Convencido de que “o mundo hoje está mais favorável” a Donald Trump do que estava em 2016, Vasco Rato lembra como “nessa altura todas as suas ideias, a insistência em novas regras, novas formas de fazer as coisas pareciam muito bizarras.” Mas se o cenário lhe parece mais propício ao republicano, agora que regressa à Casa Branca depois de ter sido derrotado por Joe Biden em 2020, o autor de Tsunami - Trump, Trumpismo e a Europa e antigo presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) garante que, mais do que adivinhar o que o novo presidente dos EUA vai fazer no primeiro dia, a hora é de perceber o que Trump pretende para o futuro. Ou seja, como o homem que toma hoje posse vai “adaptar a América ao que ele considera ser a nova realidade estratégica mundial.”Qual é então a visão de Donald Trump? “Num mundo onde surgiram novas potências, nomeadamente a Rússia e a China - que agem de forma contraditória às regras da ordem liberal que existiram desde a Segunda Guerra Mundial -, os EUA têm de agir de outra forma. Tem de haver uma revolução, um novo paradigma de atuação da política externa, imposto pelas realidades internacionais”, diz Vasco Rato..Tudo sobre a tomada de posse de Trump. Quem está convidado, quem fica de fora e o programa da cerimónia. Também Tiago Moreira de Sá está convencido de que “é preciso entendermos que as prioridades de Donald Trump não surgem como meras promessas de campanha, vazias de conteúdo e privadas de desígnio, mas sim como manifestações concretas de um ethos político muito particular, que articula tradição, ideologia e poder, enquadrado num diagnóstico do Estado da América e do processo de transição de poder no sistema internacional.”Para o coautor, com Diana Soller, de Donald Trump - O Método no Caos, e atual eurodeputado do Chega, o objetivo primeiro do presidente é inverter o declínio da América com um “movimento duplo: internamente, a restauração da soberania e do controlo - sobre as fronteiras, os mercados, as instituições -, e, externamente, a rejeição de compromissos globalistas que representem obstáculos ao alargamento da esfera de poder americano.”Ora esta “nova distribuição de poder” exige, segundo Vasco Rato, “novas formas de atuar”. E “os europeus têm muitos problemas com isto”, uma vez que é tradição do Velho Continente acreditar que é “a conversar sobre as coisas que encontraremos soluções”. Mas “não é assim que a China, a Rússia e agora os EUA olham para o mundo - olham para o mundo como disputa de poder”, acrescenta. Autor de Isto Não é Bem Um Presidente dos EUA, Germano Almeida vai mais longe e não acredita que a Europa esteja pronta para mais quatro anos Trump. “Trump não acredita no projeto europeu e nas vantagens das alianças permanentes. Prefere um comportamento de bully de ‘têm de pagar se não sofrem as consequências’.” Para o especialista em Assuntos Internacionais, “devemos esperar tarifas, chantagem e discurso duro. Não devemos esperar uma ‘velha aliança liberal do amigo americano’”. Germano Almeida está, por isso, convicto de que, “para o futuro presidente dos EUA, a Ucrânia é problema europeu e não americano. Trump vai querer surgir como ‘construtor da paz’, mas na prática vai permitir que a Rússia ocupe os 20% ganhos pela guerra em três anos” E deixa a pergunta: “Manterá Trump a promessa de que os EUA vão continuar a apoiar a Ucrânia se Kiev aceitar cedências?”.“A relação transatlântica é essencial para a Europa, assim como para os Estados Unidos e para o mundo. A aliança com os EUA e a NATO está para os nossos tempos como a Paris da época de Henrique IV: valem bem uma Missa.”Tiago Moreira de Sá.Quem se mostra menos pessimista é Tiago Moreira de Sá. Para o eurodeputado, a Europa “tem de estar” preparada para voltar a lidar com Donald Trump, uma vez que “a relação transatlântica é absolutamente essencial para a Europa, assim como para os EUA e para o mundo. A aliança com os EUA e a NATO está para os nossos tempos como a Paris da época de Henrique IV: valem bem uma missa.”Perante “um conjunto de potências revisionistas, como a Rússia, a China, o Irão e a Coreia do Norte, que pretendem aproveitar o que percecionam ser a fraqueza do Ocidente para alargar os seus interesses e proceder a uma redefinição das normas e valores que regem as relações entre os Estados”, Tiago Moreira de Sá garante que “só uma liderança forte na América e uma Aliança Atlântica gravada em pedra sagrada e fortalecida com um impressionante hard power podem impedir que o mundo de amanhã seja formatado pelas potências do eixo do caos.” E o professor associado da Universidade Nova de Lisboa vê na eleição de Trump “uma oportunidade para a Europa se inspirar no exemplo americano”. Após quatro anos de uma Administração Biden que a fez respirar de alívio, Vasco Rato acredita que a Europa não entende a forma de Trump fazer política. “Por exemplo, aquela conferência de imprensa em que ele fala do Canadá, da Gronelândia e do Canal do Panamá, aquilo não é literal. O que ele está ali a fazer é articular uma posição negocial, mas não é necessariamente aquilo que ele quer dizer.”.