O Parlamento discute esta quinta-feira, 10 de julho, outra vez, se a violação deve ser ou não um crime público, isto é, se a possibilidade de denúncia pode ficar a cargo de outras pessoas que não as vítimas. Chega e BE, nesta matéria, estão no mesmo lado da barricada, mas, ainda assim, seja por desencontros em relação a “mecanismos técnicos e jurídicos”, como explicou ao DN a líder do BE, Mariana Mortágua, ou falta de “abertura” do PS e do PSD para o deixar passar, como critica a deputada do Chega Cristina Rodrigues, o tema talvez tenha de baixar à especialidade para não se perder na discussão parlamentar. Com uma analogia em relação a outra luta no hemiciclo, Mariana Mortágua explicou ao DN que “o tempo mostrou” como a consagração de crime público foi importante para combater a violência doméstica, “porque assumiu que as agressões no contexto de uma relação são um tema de segurança pública, são um tema da sociedade e não de vida íntima”.Mariana Mortágua lembra que as violações ocorrem, “em muitos casos, em contextos familiares, em relações de proximidade”, mas, neste momento, “não são considerados um problema de segurança pública e são um problema de violência sobretudo contra as mulheres”.“Esta natureza do crime público é hoje essencial não só devido ao passado escondido de violência contra as mulheres, mas também face às novas ameaças de uma extrema-direita que se vai construindo muito em torno do ódio às mulheres”, acusa, aludindo a “novos desafios de hoje em dia, que têm a ver com as redes sociais, com as partilhas”.Também Cristina Rodrigues considera que “a própria violência doméstica integra a violência sexual. E portanto, [em termos legais, atualmente] se uma violação ocorrer no âmbito de uma relação, tem uma natureza. Se for fora de uma relação, tem outra natureza. Mas a prática criminosa é exatamente a mesma”, explica a deputada do Chega, sublinhando uma “incoerência” na legislação.“Acho que hoje em dia ninguém contesta o facto de ter sido muito melhor tornar a violência doméstica um crime público”, argumenta, antes de explicar que se possibilitou à vítima pedir a suspensão provisória do processo. Hoje em dia, no crime de violência doméstica, se a vítima não quiser avançar com o processo, não é obrigada a isso”, explica, propondo que este mecanismo seja transportado para o crime de violação.“Propomos também que a vítima possa tomar declarações para memória futura. Ou seja, no momento em que faz a queixa, a vítima, para já, tem direito a um advogado, a um defensor oficioso, e pode fazer logo o pedido para que as suas declarações fiquem para memória futura, impedindo que ela tenha de ser novamente chamada para prestar declarações”.O encontro entre BE e Chega também ocorre neste ponto, com a líder do BE a apresentar duas possibilidades, começando desde logo por vincar que “nenhuma vítima é obrigada a participar numa investigação. É assim que acontece na violência doméstica, é assim certamente que acontece na violação. Portanto, o facto de fazer uma queixa não obriga uma vítima a participar num processo. O que permite é que a queixa seja feita sem depender da iniciativa da vítima.”Além disto, continua a líder bloquista, “em processos de crime contra a liberdade sexual, o Ministério Público, mediante o requerimento livre e esclarecido da vítima, pode determinar a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, desde que se verifiquem dois pressupostos: a concordância, neste caso, do arguido e da vítima, e que não seja um caso de reincidência.”Baixar à especialidadeMariana Mortágua diz “que há grupos parlamentares que têm dúvidas sobre esta lei, embora reconheçam a gravidade do problema” que BE, Chega, Livre e PAN, que já avançaram iniciativas neste sentido, pretendem combater. “Muitas dessas dúvidas têm a ver com mecanismos técnicos e jurídicos que podem ser consensualizados em especialidade. Portanto, o nosso objetivo é, para evitar provocar esse confronto na generalidade, tentar que o projeto possa baixar à especialidade em votação, onde há esta liberdade de consensualização de posições e para conseguir um resultado mais profícuo e para conseguirmos avançar nesta matéria.”Para Cristina Rodrigues, “mais valia os partidos terem coragem de se chegar à frente e dizerem já como é que vão votar ou não”, tendo em conta que o tema “tem ido anualmente a debate e tem sido rejeitado”.A deputada do Chega acusa “uma maioria parlamentar” de estar “contra a ideia em si”, motivo pelo qual diz não acreditar “que numa especialidade seja possível alterar essa sua perceção”. Ainda assim, Cristina Rodrigues guarda alguma esperança para que PS e PSD, “que são quem tem bloqueado”, demonstrem “essa abertura para, em especialidade, fazer-se audições, pedir-se pareceres e chegar-se a uma conclusão”. “Não vamos inviabilizar o processo desse ponto de vista”, promete. .Parlamento discute proposta do BE para consagrar violação como crime público.Violência doméstica. PJ preocupada com radicalização de jovens e PGR quer agressores fora de casa, não vítimas