que, vendo as posições do ranking, se vê quem vai a Tóquio, em setembro."

Se chegar lá, Daniel espera dar o seu melhor, sabendo o quão difícil é chegar às medalhas. Até agora, alcançou o segundo lugar nos europeus, no ano passado, e o sexto lugar nos mundiais - "foi uma marca incrível" -, em setembro. "Sei que nos Jogos daqui a um ano todos vão estar num grande nível. Eu quero estar numa final e aí tudo pode acontecer."

Apoiar os atletas nos estudos

Os Jogos Santa Casa já atribuíram mais de 200 Bolsas de Educação nas seis edições anteriores do projeto que promove a conciliação do desporto com os estudos.

Até à data, foram distribuídos mais de 600 mil euros a jovens atletas. Esta iniciativa - promovida pelos Jogos Santa Casa em parceria com o Comité Olímpico de Portugal (COP) e o Comité Paralímpico de Portugal (CPP) - tem por objetivo possibilitar aos atletas interessados a prossecução de carreiras duais. Além de ser um incentivo à conciliação da carreira académica com a carreira desportiva, visa ainda promover a redução do abandono prematuro dos estudos e o desporto de alto rendimento.

Para concorrer, os atletas e estudantes terão apenas de preencher dois critérios: desportivo (estar integrados no Projeto Olímpico Tóquio 2020 ou no Projeto de Esperanças Olímpicas Jogos Olímpicos 2024) e formativo (com a matrícula numa instituição de ensino superior ou num curso técnico profissional reconhecido oficialmente). A edição 2019-2020 fechou candidaturas em outubro.

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