Eis uma tendência global, induzida, celebrada e reduzida a estereótipos por muitas formas de esquematismo televisivo: cada vez há mais filmes que circulam, não exatamente em nome de componentes (ou razões) ligadas ao cinema, antes porque “sustentam” discursos edificantes que podem ser rentabilizados tanto no mais sério noticiário do pequeno ecrã como numa rubrica de um banal talk show. Lindo, de Margarida Gramaxo, é um desses filmes, datado de 2023, agora lançado em várias salas.A questão é mais delicada do que pode parecer, sobretudo num contexto como o português em que a fulanização infantil das diferenças de pontos de vista tende a alimentar “polémicas” alheias à produção de ideias. Lembremos apenas que este é um trabalho marcado por uma postura tão séria quanto respeitável: “uma reflexão sobre a vida, a terra e o mar”, como se escreve no site da respetiva distribuidora (Risi Film).Estamos perante o retrato de Lindo (nome verdadeiro: Manuel da Graça) que, na ilha do Príncipe, em São Tomé e Príncipe, construiu toda uma vivência marcada pelo destino das tartarugas marinhas - durante duas décadas caçou-as como meio de subsistência, até que o cruzamento da sua experiência pessoal com o trabalho de alguns biólogos o levou a encarar esses animais de modo bem diferente. Balanço da sinopse: “Atualmente trabalha em conservação marinha e protege as tartarugas de outros predadores.”Resta saber o que acontece em termos cinematográficos. Lindo é, de facto, um objeto algo à deriva, na procura de uma estratégia narrativa consistente para fazer passar a “mensagem” que, em boa verdade, já está totalmente explicitada na sua sinopse. Daí o contraste pouco produtivo entre os momentos de “reconstituição” da história da personagem e a sobrecarga de um diálogo em off cujo didatismo “radiofónico” cola mal com os restantes elementos.Dir-se-ia que, estranhamente, Lindo parece acreditar pouco naquilo que é o seu maior trunfo. A saber: as cenas do fundo do mar, resultantes de uma exemplar direção fotográfica de Hugo Azevedo, com a câmara subaquática de João Rodrigues. No limite mais drástico de tudo isto, Lindo corre o risco de ser confundido com um “especial” de televisão, previamente formatado por um discurso politicamente correto - o que é tanto mais frustrante quanto, segundo as informações disponíveis, a sua rodagem foi um empreendimento de grande ambição, concretizado entre 2016 e 2022.Daí o drama que se pressente: como construir uma relação com algum público quando há filmes que, justificadamente ou não, tendem a parecer-se com reportagens de raiz televisiva? Escusado será dizer que, neste contexto, Lindo é apenas um detalhe no interior de um mercado em desequilíbrio. .Eduardo Serra: O cinema é uma arte da luz.Buster Keaton: O cómico mais triste do mundo