A Sagres, na foto a desfilar no Tejo, em 2000, foi construída em 1937, em Hamburgo. O primeiro nome do navio foi Albert Leo Schlageter, sob bandeira alemã. Também se chamou Guanabara, quando pertenceu ao Brasil.
A Sagres, na foto a desfilar no Tejo, em 2000, foi construída em 1937, em Hamburgo. O primeiro nome do navio foi Albert Leo Schlageter, sob bandeira alemã. Também se chamou Guanabara, quando pertenceu ao Brasil.LEONARDO NEGRÃO

Juntar as “Irmãs” nos 250 anos dos EUA? Comandante da 'Sagres' prepara desafio

O navio-escola faz parte de uma irmandade de cinco barcas. Só estiveram juntas uma vez, em 1976, quando os Estados Unidos festejaram dois séculos. 50 anos depois, poderá a história repetir-se?
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O navio-escola Sagres foi incorporado na Marinha Portuguesa em 1962 e chegou aos portos nacionais já com uma história rica em peripécias marítimas. Construído em 1937, nos estaleiros Blohm & Voss, em Hamburgo, na Alemanha, teve como nome original Albert Leo Schlageter (antigo membro da Guarda Imperial alemã, que serviu durante a I Grande Guerra Mundial) e fez parte de um trio de embarcações que tinham, precisamente, o propósito de serem navios-escola da Marinha Alemã: as outras barcas eram a Gorch Fock (a primeira a ser terminada, em 1933, e que deu nome à classe destes veleiros) e a Horst Wessel (1936). Com o eclodir da II Guerra Mundial, as três navegaram com a bandeira nazi até à derrota das forças de Adolf Hitler em 1945.

Com a derrota foi determinado o desarmamento alemão, sendo que o equipamento militar dos nazis foi separado e sorteado entre os países aliados. Num dos lotes que seria ganho pelos Estados Unidos ficaram as barcas Albert Leo Schlageter e a Horst Wessel. A segunda seria rebatizada como Eagle e entregue à Guarda Costeira norte-americana, onde ainda hoje desempenha funções como navio-escola. A outra teria uma história diferente.

“Não havia na altura, no final da Guerra, nenhuma entidade interessada nela. Ainda esteve dois anos parada na Alemanha até que os americanos decidiram vendê-la ao Brasil, que também foi um aliado durante a Guerra, tendo perdido vários navios mercantes devido a ataques de submarinos. Venderam por um preço simbólico: cinco mil dólares. E depois, para trazer o navio da Alemanha, o Brasil pagou mais cinco mil dólares a um rebocador holandês. Ficou tudo por 10 mil dólares, um excelente negócio para os brasileiros”, recorda ao DN o comandante da Sagres, José Sousa Luís.

Rebatizado Guanabara (nome da célebre baía do Rio de Janeiro), serviu como navio-escola para a Marinha Brasileira, mas acabou por ficar ‘encostado’ (sem navegar) por volta do ano 1960. “O que aconteceu foi uma mudança de paradigma na Marinha Brasileira. Esta questão de ter veleiros como navios-escola, achavam eles, já não fazia muito sentido porque os navios à vela já quase que não existiam. Já eram todos a motor, com equipamentos cada vez mais sofisticados, e foi considerado que não fazia sentido estar a ensinar aos cadetes navegação astronómica”, explica ao DN o militar.

A Sagres, na foto a desfilar no Tejo, em 2000, foi construída em 1937, em Hamburgo. O primeiro nome do navio foi Albert Leo Schlageter, sob bandeira alemã. Também se chamou Guanabara, quando pertenceu ao Brasil.
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Portugal viu, então, uma oportunidade. A Marinha nacional usava um navio-escola, também de construção alemã, aprisionado durante a I Guerra Mundial, que já apresentava vários sinais de desgaste. A renovação não só seria cara como demorada, pelo que a decisão foi apresentar uma proposta de compra da Guanabara ao Brasil. O negócio fez-se por 150 mil dólares. A 8 de fevereiro de 1962 a barca navegou pela primeira vez com bandeira portuguesa içada e também com novo nome na palma: Sagres, a mesma designação do anterior navio-escola português, que hoje está ancorado em Hamburgo, servindo como museu e de volta ao seu nome original – Rickmer Rickmers.