“Aquela conferência de imprensa em que Trump fala do Canadá, Gronelândia e Canal do Panamá, aquilo não é literal. O que ele está ali a fazer é articular uma posição negocial.” Vasco Rato.E esta visão mercantilista do mundo, natural num homem que fez fortuna no imobiliário, também se aplica à Europa. “O que ele diz à Europa é: ‘Olhem, andamos a pagar a vossa Defesa há décadas, e vocês continuam a ter um conjunto de obstáculos às empresas americanas’”, explica o professor, para o qual a estratégia do presidente passa por refazer a relação comercial “de forma mais equitativa”.Quanto à Ucrânia, Vasco Rato vê a invasão russa como um “wake-up call”, um despertar para os europeus que perceberam que quando Trump, no primeiro mandato, exigia que os países da NATO aumentassem os orçamentos da Defesa não era descabido. “Quando ele chegou à Casa Branca pela primeira vez, disse que era necessário aumentar os gastos. Hoje os europeus estão a aumentar os gastos até 2%. Mas fala-se já em 3%, 4%, 5%. Portanto, a guerra na Ucrânia, as dificuldades da China e a crescente assertividade da China no Indo-Pacífico, em relação a Taiwan, tudo isto cria um mundo mais favorável à abordagem de Trump”, diz.O antigo presidente da FLAD sublinha ainda que, neste seu regresso à Presidência, Trump está muito reforçado, depois da vitória inequívoca nas Presidenciais de 5 de novembro de 2024 frente a Kamala Harris, a vice de Biden. .O dia em que Trump admite que será "ditador". “Quando Joe Biden ganhou, a reação europeia foi algo como: ‘Felizmente, o homem vai-se embora e isto regressa à decência’. Mas afinal não. As limitações ao comércio livre não foram retiradas pela Administração Biden. Esta continuou a seguir o protecionismo, até o acentuou em alguns sentidos. Houve a saída do Afeganistão sem consultar os aliados. Portanto, durante os últimos quatro anos começou-se a perceber que, se calhar, não íamos regressar àquele período dos anos 90 de esperança na paz perpétua”, explica Vasco Rato. E acrescenta: “Muitas pessoas pensavam que era Trump a causar a crise, mas na realidade Trump era consequência da crise existente.”Para Germano Almeida, este “regresso de Trump marca o falhanço do objetivo de Biden de tornar a primeira presidência Trump num intervalo na normalidade democrática.” Mais, para o especialista em política internacional “Biden corre, ele sim, o risco de aparecer como um intervalo falhado de normalização democrática num crescente processo de radicalização e polarização.”.“O regresso de Trump marca o falhanço do objetivo de Biden de tornar a primeira presidência Trump um intervalo na normalidade democrática. Biden corre, ele sim, o risco de aparecer como um intervalo falhado de normalização democrática num crescente processo de radicalização e polarização.”Germano Almeida.Quanto ao segundo mandato do milionário - que fez promessas que vão desde acabar com a inflação, impor tarifas aos bens importados, expulsar em massa os imigrantes ilegais ou resolver a guerra da Ucrânia -, acredita que “mais do que assustadores, perigosos ou de rutura, os próximos quatro anos serão de transição.” Mesmo se, explica Germano Almeida, “o poder quase total de Trump pode durar só dois anos”. Desta vez, o republicano venceu no Colégio Eleitoral, mas também no voto popular e viu também o seu Partido Republicano conseguir a maioria tanto na Câmara dos Representantes como no Senado. Além de haver uma maioria conservadora no Supremo Tribunal. Mas Germano Almeida relembra que “é provável que em 2026 os democratas recuperem o controlo do Congresso” e, “a partir daí, a Presidência Trump pode ficar muito limitada”. O especialista em Política Internacional alerta ainda para outra possibilidade: a de que Trump - que não se pode recandidatar em 2028 -, se perder a maioria no Congresso dentro de dois anos, fique ainda mais sob “o ascendente de Elon Musk [o dono do X e seu aliado próximo].Para já, e apesar de Trump controlar ambas as câmaras do Congresso, Diana Soller recorda que há instituições capazes de travar o presidente - “no primeiro mandato [de Trump] os tribunais foram muito fortes relativamente a questões como a proibição de entrada nos EUA de cidadãos de um conjunto de Estados muçulmanos. No entanto, é preciso ter atenção quer à composição do ramo legislativo, quer à nova Administração que está agora a ser ouvida no Senado.” E a investigadora do IPRI/ Nova, e coautora de Donald Trump - O Método no Caos alerta: “O Partido Republicano está mais alinhado com Trump do que em 2016 e esta Administração é feita à medida da agenda do presidente.”Ainda sobre as audiências no Senado dos membros da Administração, Vasco Rato lembra que a equipa do republicano no primeiro mandato “não eram pessoas dele, não estavam sincronizadas com a forma como ele pensava. E isso provocou algum caos, aquelas contradições todas.” Mas agora “estas pessoas querem implementar a sua agenda”. .“Trump é um outsider que chegou ao mainstream e conseguiu impor a sua agenda através de uma leitura muito eficaz de uma parte insatisfeita do eleitorado. Toda a ‘outra América’ pode não se ter revisto em Kamala Harris, mas também não se revê em Trump.”Diana Soller.Mas nem um presidente reforçado nem uma equipa mais coesa garantem, segundo Diana Soller, que a nova Administração consiga amenizar as profundas divisões na sociedade americana. “Cada vez me parece mais difícil uma inversão da polarização norte-americana. Trump é um outsider que chegou ao mainstream e conseguiu impor a sua agenda através de uma leitura muito eficaz de uma parte insatisfeita do eleitorado. Toda a ‘outra América’ pode não ser ter revisto em Kamala Harris, mas também não se revê em Trump.”Abalado pela derrota de Harris, o Partido Democrata tem agora pela frente o desafio de encontrar líderes para o futuro. “As pessoas que dominaram o partido tinham uma agenda manifestamente rejeitada pela grande maioria do eleitorado americano”, explica Vasco Rato, para quem “a solução para o Partido Democrata é reencontrar-se com as preocupações genuínas dos americanos.”E no Partido Republicano, o vice-presidente J.D. Vance é o futuro? “Depende do que acontecer nos próximos quatro anos, mas a esta distância é evidente que é o herdeiro natural de Trump.”