José Sousa Luís, comandante da Sagres, junto ao leme da barca onde está inscrita aquela que é a divisa da Marinha desde 1863: “A Pátria honrae que a Pátria vos contempla”.
José Sousa Luís, comandante da Sagres, junto ao leme da barca onde está inscrita aquela que é a divisa da Marinha desde 1863: “A Pátria honrae que a Pátria vos contempla”.LEONARDO NEGRÃO

O Camarada e uma corrida

Recuemos agora um pouco na História, até ao final da II Guerra Mundial. Afinal, o que aconteceu à barca Gorch Fock? “No sorteio do armamento alemão, foi entregue à União Soviética e rebatizada Tovarich (Camarada). Com a desagregação da URSS, adivinhem quem ficou com o navio?”, questiona José Sousa Luís, que tem a resposta na ponta da língua: “A Ucrânia”.

No entanto, o uso dado à Tovarich foi escasso e o navio ficou encostado por falta de manutenção. Ao tomar conhecimento disso, uma fundação alemã acabou por tomar posse do veleiro e este foi alvo de várias renovações. É hoje um navio-museu, na sua Alemanha natal e com o nome original. “Há planos para que possa voltar a navegar, mas isso é mais complicado. O bom foi que o navio não se perdeu”, sublinha o comandante da Sagres.

A Sagres, na foto a desfilar no Tejo, em 2000, foi construída em 1937, em Hamburgo. O primeiro nome do navio foi Albert Leo Schlageter, sob bandeira alemã. Também se chamou Guanabara, quando pertenceu ao Brasil.
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A construção destas três barcas nos estaleiros Blohm & Voss também chamou a atenção de outro país que procurava um navio-escola, a Roménia, que encomendou a embarcação e recebeu-a a 22 de setembro de 1938. Batizado como Mircea, difere ligeiramente das anteriores nas dimensões, sendo um pouco mais curta em função das características do porto de Constança, no Mar Negro, onde ficaria sedeada.

A quinta das “Five Sisters” é mais recente. Em 1958, a Alemanha, numa fase de reconstrução e desenvolvimento, que a tornaria num dos motores económicos da Europa, continuava impedida de construir material bélico, mas já voltara a possuir Forças Armadas. As limitações ao rearmamento impostas no pós-guerra não impediam, no entanto, a Marinha Alemã de desenvolver um navio-escola. “Não foi preciso inventar a roda”, diz José Sousa Luís. Aos alemães bastou recuperar os planos dos anteriores veleiros, que já tinham provas dadas no mar, e avançaram, novamente em Hamburgo, para a construção do Gorch Fock II, atualmente sedeado no porto de Kiel.

Da ‘irmandade’ destas cinco barcas, de tecnologia e engenharia alemã, resultou também um compromisso entre os países que as detinham, como explicou ao DN o comandante da Sagres: “Foi combinado que sempre que os navios estivessem juntos e participassem numa regata, disputariam um troféu à parte entre os cinco, o Five Sisters. Só que isso só aconteceu uma vez. Em 1976, nas celebrações dos 200 anos da independência norte-americana, foi feito um grande encontro de veleiros nos Estados Unidos e as cinco estiveram presentes. O Gorch Fock II ganhou o troféu e nunca mais se disputou”.

Em 2026, os Estados Unidos celebram os 250 anos, no dia 4 de julho, e a Sagres tem previsto no seu plano de atividades estar presente nas comemorações oficiais em Nova Iorque. O comandante do navio-escola português revela ao DN que vai desafiar os seus homólogos a marcarem uma nova reunião das “Five Sisters”, provavelmente apenas quatro pois o navio-museu Gorch Fock original dificilmente estará apto a navegar.

“É um desafio e seria um grande orgulho poder dar um contributo significativo para a história e mística deste navio, que, para mim e para toda a guarnição, é o mais bonito do Mundo”, assume.

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